As eleições municipais vão se aproximando e com elas aumentam as ilusões e a alucinação de setores da esquerda. Do mesmo modo que os políticos oportunistas de todas as cores se transformam em verdadeiras pessoas do povo, se misturando com a população nos bairros, segurando crianças no colo, jogando uma pelada no campo de areia; as eleições também operam uma transformação nos intelectuais da esquerda.
Assim, o teórico radical, semi anarquista, defensor da ação direta vira um ardoroso defensor do voto útil, o rígido acadêmico se transforma no mais emotivo dos escritores, o ranzinza cético para quem nada tem futuro, se torna o mais esperançoso dos pensadores.
Esse parece ser o caso do cientista político e professor Aldo Fornazieri. Na última segunda-feira (27), publicou uma coluna no sítio Brasil 247 na qual tece longos e emocionados elogios a Guilherme Boulos e Luiza Erudina. Fornazieri tem sido um crítico do comportamento da esquerda na situação política. Com críticas certas ou erradas, ele tem se colocado contra a paralisia da esquerda parlamentar, apresentando a situação política um tanto quanto sem perspectivas.
No entanto, em sua coluna “Boulos e Erundina: sabedoria e esperança”, como já revela o título, sua visão em relação às eleições é a mais ingênua possível. Não apenas por seus elogios à chapa do PSOL, mas também pela maneira como apresenta a chapa do PT. Diferente da parte da esquerda que embarcou na onda Boulos-Erundina e defende que o PT abdique da candidatura de Jilmar Tatto para apoiá-la, Fornazieri defende que se mantenham as duas candidaturas. Isso porque, segundo ele, “PT e PSOL precisam ter a sabedoria de perceberem quais são seus respectivos espaços políticos e construir seus caminhos sem confronto, andando em paralelo e somando sempre que possível.”
Aqui vemos o autor se isentar de qualquer avaliação crítica das eleições. É como se as eleições um terreno normal de disputa política, não há golpe, não há fraude eleitoral. O fascismo, representado por Bolsonaro, é apenas uma abstração que será combatido nas eleições, com bandeiras tremuladas pelos dois candidatos da esquerda.
Para Fornazieri, ou pelo menos é o que ele deixa transparecer em seu texto, não há manobras políticas nas eleições, não há uma encarniçada luta de interesses. É uma disputa normal: quem tem mais voto, ou seja, quem tem apoio popular vence. A democracia é linda.
Mas o que mais chama a atenção no texto são as considerações sobre Boulos e Erundina. Tais elogios só podem ser explicados, além da ilusão eleitoral, pela propaganda feita pela própria imprensa burguesa em relação à chapa, incomum quando se trata de candidatos de esquerda.
Os elogios vão de que a candidatura a vice de Erundina é “uma homenagem aos velhos” até o de que Boulos é o “líder que empalmará o cetro de Getúlio Vargas e de Lula e que dará continuidade às suas lutas e aos seus feitos, superando-os”. Essa consideração épica de Boulos revela que Fornazieri está encantado pela propaganda que a imprensa burguesa tem feito do líder do PSOL. Ele continua dizendo que Boulos é “o estadista do amanhã, capaz de conduzir o povo e o Brasil a um elevado patamar”.
A ingenuidade que Fornazieri apresenta nesse artigo em relação às próprias eleições explica também a maneira como enxerga a candidatura de Boulos. Para ele, Boulos e Erundina são uma chapa que disputa as eleições sem cumprir nenhum papel político mais geral. Fornazieri ignora a relação de Boulos como principal defensor da frente ampla na esquerda, ou seja, a aliança com a direita golpista. Fornazieri não relaciona essa política ao destaque dado a Boulos pela imprensa golpista. Portanto, Fornazieri não vê o papel da candidatura do PSOL nas manobras políticas gerais.
Diferente do que afirma Fornazieri, a candidatura de Boulos é impulsionada em contraposição à candidatura do PT. Essa é a função, esvaziar eleitoralmente o PT, se apresentando como alternativa a ele. Essa manobra não visa apenas as eleições municipais, mas é parte da manobra nacional com vistas inclusive à eleição presidencial.