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Eduardo Vasco

Militante do PCO e jornalista. Materiais publicados em dezenas de sites, jornais, rádios e TVs do Brasil e do exterior. Editor e colunista do Diário Causa Operária.

Reacionarismo e histeria

Uma esquerda moralista

Quem apoia a direita é a esquerda pequeno-burguesa, não Neymar! Quem precisa educar o povo é a esquerda, não um jogador de futebol

A esquerda pequeno-burguesa brasileira é moralista. Ela julga os indivíduos pelo seu pensamento ou comportamento, não pelo papel que eles desempenham dentro da sociedade. Esperamos moralismo da direita pequeno-burguesa, o que é natural e comum. Mas devido à sua natureza de classe, a esquerda pequeno-burguesa tem uma mentalidade igual à da extrema-direita de classe média. 

Afinal, a pequena burguesia é uma classe que vive em um limbo social. Espremida entre o proletariado e a burguesia, ela não tem um objetivo socialmente definido. Ao contrário das duas outras classes fundamentais do capitalismo, que, por terem um objetivo concreto, que é derrotar a classe antagônica, precisam mover-se de acordo com esse objetivo concreto e, portanto, são classes materialistas. A pequena burguesia, por outro lado, não sendo uma classe independente – pendendo ora para a burguesia, ora para o proletariado – e não tendo um regime para chamar de seu ou a aspiração revolucionária para derrubá-lo, desfruta de migalhas que caem da mesa da burguesia, mas em um assento superior ao do proletariado. É uma classe medíocre.

Devido ao refluxo do movimento operário com a ascensão do neoliberalismo, nas últimas décadas predomina na esquerda o pensamento da pequena burguesia liberal – ou melhor, pseudoliberal. Tem como uma de suas características, por exemplo, o identitarismo. Sua intelectualidade, distante social e historicamente da intelectualidade burguesa dos séculos XVII, XVIII e XIX, é de um nível baixíssimo. Com a agudização da crise do regime capitalista, que leva ao esgotamento econômico, social e mesmo civilizacional, ela se torna cada vez mais reacionária e até histérica. Isso também é natural, uma vez que a esquerda pequeno-burguesa está quase integralmente absorvida pelo regime político burguês.

Assim, não enxerga os acontecimentos sociais através da ótica da luta de classes, como fazem o proletariado e a burguesia. A ela não interessa o papel social do indivíduo, mas sim suas predileções ou supostas predileções políticas, ou seu comportamento pessoal. Em suma: a esquerda julga as pessoas pelo que elas dizem ou fazem de sua vida, não pelo que elas fazem como sujeitos sociais em benefício ou prejuízo da coletividade.

Por isso a esquerda pequeno-burguesa ataca tanto o jogador Neymar. Se ele tira uma foto com o filho de Bolsonaro, significa que é bolsonarista. E se é bolsonarista, é inimigo do povo. O mesmo com Pelé, que autografou uma camisa do Santos para o presidente ilegítimo. O fato de tirar uma foto ou dar um autógrafo não influencia em absolutamente nada na situação política. Afinal, são meros jogadores de futebol, que saíram do abismo social, sem nenhuma formação política ou intelectual, e que sempre se preocuparam exclusivamente em fazer o que gostam e ganhar dinheiro, dinheiro que nunca tiveram até então (preocupações estas de qualquer indivíduo oprimido sem formação política). Um jogador de futebol não tem a obrigação de ter um pensamento crítico, de desenvolver uma consciência política e, muito menos, de ser uma pessoa de esquerda engajada. São seres humildes, com um modo simples de pensar, como a maioria do povo brasileiro. Deveriam ser julgados por seu desempenho como jogadores de futebol, que levaram o futebol brasileiro a ser o maior do mundo, elevando o moral das massas oprimidas do mundo todo em sua luta contra o imperialismo no âmbito cultural. Esse é o resultado prático da existência de Neymar e de Pelé.

Ao mesmo tempo, aqueles que têm uma obrigação política, uma formação e uma consciência que os obriga a ser vanguarda da sociedade na luta contra a opressão, que é a esquerda, esta sim faz pactos com a direita. Nas eleições para a Câmara dos Deputados, apoia Rodrigo Maia. Na questão da vacina, apoia João Doria. Nas eleições municipais, apoia Eduardo Paes. Somente porque esses estariam fazendo declarações ou exprimindo posicionamentos contra Bolsonaro. Mas seu papel de liderança no golpe contra Dilma, na prisão de Lula, na eleição do próprio Bolsonaro, na implementação da política neoliberal e nas leis repressivas demonstram que são tão ou mais fascistas que Bolsonaro. E isso é ignorado pela esquerda, que não busca uma independência política em relação às duas frações conflitantes da burguesia.

Se defende realmente os interesses populares, a esquerda deveria apoiar Neymar e repudiar Rodrigo Maia. Mas o que ocorre é o oposto.

Como exemplo semelhante, podemos citar a repercussão dos acontecimentos políticos nos EUA. Apoiadores de Donald Trump invadiram e ocuparam o congresso do país. Não há dúvida que uma grande parte, senão a maioria deles, era de extrema-direita. No entanto, sua manifestação era de caráter democrático: estavam protestando contra a fraude nas eleições presidenciais, que deram a vitória apertada para Joe Biden, candidato do imperialismo. O que é mais importante nesse caso, a ideologia dos manifestantes ou as suas reivindicações? Foram tachados de terroristas pela imprensa burguesa. Por supostamente apoiar a invasão, Trump teve suas contas nas redes sociais bloqueadas pelos monopólios que as controlam. Aqui também: o que é mais importante, a ideologia de Trump ou seu direito democrático à livre expressão? Quem é o opressor, Trump ou os monopólios capitalistas que controlam a economia mundial e levam os trabalhadores à miséria?

