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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Dúvida cruel

Afinal, o que é “ser de esquerda”?

Causa espanto um sujeito que diz ser mais à esquerda que o PT afirmar que um representante da burguesia é uma pessoa “de esquerda”

guilherme boulos e walfrido warde (1)

A recente matéria deste Diário sobre as “ligações perigosas” entre a estrela maior do PSOL e os representantes do imperialismo, como não poderia deixar de ser, causou rebuliço nos sites ditos progressistas. O rebuliço ganhou ares de histeria no DCM, onde Boulos foi recebido com direito a tapete vermelho e isenção de questionamento.

Um dos entrevistadores, em surto de autenticidade, chegou a usar termos de baixo calão para falar com os internautas do chat. Fez isso quando percebeu que nem todos aderiram ao tom de deboche com que a discussão foi apresentada, dirigindo os impropérios à audiência, que insistia em querer ouvir o que o pré-candidato do PSOL ao governo de São Paulo tinha a dizer sobre o tema.

A velha máxima popular “Diz-me com quem andas e te direi quem és” poderia, ao menos, ter suscitado um debate, já que, para a maioria das pessoas razoáveis, é, no mínimo, estranho um político de esquerda ser apoiado por uma instituição cujos sócios têm compromisso político com a direita. Tanto pior o fato dar-se num momento em que vivemos as consequências de um golpe de estado perpetrado por essa mesma direita.

Nem é preciso ir muito longe para entender o problema. Temos o caso de Tabata Amaral, que vendeu um discurso de esquerda para se eleger, mas, no frigir dos ovos, votou com a direita de seu padrinho Jorge Paulo Lemann, bilionário dono da fundação que carrega o seu nome. Diga-se que ela foi aluna do Renova Brasil, espécie de “instituto” que assim se define:

O RenovaBR é uma escola de formação política mantida por cidadãos comuns que acreditam em uma democracia mais saudável, participativa e representativa. Atuar de forma independente em meio aos inúmeros atores, agendas e demandas da política é condição essencial ao nosso trabalho. Assim recebemos contribuições dos mais diversos setores e qualificamos futuras lideranças independentemente de suas origens, crenças e posicionamentos.

O instituto criado pelo “investidor” Eduardo Mufarej e apoiado por Luciano Huck congrega um bom número de “professores”, que preparam “pessoas comuns” para se tornarem candidatos elegíveis… de preferência, pelo partido Novo, que, malgrado o nome, é o que de mais reacionário surgiu na política nos últimos tempos. Vale ler a reportagem do site Intercept sobre essa autodenominada “escola de política” e sua crescente interferência na política nacional.

Se Mufarej e Huck não deixam dúvidas de que passam muito longe da esquerda, embora o RenovaBR omita seu real posicionamento político, o senhor Walfrido Warde, o bem-sucedido empresário e advogado dono do IREE, pelo menos na opinião de Boulos, é “um homem de esquerda”. Esse parece ter sido um ponto importante da sua conversa com os amigos do DCM, que, infelizmente, não foi explorado. Afinal, que significa para Boulos “ser de esquerda”? Ao que tudo indica, tanto o IREE como o RenovaBR acreditam que o “posicionamento” das lideranças é algo que, forjado em uma escola (o Renova se define claramente como tal e oferece “alunos” para diversas legendas), independe dos partidos políticos ou de classe.

Ao falar sobre sua relação com o IREE, Boulos a comparou com sua atividade docente na PUC. Esta é uma universidade, na qual ele ministra disciplinas a alunos que receberão um certificado, enquanto aquele é uma empresa que vende cursos livres. Muitas pessoas são meramente contratadas para dar as aulas nesses cursos, mas Boulos, o amigo do dono, desenvolve uma série de entrevistas com personalidades que discutem rumos políticos para o país, estando, portanto, afinado com o “projeto de esquerda” do empresário.

Empresários e bilionários, por motivos óbvios, não são “de esquerda”, mas podem dizer que o são, se assim o desejarem. Espanta uma personagem que se vende como mais à esquerda que o PT afirmar que um representante da burguesia é uma pessoa “de esquerda”. Com seu ar de bom-moço, Boulos diz qualquer coisa, mas ele que se cuide, pois nem todo o mundo compra acriticamente qualquer blá-blá-blá.

Um bom exemplo do seu “estilo” foi dado durante a amistosa conversa com seus anfitriões do DCM, quando, ao ser instado a explicar por que seu partido condiciona o apoio a Lula à retirada da candidatura do PT (Haddad) ao governo do estado de São Paulo, afirmou com ênfase que “o PSOL nunca fez barganha pelo apoio do Lula”, para, em seguida, sem nenhuma ênfase, acrescentar isto: “mas acredito que é preciso construir gestos de reciprocidade”. Qual seria a tradução do “tucanês” universitário “construir gestos de reciprocidade”, senão “estamos, sim, barganhando o apoio do Lula”? É interessante observar como ele faz isso com frequência.

As poucas questões que se dignou de responder mostraram um político com projeto pessoal (e apoio de gente de dinheiro). Já que ele é um professor, seria bom que, pelo menos, explicasse claramente o que, na sua opinião, é “ser de esquerda”.

Seria bom saber se a luta de classes é mesmo coisa do passado, se a exploração deixou de existir com a transformação de “empregados” em “colaboradores” e se é verdade que motorista de Uber e entregador do iFood são mesmo empresários de si mesmos.

Também seria bom saber se ser de esquerda hoje se resume a ser um paladino da luta contra os mais variados preconceitos, já que agora todos os problemas da sociedade parecem resumir-se a “preconceitos” (de raça, etnia, nacionalidade, gênero, orientação sexual, religião, tipo de corpo, idade, deficiência, classe etc.).

E, finalmente, saber se a luta da esquerda que se abraça com a direita “para construir um mundo melhor para todos” tem no horizonte apenas a mudança de comportamento individual e a higienização do vocabulário.

A posição dos colunistas não reflete, necessariamente, a posição deste Diário.

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