Não é de hoje que boa parte da esquerda nacional – condicionada ao fisiologismo parlamentar e aos métodos institucionais – tem mostrado uma profunda debilidade em levar adiante uma luta consistente e condizente com as necessidades da classe trabalhadora. São inúmeras as guinadas à direita e as tentativas de conciliação com o regime golpista. Entretanto, a votação do projeto anticrime, pode resumir, de uma forma acabada, a política liquidacionista colocada em prática por boa parte da esquerda nacional.
Com votos de parlamentares da esquerda, a direita não só colocou em movimento um projeto que visa a derrocada da esquerda, como, também, pretende aniquilar por completo a população pobre e explorada. Alguns parlamentares, no entanto, buscaram justificar os votos na intenção de desarmar a reação do povo, e, não obstante, explicar que “o pacote horrível era menos horrível que o pacote original”. Nesse sentido, qual o ganho concreto da esquerda em dar apoio a um projeto bolsonarista? Tratemos, aqui, de uma análise concreta de uma situação concreta. Apoiar um projeto da direita, incorre – ao fim e ao cabo – no fortalecimento da própria direita e extrema-direita. Ao invés de lutar ao lado da população e denunciar o bolsonarismo, a violência e a ameaça fascista, a esquerda vota numa proposta visivelmente fascista. Trata-se, portanto, de uma capitulação vexatória. Talvez essa seja a uma das maiores capitulações da esquerda até agora.
Diante dessa questão, não existe justificativa. A exclusão de alguns pontos não muda, de modo algum, o caráter fascista do projeto. Qual o sentido da luta contra o bolsonarismo se a esquerda alimenta a política da direita que age como um rolo compressor para esmagar a população? Sérgio Moro pode ter sido desmoralizado, mas a votação do pacote, – ainda mais com o apoio da esquerda, é uma vitória política para a direita. Uma vitória no terreno político quase como a vitória no terreno da previdência. É uma ação prática como esta que define, claramente, o caráter da política da esquerda que apoiou a direita através da votação do pacote anticrime. Deste modo, quando se fala em uma política de resistência e não em uma política para tirar o Bolsonaro, concluímos através dessa manifestação prática, o objetivo claro dessa política. A política de resistência é a política de encontrar um terreno comum com a direita, e não de impor uma derrota decisiva à direita.
O deputado Marcelo Freixo (Psol), chegou a dizer que não se tratava de uma luta entre a esquerda e a direita, mas uma luta entre a civilização e a barbárie. A dita aliança civilizatória, no entanto, serve para a esquerda apoiar o Bolsonaro, pois, aumentar a repressão dentro do regime político é um aspecto chave no regime político. Neste momento, a direita e o bolsonarismo estão procurando reestruturar o regime político brasileiro constitucional sob outras bases, – bases antidemocráticas, repressivas. Nesse sentido, o regime golpista conseguiu um êxito extraordinário, um avanço concreto contra a população e a esquerda, enquanto que, de todo modo, a esquerda participou da manobra política para desmoralizar o Sérgio Moro, mas que não tem nenhum ganho prático real. A tentativa de substituir a polarização entre a esquerda e a direita pela formação de um bloco com o “centrão” [direita tradicional], pode ser retratada nessa votação; o que – de fato – conduz a um apoio à direita.