Contudo, uma vez mais, a esquerda ficou a reboque da burguesia e condenou a invasão do Capitólio ao mesmo tempo em que comemorou a censura a Trump. O presidente norte-americana certamente é um fascista, mas suas opiniões seriam mais nocivas do que as ações de Biden? O que é pior, pensar que as mulheres são inferiores (como faz Trump) ou bombardear um país e massacrar milhares de mulheres (como fez Biden na Iugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria…)? Como diria o velho Marx: a prática é o critério da verdade.

Voltemos ao cenário nacional. Setores esquerdistas pequeno-burgueses acusam o PCO de ser “linha auxiliar do PT” por defender com unhas e dentes os direitos democráticos do ex-presidente Lula e sua candidatura à presidência da República. Ao mesmo tempo, colocam como alternativa à esquerda o psolista Guilherme Boulos, como sendo pretensamente mais combativo que o petista, porque Boulos teria ideias mais radicais que as de Lula e o PSOL teria uma ideologia mais à esquerda que o PT.

O que interessa, também aqui, não é o que pensam os indivíduos, mas sim o que eles fazem (embora, na verdade, nem mesmo os pensamentos de Boulos ou do PSOL sejam mais esquerdistas que os de Lula e do PT). Lula e o PT podem ter praticado um governo de conciliação com a burguesia e o imperialismo. Mas os tempos mudaram: quando já eram um obstáculo para o domínio imperialista, foram rifados do governo. Desde então, estão objetivamente em contradição com a burguesia e o imperialismo, devido aos seus interesses que, em certa medida, são subordinados às pressões de sua gigantesca base popular de massas. A polarização política levou a que Lula e o PT (ao menos sua ala esquerda) estejam mais radicalizados e representem um temor para a burguesia, independentemente do que eles pensem ou deixem de pensar. A situação política, a conjuntura e o desenrolar da luta de classes os levou para essa posição.

Já Boulos nunca representou um mínimo obstáculo para a burguesia. Pelo contrário: é uma ferramenta desta para, justamente, bloquear um possível desenvolvimento do movimento operário. Boulos se recusou a lutar contra o golpe, apresentando-se na Folha de S.Paulo como uma alternativa à esquerda de Dilma e do PT. Necessitava o seu desgaste pela burguesia para ganhar terreno. Assim, foi um suporte para a burguesia a fim de conter as mobilizações contra o golpe. Seus interesses (e os do PSOL) e os interesses da burguesia coincidiam: ambos queriam retirar o PT do caminho. Desde então, Boulos tem feito diversas alianças com a direita e os capitalistas, desde manifestos e eventos conjuntos com o PSDB até o recebimento de dinheiro de empreiteira para sua campanha a prefeito de São Paulo. Tudo isso para galgar posições junto à burguesia como uma alternativa de esquerda ao PT, caso seja de interesse da burguesia. Agora, Boulos voltou a ser colunista da Folha, a mesma Folha que o amamentou entre 2014 e 2016 e que o tem ensinado a andar desde a eleição de Bolsonaro. Na Folha, terá uma tribuna para garantir aos capitalistas que é um homem de sua confiança e tentar barrar a candidatura de Lula – que, por sua base social proletária, é a única capaz de vencer a direita.

O papel de Boulos na conjuntura política, desde o seu surgimento, é um papel reacionário. O de Lula, independentemente de sua ideologia política, é um papel progressista.

Mas isso não interessa para a esquerda pequeno-burguesa. Seu moralismo a impede de traçar uma análise realista da situação. Movida por emoções, alcança a histeria conforme se aprofunda a crise política e social. “É preciso apoiar Boulos contra o PSDB, quem não votar nele estará elegendo a direita!”, gritavam há poucos meses. Ao mesmo tempo, votavam em Eduardo Paes e no DEM, que ocupam o espaço do PSDB no Rio de Janeiro. Agora o pretexto não era evitar a vitória da direita, mas do fascismo, representado por Marcelo Crivella. Mas o partido de Crivella, o Republicanos, da base de apoio de Bolsonaro, foi apoiado publicamente pelo PCdoB em São Luís…

Hoje, a esquerda pequeno-burguesa está envolta em uma histeria “antifascista” para justificar um apoio suicida à direita. Na época do golpe, essa mesma esquerda se recusou a impedir a queda de Dilma afirmando que era exagero dizer que havia uma ameaça fascista e que tudo não passava de “histeria governista”, como dissera um pseudomarxista de Youtube e stalinista enrustido.

São posições apaixonadas, idealistas, antimaterialistas, reflexo da crise da sociedade capitalista e da total integração da esquerda pequeno-burguesa ao regime burguês em franca decadência

Um retrocesso ideológico imenso, que leva a esquerda a voltar à Idade das Trevas, quando tudo era definido pela moral religiosa. A esquerda brasileira sequer é iluminista, que dirá marxista.

Quatro séculos atrás, Spinoza pregava: “não rir, não lamentar nem odiar, mas compreender.” É preciso analisar a realidade e deixar os preconceitos morais de lado.

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