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Para o povo, a religião

Engels: a religião usada como controle social

“É preciso conservar-se a religião para o povo": era o último e único recurso para salvar a sociedade [capitalista] da sua ruína total.

Do socialismo utópico ao socialismo científico, Friedrich Engels, trecho do Prefácio à Edição Inglesa, onde o autor aborda a questão do uso que a burguesia faz da religião para controlar as tendências socialistas naturais das massas.

Este livro foi mencionado por Rui Costa Pimenta em sua aula “Marxismo”, de 14 de outubro de 2019. 

Assista na COTV:  https://youtu.be/bNyO5RSkThs 

A revolução industrial criara uma classe de grandes fabricantes capitalistas, mas criara também outra, muito mais numerosa de operários fabris, classe que crescia constantemente em número, à medida que a revolução industrial se la apoderando de um ramo industrial após outro. E com o seu número, crescia também a sua força, demonstrada já em 1824, quando obrigou o Parlamento, rangendo os dentes, a revogar as leis contra a liberdade de coalizão. Durante a campanha de agitação pela reforma da lei eleitoral, os operários formavam a ala radical do partido da reforma; e quando a lei de 1832 os privou do direito de sufrágio, sintetizaram as suas reivindicações na Carta do Povo (People´s Charter) e, em oposição ao grande partido burguês que combatia as leis cerealistas, constituíram-se em partido independente, o partido cartista, que foi o primeiro partido operário do nosso tempo.

Em seguida, vieram as revoluções continentais de Fevereiro e Março de 1848, nas quais os operários tiveram um papei tão importante e nas quais levantaram pela primeira vez, em Paris, reivindicações que eram resolutamente inadmissíveis do ponto de vista da sociedade capitalista. E sobreveio logo a reação geral. Primeiro foi a derrota dos cartistas de 10 de Abril de 1848; depois, o esmagamento da insurreição operária de Paris, em Junho do mesmo ano; mais tarde, os descalabros de 1849 na Itália, Hungria e sul da Alemanha; por último, o triunfo de Luís Bonaparte sobre Paris, em 2 de Dezembro de 1851. Deste modo, conseguira-se afugentar, pelo menos durante algum tempo, o espantalho das reivindicações operárias — mas a que preço! Portanto, se o burguês já se achava antes convencido da necessidade de manter no povo vil o espírito religioso, com que motivos muito mais fortes tinha que sentir esta necessidade depois de todas aquelas experiências. Por isso, sem fazer o menor caso das chacotas dos seus colegas continentais, continuava anos após anos gastando milhares e dezenas de milhares na evangelização das classes baixas. Não satisfeito com a sua própria maquinaria religiosa, dirigiu-se ao Irmão Jonathan (7), o maior organizador de negócios religiosos da época, e importou dos Estados Unidos os revivalistas Moody e Sankey (8), etc.; por fim, aceitou até a perigosa ajuda do Exército de Salvação, que veio restaurar os recursos de propaganda do cristianismo primitivo que se dirige tanto aos pobres como aos eleitos, combatendo o capitalismo à sua maneira religiosa e atiçando assim um elemento de luta de classes do cristianismo primitivo que um bom dia pode chegar a ser fatal para as pessoas ricas que hoje oferecem do seu bolso o dinheiro para essa propaganda.

Parece ser uma lei do desenvolvimento histórico o fato de que a burguesia não possa deter em nenhum país da Europa o poder político — pelo menos durante muito tempo — da mesma maneira exclusiva com que pôde fazê-lo a aristocracia feudal durante a idade Média Mesmo na França, onde se extirpou pela raiz o feudalismo, a burguesia, como classe global, apenas exerce o poder durante breves períodos de tempo. Sob Luís Filipe (1830/1848), só uma pequena parte da burguesia governava, pois outra parte muito mais considerável era excluída do exercício do sufrágio devido ao elevado censo de fortuna que se exigia para poder votar. Sob a Segunda República (1848/1851), governou toda a burguesia, mas só durante três anos; a sua incapacidade abriu caminho ao Segundo império. Só agora, sob a Terceira República, vemos a burguesia em bloco empunhar o leme por um espaço de vinte anos, mas nisso revela já graves sintomas de decadência. Até agora uma dominação mantida durante muitos anos pela burguesia só foi possível em países como a América do Norte, que jamais conheceram o feudalismo e onde a sociedade se construiu, desde O primeiro momento, sobre uma base burguesa. Mas até na França e na América do Norte já batem à porta com pancadas fortes os sucessores da burguesia: os operários.

