Ao longo da história da formação política do Brasil, o movimento estudantil obteve destaque pela sua contundente atividade no âmbito das lutas sociais em defesa de direitos e na legitimação dos mesmos. Os estudantes, atuando por vezes na clandestinidade, possuem grande valor no que se refere aos mecanismos de concepção de opinião, formação da identidade sociocultural e política do povo brasileiro, tornando-se um ponto de resistência nos períodos em que fora exigido.
No Brasil, a fundação da Federação de Estudantes Brasileiros, em 1901, deu início ao processo de articulação legal do Movimento Estudantil. A União Nacional dos Estudantes – UNE, veio a ser fundada apenas em 1937, e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES, em 1948. Estas serviram para unificar nacionalmente as diversas bandeiras estudantis que até então eram defendidas nas infrequentes instituições de ensino do país. Através de uma representatividade coletiva reconhecida, foi possível então o surgimento de representações regionais e internas nas universidades.
Algumas instituições se destacaram ao longo da história do Movimento Estudantil brasileiro. São elas: Colégio dos Jesuítas da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, Centro Acadêmico XVI de Agosto, Faculdade de Direito do Largo São Francisco – atual Universidade de São Paulo – USP e a emblemática União Nacional dos Estudantes – UNE.
Aos estudantes foi necessário lutar inclusive nos momentos em que a opressão era o regime mais impetuoso que se abatia sobre a nação; vide o Golpe de Estado em 1964 e a posterior Ditadura Militar que assolou o país até 1985. Ditadura que perseguiu, torturou e matou inúmeras lideranças da juventude estudantil, tanto que a própria UNE foi colocada na ilegalidade pelos golpistas.
Cerca de 10% dos mortos e desaparecidos oficiais, isto é, os que foram reconhecidamente mortos pelo regime, eram ligados à USP. No entanto, é de conhecimento público que a ditadura assassinou muito mais opositores do regime. E foram os estudantes da USP os primeiros a se mobilizarem com palavra de ordem “Abaixo a Ditadura”. Até mesmo um órgão (Assessoria Especial de Segurança e Informação – AESI) que ligava diretamente a Reitoria da Universidade ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) foi criado para oprimir os estudantes.
Agora, 57 anos depois do golpe de 1964, e diante de uma ameaça real de mais um golpe militar, a UNE cruzou os braços e abandonou os estudantes à própria sorte. Controlada há décadas pela esquerda pequeno-burguesa da “União da Juventude Socialista – UJS”, ligada ao PCdoB, a entidade já não é reconhecível aos olhos dos antigos militantes.
Diferentemente da geração que protagonizou os abalos de 1968, quando o movimento estudantil foi a principal representação política da juventude – em meio à censura do regime militar – sofrendo diversas baixas em suas lideranças, ora assassinadas e torturadas por defender alternativas ao poder concentrado na mão de fascistas, as lideranças estudantis da UNE parecem ignorar o que ocorre à sua volta e apelam para reuniões virtuais vazias e incapazes de promover algum impacto na realidade.
A indiferença dos dirigentes da UNE ficou visível na última quarta-feira (31.03), quando ocorreram dezenas de manifestações contra a ditadura militar de ontem e de hoje. De norte a sul milhares de pessoas se mobilizaram, foram às ruas, para não permitir a comemoração do regime militar brasileiro que se iniciou com o golpe de 1964, mas também se opor e reivindicar o fim do governo ilegítimo de Jair Bolsonaro.
Convocados oficialmente pelo Partido da Causa Operária (PCO), a esmagadora maioria dos membros da juventude estudantil presentes nos atos eram justamente da Aliança da Juventude Revolucionária (AJR), a juventude do PCO, que também desempenhou um papel fundamental no processo de mobilização e convocação geral para os atos em todo o país.
Se mesmo diante de uma autorização Judicial para o presidente ilegítimo Jair Bolsonaro comemorar oficialmente o golpe militar neste último dia 31 de março a UNE e suas direções ficaram completamente paralisadas e não enxergaram mal nisto, então é hora de reforçarmos nossa palavra de ordem para com os estudantes: É preciso que a juventude rompa com as direções pequeno-burguesas.
É inadmissível que diante de uma comemoração governamental pelos os 21 anos de terror político contra a juventude brasileira a principal entidade estudantil do país fique na frente de um computador e não mobilize os estudantes contra esta verdadeira ameaça direta a todas as organizações estudantis e juvenis e movimentos de juventude.
A mesma UNE que chegou a ser indenizada pelo Estado ainda no governo Lula para a reconstrução de sua sede no Rio de Janeiro, pouco ou nada fez pela sua liberdade e a recuperação de seus direitos políticos.
O silêncio e inação política da UNE mesmo diante das ameaças da direita e da extrema-direita nacional é um reflexo da política pequeno-burguesa que tomou conta da entidade que um dia trouxe o dirigente cubano Fidel Castro para discursar em seu 46º Congresso de 1999, em Belo Horizonte (MG).
A UNE e todo o movimento estudantil brasileiro precisam ser reconstruídos pela base, através de uma mobilização geral dos estudantes que passe por cima da burocracia estudantil e coloque as organizações em mobilização contra os golpes fascistas do passado, do presente e o que se assanha no horizonte.