Por Eduardo Vasco
Na próxima quarta-feira (27), a Comissão Europeia vai apresentar o plano de recuperação econômica dos países membros da União Europeia que estão sofrendo com a crise acentuada pela pandemia do coronavírus.
O mais provável é que o montante acordado seja o proposto por Alemanha e França na semana passada: 500 bilhões de euros (cerca de 3 trilhões de reais). Esse número é resultado de uma tensa negociação, porque França, Espanha e Itália (países mais afetados pela pandemia), que queriam um subsídio, conseguiram se sobrepor a países como a própria Alemanha, Áustria ou Holanda, partidários de um empréstimo àqueles países.
Voltaremos a esse imbróglio mais adiante neste artigo.
Anteriormente a esse montante, em abril, a UE já havia anunciado um pacote de empréstimos de 540 bilhões de euros aos países que solicitarem a fim de estancar a crise. Dessa soma, 240 bilhões serão destinados como fundo de resgate da Zona do Euro, uma linha de crédito do Mecanismo de Estabilidade Europeu; 200 bilhões serão direcionados para créditos às empresas; enquanto os 100 bilhões restantes irão para um fundo temporário para ajudar as empresas a pagarem os salários e evitar demissões.
É possível perceber, já, que trata-se de um plano de salvamento dos grandes capitalistas em primeiro lugar. Publicamente, não se falou ainda que esses montantes terão os mesmos condicionantes que o resgate financeiro do pós-2008, como reformas estruturais privatizantes e planos de austeridade.
É fundamental destacar, no entanto, que a política econômica da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, as três instituições internacionais que emprestaram dinheiro aos países europeus afetados pela crise de 2008) não começou a ser implementada imediatamente. Ela foi se desenvolvendo ao longo dos anos pós-crise.
Consequências da crise de 2008 na Europa
Não vamos falar aqui das causas da crise de 2008 na Europa, que está umbilicalmente interligada com o estouro da bolha financeira nos EUA no mesmo ano. O que importa aqui são as consequências.
Como sempre, a corda arrebentou no lado mais fraco, ou seja, nos países mais atrasados da Europa Ocidental: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (PIIGS, na sigla em inglês, em uma referência à palavra “porcos”, uma vez que esses países estavam chafurdados na lama).
Na União Europeia, a queda no Produto Interno Bruto (PIB) foi de 4,3%, e de 4,5% na Zona do Euro, no ano de 2009. Por sua vez, entre 2008 e 2013 a retração econômica foi de 26% na Grécia, 9% na Espanha e 8% em Portugal e na Itália.
No mesmo período, a renda dos mais pobres caiu 51% na Grécia, 34% na Espanha, 28% na Itália e 24% em Portugal. Já a dos mais ricos não caiu tanto, como sempre, mas também caiu bastante: 39% na Grécia, 17% em Portugal, 16% na Espanha e 8% na Itália.
Um dos primeiros passos para resolver a crise, logicamente do ponto de vista dos capitalistas, com a quebra da economia na Zona do Euro, foi a formulação de um plano de 200 bilhões de euros para resgatar o sistema bancário. Após os resgates, as dívidas privadas foram repassadas para a dívida pública. Nos anos seguintes, os PIIGS tiveram de tomar empréstimos bilionários da UE e do FMI.
As dívidas com os bancos prenderam esses países, especialmente a Grécia, à política dura de arrocho e austeridade para reformar suas economias, privatizando suas empresas para o capital estrangeiro, realizando demissões em massa no setor público, entregando as empresas privadas nacionais às internacionais, destruindo os programas sociais, reduzindo radicalmente o papel do Estado em setores estratégicos e fundamentais para a vida da população, como a saúde, a educação, o turismo etc.
A troika obrigou todos os países que “resgatou” a apertarem os cintos, ou seja, a sacrificarem seus gastos públicos para entregar esse dinheiro aos grandes bancos. É isso o que significa, no final das contas, o termo “responsabilidade fiscal”.
Um estudo publicado em 2017 pela revista New Political Economy mostrou que em praticamente todos os países que adotaram a política de austeridade neoliberal houve um aumento da desigualdade social (já elevada em anos anteriores à crise).
No pós-2008, a troika controlou os programas de austeridade dos países europeus mais atrasados, como Grécia e Portugal. Mas não foi tão preponderante na Itália e na Espanha, cujos capitalistas são mais poderosos do que nos países anteriormente mencionados, o que lhes deu um maior poder de barganha para repartir os ganhos do saque ao povo em relação aos capitalistas gregos e portugueses.
Entretanto, mesmo assim, a crise de 2008 não foi solucionada. Como tal, levou à crise que vivemos hoje.
A crise econômica de 2020 na UE
O que estamos vendo este ano é a maior queda do PIB desde a criação da União Europeia. Uns dizem que trata-se da maior crise desde a II Guerra Mundial; outros, desde a crise de 1929.
No começo de maio, a Comissão Europeia divulgou uma previsão de queda de 7,75% da economia do bloco em 2020, com um aumento de 9% na taxa de desemprego (sendo 9,5% na Zona do Euro) – pesquisa do Eurofound diz que 28% dos europeus afirmam ter perdido o emprego (ao menos temporariamente) desde o início da pandemia.
Ainda segundo a CE, a Itália terá uma recessão de 9,5%, a Espanha de 9,4%, a França de 8,2% e a Alemanha, de 6,5%.