Na Inglaterra, a burguesia nunca exerceu o poder indiviso. Até ao triunfo de 1832 deixou a aristocracia no gozo quase exclusivo de todos os altos cargos públicos. Já não conseguia explicar a mim mesmo a submissão com que a classe média rica se resignava a tolerar esta situação, até que um dia o grande fabricante liberal senhor W. A. Forster, num discurso, suplicou aos jovens de Bradford que aprendessem francês se quisessem fazer carreira, narrando a propósito o triste papel que ele fizera quando, sendo ministro, se viu envolvido numa reunião em que o francês era pelo menos tão necessário quanto o inglês. Com efeito, os burgueses britânicos de então eram, uns mais outros menos, novos-ricos sem cultura, que tinham de ceder à aristocracia, quisessem ou não, todos aqueles altos postos de governo que exigiam outros dotes além da limitação e da fatuidade insulares, apimentadas pela astúcia para os negócios. (9). Ainda hoje os debates intermináveis da imprensa sobre a middie-classe-education revelam que a classe média inglesa não se considera ainda em condições suficientes para receber a melhor educação e procura algo mais modesto. Por isso, mesmo depois da revogação das leis cerealistas considerou-se como coisa natural que os que haviam conseguido o triunfo, os Cobden, os Bright, os Forster, etc., ficassem privados de qualquer participação no governo oficial até que. por fim, vinte anos depois, uma nova lei de Reforma lhe abriu as portas do ministério. A burguesia inglesa acha-se até hoje tão imbuída de um sentimento de inferioridade social que, às suas custas e do povo, sustenta uma casta decorativa de folgazões que têm por ofício representar dignamente a nação em todos os atos solenes e considerasse honradíssima quando encontrado um burguês qualquer reconhecido como digno de ingressar nessa corporação seleta e privilegiada, que afinal foi fabricada pela própria burguesia.

Assim, a classe média industrial e comercial não havia conseguido ainda afastar por completo a aristocracia latifundiária do poder político, quando surgiu em cena o novo rival: a classe operária. A reação que adveio depois do movimento cartista e das revoluções continentais, Juntamente com a expansão sem precedentes da indústria inglesa de 1848 a 1866 (expansão que se costuma atribuir apenas ao livre-comércio, mas que resultou muito mais da gigantesca extensão das linhas férreas, dos transatlânticos e dos meios de comunicação em geral) voltou a colocar os operários sob a dependência dos liberais, cuja ala radical formavam como nos tempos anteriores com o cartismo. Mas, pouco a pouco, as exigências Operárias quanto ao sufrágio universal foram-se tornando irresistíveis. Enquanto os whigs, os caudilhos dos liberais, tremiam de medo. Disraeli mostrava a sua superioridade: soube aproveitar o momento próprio para o “tories”, introduzindo nos distritos eleitorais urbanos o regime eleitoral do household suffrage (10) e, em relação com Isso, uma nova distribuição dos distritos eleitorais. Seguiu-se. pouco depois, o ballot (11), depois, em 1884, o household suffrage tornou-se extensivo a todos os distritos, inclusive aos dos condados, e introduziu-se uma nova distribuição das circunscrições eleitorais que até certo ponto as nivelava. Todas essas reformas aumentaram de tal modo a força da classe operária nas eleições que eia representava já a maioria dos eleitores em 150 a 200 distritos. Não há, porém, melhor escola de respeito à tradição do que o sistema parlamentar Se a classe média olha com devoção e veneração o grupo que lorde John Manners chama a gozar “a nossa velha nobreza”, a massa dos operários olhava então com respeito e acatamento ao que na época se chamava “a classe melhor”, a burguesia. Na realidade, o operário britânico de há quinze anos era esse operário-modelo cuja consideração respeitosa pela posição do seu patrão e cuja timidez e humildade ao colocar as suas próprias reivindicações punham um pouco de bálsamo nas feridas que as incorrigíveis tendências comunistas e revolucionárias dos operários alemães provocam entre os nossos socialistas de cátedra.

Contudo, os burgueses britânicos, como bons homens de negócios, viam mais que os professores alemães. Só contrariados é que haviam dividido o poder com os operários. Durante o período cartista tinham tido a oportunidade de aprender do que era capaz o povo, aquele puer robustus sed malitiosus. Desde então tiveram que aceitar e ver convertida em lei nacional a maior parte da Carta do Povo. Agora, mais do que nunca, era necessário manter o povo á distância mediante recursos morais; e o primeiro e mais importante recurso morai com que se podia influenciar as massas continua a ser a religião. Daí a maioria dos postos entregues aos padres nos organismos escolares e daí a burguesia impor-se a si mesma cada vez mais tributos para sustentar toda a espécie de revivalismos, desde o ritualismo até o Exército de Salvação.

