No réveillon do Partido da Causa Operária em São Paulo, a cantora Miriam Mirah e a banda Sendero apresentarão pela primeira vez no Brasil a Cantata de Santa María de Iquique composta por Luís Advis Vitaglich (1935-2004) em 1969: uma importante peça da Nova canção chilena.
Também conhecida como Cantata popular, a obra é uma belíssima composição que mistura elementos do folclore chileno, a música erudita e a poesia moderna. Iquique é uma cidade do litoral sul chileno onde, em 1907, o exército abriu fogo sobre uma manifestação de cerca de 8.500 mineiros que realizavam um protesto por jornadas mais flexíveis e por condições de trabalho dignas. Cerca de 3.600 trabalhadores foram mortos quando se concentravam na Escuela Domingo Santa María – de onde o nome da obra. Devido à indústria de extração do salitre, havia um grande contingente de operários na região, o que levou à fundação do Partido Obrero Socialista na cidade em 1912.
Na década de 1960, consolidou-se no Chile um vigoroso movimento de renovação cultural a partir da recuperação de elementos do folclore das civilizações pré-colombianas, como parte do modernismo latino-americano como um todo. Figuras como a mundialmente aclamada Violeta Parra ou Victor Jara assentaram as bases para uma nova fusão entre elementos de música contemporânea e popular, com forte engajamento político – uma vez que a classe operária chilena é majoritariamente indígena. Seus expoentes foram apoiadores da chamada via chilena ao socialismo, com nacionalização do cobre e aprofundamento da reforma agrária.
Em julho de 1969, realizou-se na Universidade Católica do Chile o Primer Festival de la Nueva Canción Chilena com expoentes desse movimento apoiando a candidatura de Salvador Allende, que seria eleito no ano seguinte e deposto pelo golpe militar direitista de Augusto Pinochet em 1973.
A Cantata popular Santa María de Iquique estreou oficialmente no Segundo Festival de la Nueva Canción Chilena, em agosto de 1970, em Santiago, pelo grupo Quilapayún, que a gravaria no mesmo ano em seu sétimo disco. Tornou-se imediatamente numa canção emblemática da militância da Unidad Popular que levaria Allende ao poder naquele ano.
A Cantata é estruturada em 18 partes, incluindo cinco relatos declamados sem música, um prelúdio, três interlúdios sem letra, dois pregões e sete canções, com diversos ritmos e níveis de instrumentalização.
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Com o golpe militar, a obra foi proibida no Chile. Os discos que a traziam foram confiscados e destruídos. O grupo Quilapayún foi exilado na Europa. Em 1978, eles gravariam novamente a Cantata, com os textos ligeiramente revisados pelo escritor argentino Julio Cortázar – a contragosto de Advis, que se dizia apartidário. Somente com o fim da ditadura a peça pode ser novamente interpretada no Chile.
No Brasil, com o endurecimento do regime militar, a música popular baseada em raízes folclóricas e na recuperação de elementos fundamentais do samba mesclados à música contemporânea também se revestira de especial significado político. Como o imperialismo implementara regimes ditatoriais em toda a América Latina, a ideia de Unidade Latino-Americana ganhou, na década de 1970, uma pronta identificação com o socialismo e com os movimentos de luta política de oposição àqueles governos militares.
Foi nesse contexto que formou-se o grupo Tarancón em 1972, inicialmente com Emílio de Angeles Nieto, Marli Pedrassa, Alice Lumi, Halter Maia, Jica Nascimento e Juan Falú e Miriam Miráh nos vocais. O grupo teve grande reconhecimento popular, excursionou intensamente e foi um grande difusor da Nueva canción no país, tornando conhecidas músicas dos brasileiros músicas como Tinku (folclore boliviano), Plegaría a un labrador, Gracias a la vida (Violeta Parra) e muitas outras em 11 discos lançados entre 1976 e 2000. Miriam Miráh também constituiu carreira solo, e diversas outras parcerias – inclusive com o grupo Raíces de América e com a filha de Violeta Parra, Isabel Parra – já tendo participado do réveillon do PCO em várias ocasiões.
Agora Miriam e a banda Sendero traz em primeira mão uma interpretação única e especial da Cantata popular: uma significativa memória e um chamado à luta numa época em que o imperialismo volta a atacar a América Latina, e em que o Brasil vive o aprofundamento de mais um golpe militar. Junte-se a nós nesse momento especial e na luta contra o golpe!