Além disso, a Itália verá sua dívida pública (que já é a maior do continente) subir de 134,8% do PIB para 158,9%. Já o déficit, cujo máximo permitido pela UE é de 3%, deverá ser de 11,1%. A média do bloco deve ser de 8,5%, enquanto que, em 2019, ela foi de 0,6%.
A Espanha não terá um destino muito melhor que o da Itália este ano. A previsão é de que a dívida pública chegue a 115,6% e o déficit a 10,1% do PIB, enquanto a taxa de desemprego aumentará para 18,9%.
Percebendo o tamanho da crise que se desencadeia, diversos bancos, com permissão do Banco Central Europeu, aumentaram o montante de suas reservas de capital no primeiro trimestre do ano, guardando mais dinheiro para absorver as perdas com eventuais empréstimos inadimplentes de seus clientes.
Isso levou à redução dos lucros ou mesmo ao prejuízo, por exemplo, do italiano Unicredit, que separou 1,2 bilhão de euros para se prevenir de possíveis inadimplências. Já o Barclays reservou 2,4 bilhões de euros e o Santander, € 1,6 bilhão. Enquanto isso, o francês Societé Générale acredita que deverá reservar 3,5 bilhões em 2020 e, em caso de uma “paralisia prolongada” devido ao coronavírus, pode chegar a € 5 bi.
O “resgate”… dos capitalistas!
Muitas empresas já estão quebrando. Estimativas indicam que o setor aéreo do continente (o mais afetado pela crise do COVID-19) poderá perder mais de 80 bilhões de euros em receitas este ano. Até 7 milhões de trabalhadores poderão ser demitidos. Várias empresas estão pedindo ajuda dos governos.
A Iberia pediu 1 bilhão do governo espanhol; a Alitalia já recebeu 1,2 bilhão do governo italiano; a AirFrance já recebeu 7 bilhões do governo francês; e a Lufthansa aguarda 10 bilhões do governo alemão. Esta última comprou a Brussels Airline, ao se tornar sua única acionista em 2017, e deverá injetar capital para salvá-la. A Brussels também espera por ajuda do governo belga.
Voltemos agora ao plano de resgate de 500 bilhões de euros mencionado no início deste artigo. As negociações sobre a forma como ele se dará foram duras. Os países mais ricos, como Holanda, Áustria e Dinamarca (e, em um primeiro momento, a Alemanha), queriam que esse resgate fosse feito através de um empréstimo aos países mais afetados (basicamente, França, Itália e Espanha). Já estes, queriam que fosse um subsídio, ou seja, sem necessidade de reembolso. O plano acordado entre Angela Merkel (líder alemã) e Emmanuel Macron (presidente francês), proposto por eles aos demais países, faria com que esse dinheiro fosse emprestado para a Comissão Europeia e seus membros teriam de pagar a dívida conjunta até 2040.
Mas por que os dois países imperialistas mais importantes da UE teriam concordado com um plano, aparentemente, desfavorável para seus bancos? Uma hipótese é que aprovaram esse fundo “solidário” a fim de evitar uma crise política generalizada. Isso porque, caso o plano de empréstimo fosse vitorioso, contrariaria totalmente as aspirações da Itália, país mais afetado pela crise e que arcaria com os maiores custos da dívida (que vai crescer ainda mais este ano). E não só: Espanha e a própria França também seriam atingidas. O que esses três países têm em comum? Eles têm os movimentos fascistas mais importantes da Europa, que vêm mantendo uma pressão enorme sobre o regime político e que são declaradamente contrários à integração nos moldes da União Europeia.
Um plano imediato de “resgate” a esses países, fazendo com que acumulassem ainda mais dívidas, poderia levar a uma nova e ainda mais forte tendência de desagregação do bloco.
Porém, essa mesma proposta de Merkel-Macron contém direcionamentos capitalistas. De quem a Comissão Europeia pegaria os empréstimos? A imprensa fala nos “mercados”. Logicamente, os credores seriam os bancos, sempre. Os detalhes ainda deverão ser divulgados proximamente e é preciso estar monitorando.
Já o pacote de 540 bilhões de euros, está ainda mais claro: irá gerar uma acumulação de dívidas para os países que aderirem aos programas, dívidas essas que, todos sabemos, nunca conseguem ser quitadas e transformam ainda mais os países em escravos dos grandes bancos, aniquilando sua soberania.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou: “com esse pacote sem paralelos, carregamos juntos o fardo da crise.” Acredite quem quiser.
A conclusão política que deve ser retirada neste artigo, contudo, é esta: este é apenas o começo. Como dito anteriormente, as medidas mais drásticas pós-crise de 2008 (isto é, a implementação da troika), não foram tomadas imediatamente. Em Portugal a troika durou de 2011 a 2014 e, na Grécia, de 2010 a 2018, com três programas de austeridade.
Os dois pacotes já anunciados atualmente que, juntos, somam mais de 1 trilhão de euros, são pacotes de emergência implementados ainda no começo da crise atual. Tudo indica que muitas outras medidas ainda serão tomadas a fim de “recuperar” as economias europeias. Mas a UE aprendeu com 2008 e agiu muito rápido. Essa “recuperação” também pode marcar um salto qualitativo no saque das nações europeias pelos grandes bancos, credores eternos de suas dívidas, senhores de escravos modernos.