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Chile

Um paraíso democrático com Piñera presidente?

Constituinte no país andino é o resultado de uma complexa manobra da classe dominante para impedir que a mobilização popular colocasse o regime abaixo

Pegando carona nas comemorações da burguesia e da esquerda pequeno-burguesa acerca do processo constituinte no Chile, o blogueiro Jones Manoel, hoje filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), decidiu escrever o artigo “O que está acontecendo no Chile: breve comentário sobre a luta de classes no país”. Publicado pela Revista Opera no dia 1º de novembro, o texto, embora bastante confuso, apresenta a constituinte como uma grande vitória popular, ignorando completamente as sucessivas manipulações feitas pela burguesia no país andino.

Durante a maior parte do texto, Jones Manoel tenta mostrar que a Constituição atual do Chile é aquilo que ela é: uma Constituição muito direitista, estabelecida em meio à ditadura do fascista Augusto Pinochet. De fato, a ditadura militar chilena chegou ao fim por meio de uma série de acordos, que permitiram que os pilares do regime de outrora se mantivessem presentes. Olhando sob esse ponto de vista, mudar a constituinte seria um progresso. No entanto, em política, não se pode analisar os acontecimentos a partir de considerações abstratas: é preciso analisar a relação entre os acontecimentos e o potencial desses acontecimentos.

Disse Jones Manoel:

“Mesmo com um governo de direita e todo apoio do imperialismo, mídia, Igreja Católica, sistema de educação privado, etc., os movimentos de massa jogaram a popularidade do presidente no chão e conseguiram manter o Chile em protestos quase que ininterruptos por um ano seguido. Esse ponto é importante: a constituinte não é uma manobra de cima da burguesia para abafar os movimentos de massa”.

De fato, a proposta de constituinte só foi colocada na ordem do dia porque o povo chileno se levantou contra o regime político profundamente direitista. Se a Constituição anterior permitia a burguesia controlar a situação política, não haveria motivo pelo qual a classe dominante proporia um processo constituinte. O erro da análise, no entanto, está na seguinte questão: o povo chileno não foi às ruas por uma ideia em abstrato — uma nova assembleia constituinte, simplesmente para colocar uma pedra sobre um regime passado —, mas sim por interesses muito concretos: o fim da polícia genocida, o fim da política neoliberal, a restituição de direitos democráticos, o combate ao desemprego etc, ou seja, a derrubada do regime golpista representado pelo próprio Piñera. Para analisar se houve uma vitória ou não, é preciso analisar se houve um avanço na luta por essas reivindicações ou se, até o momento, há apenas uma proposta de mudança formal no regime político.

Como pode ser visto nos trechos abaixo, Jones Manoel vê com bastante otimismo e “esperança” a aprovação de uma Assembleia Constituinte:

“Mesmo com a covid-19, o povo trabalhador – e repito: com destaque para juventude, povos originários e movimentos feministas – manteve a pressão política nas ruas e não deu sossego ao governo que usou e usa a repressão em doses sempre crescentes. (…) Não é a Constituinte em si que mobilizou o povo trabalhador. Ela é uma mediação tática de unificação de um conjunto histórico de lutas, mobilização, aprendizado político e rebeldia. E toda análise que isola a mediação tática do processo histórico é necessariamente falsa”.

Para a Constituinte ser uma “mediação tática”, seria preciso que, de fato, ela acontecesse em condições favoráveis. Por exemplo, de um ponto de vista abstrato, no Brasil, as eleições seriam uma “mediação tática” para que a esquerda denunciasse a direita e apresentasse uma alternativa a toda a destruição em curso do País. No entanto, o fato é que as eleições estão sendo totalmente controladas pela burguesia e, nesse cenário, servirão somente para consolidar o controle da direita e da extrema-direita sobre o Estado.

Segundo Jones Manoel, haveria essas condições favoráveis:

“No último domingo, vimos 78,27% dos chilenos dizer não à atual Constituição – o que significa que o movimento conquistou, também, amplos setores das camadas médias. A assembleia constituinte exclusiva terá também paridade de gênero e elementos de representação de povos originários. Esse ponto é importante. (…) A partir de agora, o centro da luta de classes será o conteúdo, a forma política estatal-burguesa que sairá desta Constituição. (…) Nós temos alguns sinais positivos. Daniel Jadue, militante do Partido Comunista Chileno e prefeito de Recoleta, é o favorito em todas as pesquisas eleitorais à presidência no Chile, como noticia o Opera Mundi. Aliado a isso, não me parece que a burguesia chilena tenha encontrado até agora uma tática para barrar a ascensão do movimento de massas. A resposta centrada em repressão, repressão e mais repressão não tem dado o resultado esperado. (…) Vamos acompanhar com esperança e solidariedade militantes os próximos capítulos da luta de classes no Chile”.

A “análise” do blogueiro do PCB é o resultado de um otimismo vão e vulgar, que não tem fundamento algum na realidade. Mas mais do que um erro pontual, é a expressão do fenômeno da “frente ampla”: Jones Manoel é um dos cabos eleitorais de Guilherme Boulos, que vive repetindo, como um “profeta”, que o PSOL irá vencer as eleições e que, sabe-se lá por que, isso representaria uma virada na luta contra o fascismo. Esse “otimismo”, no final das contas, apenas serve para desmobilizar os setores que compreendem a seriedade da situação e estão dispostos a travar uma luta contra seus inimigos políticos.

Vejamos, agora, qual é a realidade do Chile.

Em primeiro lugar, a aprovação quase absoluta de uma nova Constituição mostra que há um acordo entre a esquerda, a direita e até mesmo a extrema-direita no Chile. Se a Constituição fosse o resultado de uma verdadeira guerra da população contra a burguesia, o resultado não seria tão folgado. Além disso, a Constituição terá apenas 155 deputados. O número reduzido de representantes sempre foi uma tática da burguesia para aumentar seu controle sobre qualquer processo. Ao mesmo tempo, será preciso 2/3 dos votos para decidir cada questão da Constituinte, o que obrigará a esquerda a se unir à direita para conseguir aprovar suas resoluções.

Não é à toa, portanto, que a Constituinte foi aplaudida em todo o mundo “democrático” — isto é, pelo imperialismo. Os mesmos órgãos de imprensa venais que chamam a Venezuela de “ditadura” ficaram entusiasmados com o processo constituinte no Chile. Ou seja, para o imperialismo, a Constituinte foi um excelente acordo e uma farsa contra todo o movimento popular. Para a esquerda, contudo, trata-se de uma colaboração vergonhosa com os inimigos do povo.

No fim das contas, a Constituinte chilena seguirá a mesma lei eleitoral de Augusto Pinochet. O voto será distrital, o que significará que nem todo voto valerá, de fato, um voto. O voto de todos os cidadãos de um distrito corresponderá a um único voto, o que é mais uma meio para a burguesia controlar o processo. Nem mesmo dentro dos distritos, os votos são de fato iguais, pois são contabilizados através de uma fórmula matemática muito complexa e obscura. Por fim, o acordo da Constituinte manterá Sebastián Piñera no poder, a polícia continuará matando do mesmo jeito e o regime continuará de pé. Analisado deste ponto de vista, a Constituinte não é uma vitória popular, mas sim uma manobra conscientemente articulada pela burguesia para impedir que o movimento popular prosseguisse com suas reivindicações mais urgentes.

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