É impressionante o poder de adaptação da esquerda pequeno-burguesa diante da situação política. Até ontem, era uma espécie de consenso geral que a coisa mais errada do mundo era sair às ruas; hoje, ao levantar os artigos da esquerda, é quase unânime – a não ser por parte daqueles mais agarrados à situação anterior – o elogio aos atos de rua.
A moda do “fique em casa” está sendo substituída pela moda do “antifascismo” – que nos perdoem aqueles que de fato fazem parte desse movimento que há algum tempo vem brotando pelo País afora. Isso mostra que essa capacidade de adaptação por parte da esquerda pequeno-burguesa não é nada mais do que uma mistura de oportunismo e demagogia.
O dirigente do Psol, da corrente Resistência, Valério Arcary, faz parte desses novos defensores das ruas. Em artigo produzido após os atos desse domingo, dia 7, ele diz que os atos foram “uma inequívoca vitória nas ruas”, abandonando drasticamente a política do “fique em casa”. A vitória, segundo ele, seria mérito de Guilherme Boulos, que “foi um gigante” segundo suas palavras.
A grande vitória de Arcary é o ato de Boulos, que, assim como ele e a maioria da esquerda, não queriam sair para a rua. Em coluna de 24 de maio, portanto sete dias antes do ato de torcedores na Paulista do dia 31, Arcary escrevia que “A disputa nas ruas não é possível nas condições de quarentena, mas será, em algum momento, inevitável”. Embora admitindo que em algum momento o povo sairia na rua, o dirigente do Resistência/Psol não apenas achava impossível sair à rua como não defendia que ao menos as condições para isso fossem criadas. Em suma, era um dos defensores do “fique em casa, qualquer dia a gente se mobiliza”.
A esquerda – incluindo Boulos e Arcary – criticava a política da PCO, que sempre insistiu na necessidade urgente de sair às ruas contra Bolsonaro e os bolsonaristas. Quando os torcedores tomaram a iniciativa no dia 31 de maio e em domingos anteriores de ir para a Avenida Paulista e para as ruas de outras capitais e escorraçar a direita, Boulos decidiu declarar-se o grande líder da manifestação, “um gigante”.
Acontece que o “gigante” Boulos, que apareceu no movimento do aquém e do além, jogou a manifestação para bem longe da Paulista. O resultado prático da ação desse “gigante” não foi levar o movimento a uma “vitória inequívoca”, como diz Arcary, mas deixar de presente a avenida Paulista para os bolsonaristas. A “vitória” é para a direita que não quer o confronto, por isso Arcary ataca também a iniciativa dos que foram para a Paulista.
“Os Atos revelaram, também, como é errada a linha da ofensiva permanente. O tema ficou explícito com a decisão de alguns grupos que foram sozinhos para a Paulista.” Logicamente, Arcary se refere à iniciativa do PCO de realizar um ato na Paulista, o qual contou também com a participação de outros grupos.
O ato na Paulista simplesmente não aceitou a manobra de Boulos para deixar a direita livre para se manifestar. O povo que se manifestou nos domingos anteriores queriam estar na Paulista e confrontar a direita. Boulos os retirou de lá, em manobra casada com João Doria e a Justiça.
Isso mostra que a “vitória” de Boulos e Arcary é o recuo permanente, em contraposição à “ofensiva permanente”. Esse recuo serve para os objetivos de Boulos e de sua frente ampla com FHC e cia.