Aí está como triunfava o respeitável filisteísmo britânico sobre a liberdade de pensamento e a indiferença em assuntos religiosos do burguês continental. Os operários da França e da Alemanha tornaram-se rebeldes. Estavam totalmente contaminados de socialismo e, além disso, por motivos muito fortes, não davam muita importância à legalidade dos meios empregados para conquistar o poder. Aqui, o puer robustus tornara-se realmente cada dia mais malitiosus. E ao burguês francês ou alemão não restava outro recurso senão renunciar tacitamente a continuar sendo livre-pensador. dor, como esses rapazes engraçados que, quando irremediavelmente atacados de enjoo, deixam cair o cigarro fumegante com que faziam palhaçadas a bordo. Os gracejadores foram adotando, um após outro, exteriormente, uma atitude devota e começaram a referir-se com respeito à igreja, aos seus dogmas e ritos, chegando inclusive, quando não havia outra solução, a participar neles. Os burgueses franceses negavam-se a comer carne às sextas-feiras e os burgueses alemães suportavam, suando nos seus genuflexórios os intermináveis sermões protestantes Haviam chegado com o seu materialismo a uma situação embaraçosa. “É preciso conservar-se a religião para o povo’: era o último e único recurso para salvar a sociedade da sua ruína total. Por desgraça sua, não compreenderam isso senão depois de terem feito o humanamente possível para derrubar em definitivo a religião. Chegara, pois, o momento em que o burguês britânico podia rir-se deles, por sua vez, e gritar-lhes: “Ah bobos, eu já poderia ter dito isso há duzentos anos!”

Entretanto, receio muito que nem a estupidez religiosa do burguês britânico nem a conservação post fastum do burguês continental consigam opor um dique à crescente maré proletária A tradição é uma grande força freadora; é a vis inertige da história. Mas é uma força meramente passiva, e por isso tem necessariamente que sucumbir Daí a religião não poder servir por muito tempo de muralha protetora da sociedade capitalista. Se as nossas ideias jurídicas, filosóficas e religiosas não são senão frutos mais próximos ou mais remotos das condições econômicas imperantes numa dada sociedade, a longo prazo essas ideias não podem manter-se havendo uma mudança fundamental daquelas condições. Das duas uma: ou acreditamos numa revelação sobrenatural ou temos que reconhecer que não há pregação religiosa capaz de escorar uma sociedade em derrocada.

E a verdade é que também na Inglaterra começam os operários novamente a movimentar-se indiscutivelmente o operário inglês está preso a uma série de tradições. Tradições burguesas, como a tão difundida crença de que não podem existir mais que dois partidos, O conservador e o liberal e de que a classe operária tem de valer-se do grande partido liberal para trabalhar pela sua emancipação. E tradições operarias herdadas dos tempos dos seus primeiros ensaios de atuação independente, como a eliminação, nas numerosas e antigas trade-unions, de todos os operários que não tiverem um determinado período de aprendizagem: o que significa. Em rigor, que cada um desses sindicatos cria os seus próprios fura-greves. Mas, apesar de tudo isso e de muito mais, a classe operária avança, como o próprio professor Brentano se viu obrigado a comunicar, com grande pesar, aos seus irmãos, os socialistas de cátedra. Avança, como tudo na Inglaterra a passo lento e ritmado, vacilante aqui, e ali mediante ensaios, às vezes estéreis; avança aos poucos, com uma desconfiança excessivamente prudente, até quanto ao nome socialismo, mas assimilando gradualmente a essência. Avança, e o seu avanço vai-se transmitindo a uma camada operária após outra. Sacudiu agora a apatia dos operários não qualificados do East End de Londres, e todos nós já vimos que magnífico impulso deram à classe operária, por sua vez, essas novas forças. E se o ritmo do movimento não está em consonância com a impaciência de uns e outros, estes não devem esquecer que é a classe operária que mantém vivos os melhores traços do caráter nacional inglês e que, na Inglaterra, quando se dá um passo adiante, já não se recua mais. Se os filhos dos velhos cartistas não deram, pelos motivos indicados, tudo o que deles se podia esperar, parece que os netos serão dignos dos avós.

De resto, o triunfo da classe operária não depende somente da Inglaterra. Este triunfo só pode ser assegurado mediante a cooperação, pelo menos, da Inglaterra, França e Alemanha. Nos dois últimos países o movimento operário leva uma boa dianteira sobre o da Inglaterra. Os progressos alcançados aqui há vinte e cinco anos não têm precedente. O movimento operário alemão avança a uma velocidade acelerada. E se a burguesia alemã tem dado provas da sua ausência lamentável de capacidade política, de disciplina, de bravura, de energia e de perseverança, a classe operária da Alemanha demonstrou que possui em grau extraordinário todas estas qualidades. Já há quase quatrocentos anos que a Alemanha foi o ponto de partida do primeiro levante da classe média da Europa. No ponto em que se acham as coisas, será despropositado pensar que a Alemanha venha a tornar-se também o cenário do primeiro grande triunfo do proletariado europeu?

(O texto completo você encontra em https://pcb.org.br/portal/docs/dosocialismoutopico.pdf)

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