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Por Friederich Engels

Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, parte 2

Polêmica com Ludwing Feuerbach.

II

A grande questão fundamental de toda a filosofia, especialmente da moderna, é a da relação de pensar e ser. Desde os tempos muito recuados em que os homens, ainda em total ignorância acerca da sua própria conformação corporal e incitados por aparições em sonho, chegaram à representação de que o seu pensar e sentir não seriam uma actividade do seu corpo, mas de uma alma particular, habitando nesse corpo e abandonando-o com a morte — desde esses tempos, tinham de ter pensamentos acerca da relação dessa alma com o mundo exterior. Se, na morte, ela [alma] se separava do corpo [e] continuava a viver, não havia nenhum motivo para lhe emprestar ainda uma morte particular; surgiu, assim, a ideia da sua imortalidade que, naquele estádio de desenvolvimento de modo nenhum aparece como uma consolação, mas como um destino [Schicksal] contra o qual nada se pode, e, bastante frequentemente, como entre os Gregos, como uma positiva infelicidade. Não foi a necessidade religiosa de consolação, mas o embaraço proveniente da estreiteza igualmente geral [de vistas] acerca do que fazer com a alma — uma vez admitida [esta] — depois da morte do corpo, que levou, de um modo geral, à fastidiosa imaginação da imortalidade pessoal. Por uma via totalmente semelhante, surgiram, através da personificação dos poderes da Natureza, os primeiros deuses que, na ulterior elaboração das religiões, tomam cada vez mais uma figura extramundana, até, finalmente, por um processo, que ocorre naturalmente no curso do desenvolvimento espiritual, de abstracção — eu quase diria, de destilação — surgir na cabeça dos homens, a partir dos muitos deuses mais ou menos limitados e limitando-se reciprocamente, a representação de um único e exclusivo deus das religiões monoteístas.

A questão da relação do pensar com o ser, do espírito com a Natureza — a questão suprema da filosofia no seu conjunto —, tem, portanto, não menos do que todas as religiões, a sua raiz nas representações tacanhas e ignorantes do estado de selvajaria. Mas, ela só podia ser posta na sua plena agudeza, só podia alcançar toda a sua significação, quando a humanidade europeia acordasse da longa hibernação da Idade Média cristã. A questão da posição do pensar em relação ao ser — que, de resto, na escolástica da Idade Média também desempenhou o seu grande papel —, a questão: que é o originário, o espírito ou a Natureza? — esta questão agudizou-se, face à Igreja, nestes [termos]: criou deus o mundo ou existe o mundo desde a eternidade?

Conforme esta questão era respondida desta ou daquela maneira, os filósofos cindiam-se em dois grandes campos. Aqueles que afirmavam a originariedade do espírito face à Natureza, que admitiam, portanto, em última instância, uma criação do mundo, de qualquer espécie que fosse — e esta criação é frequentemente, entre os filósofos, por exemplo, em Hegel, ainda de longe mais complicada e mais impossível do que no cristianismo —, formavam o campo do idealismo. Os outros, que viam a Natureza como o originário, pertencem às diversas escolas do materialismo.

Originariamente, ambas as expressões — idealismo e materialismo — não significavam senão isto, e não serão aqui utilizadas em outro rentido. Veremos adiante que confusão surge se se faz entrar algo de diferente nelas.

Mas a questão da relação de pensar e ser tem ainda um outro lado: como se comportam os nossos pensamentos acerca do mundo que nos rodeia para com esse mesmo mundo? Está o nosso pensar em condições de conhecer o mundo real, podemos nós produzir, nas nossas representações e conceitos do mundo real, uma imagem especular [Spiegelbild] correcta da realidade? Esta questão chama-se, na linguagem filosófica, a questão da identidade de pensar e ser, e é respondida afirmativamente, de longe, pelo maior número de filósofos. Em Hegel, por exemplo, a sua resposta afirmativa entende-se por si; pois, aquilo que nós conhecemos no mundo real é, precisamente, o seu conteúdo conforme ao pensamento, aquilo que faz do mundo uma realização por estádios da Ideia absoluta, a qual Ideia absoluta existiu algures desde a eternidade, independentemente do mundo e antes do mundo; mas salta aos olhos sem mais que o pensar pode conhecer um conteúdo que de antemão é já conteúdo de pensamento. Salta aos olhos, do mesmo modo, que, aqui, aquilo que há que demonstrar está já tacitamente contido no pressuposto. Isso de modo nenhum impede, porém, Hegel de tirar da sua prova da identidade de pensar e ser a ulterior conclusão de que a sua filosofia, porque é correcta para o pensar dele, é também, então, a única correcta e de que a identidade de pensar e ser tem de se comprovar pelo [facto] de a humanidade traduzir de pronto a filosofia dele da teoria para a prática e remodelar o mundo todo segundo princípios fundamentais de Hegel. Isto é uma ilusão que ele partilha, mais ou menos, com todos os filósofos.

Além destes, há, porém, ainda uma série de outros filósofos que contestam a possibilidade de um conhecimento do mundo ou, pelo menos, de um conhecimento exaustivo [erschöpfende]. Pertencem-lhe, entre os modernos, Hume e Kant, e ela [essa série] desempenhou um papel muito significativo no desenvolvimento filosófico. O decisivo para a refutação desta perspectiva foi já dito por Hegel, tanto quanto isso era possível do ponto de vista idealista; o que Feuerbach acrescenta de materialista é mais brilhante [de espírito, geistreich] do que profundo. A mais percuciente refutação desta, como de todas as outras tinetas filosóficas, é a prática, nomeadamente, a experimentação e a indústria. Quando nós podemos demonstrar a correcção da nossa concepção de um processo natural, fazendo-o nós a ele próprio, produzindo-o a partir das suas condições, fazendo-o, acima de tudo, tornar-se utilizável para objectivos nossos, põe-se fim à inapreensível «coisa em si» de Kant. As matérias químicas produzidas em corpos vegetais e animais permaneceram tais «coisas em si» até a química orgânica as ter começado a preparar uma após outra; com isso, a «coisa em si» tornou-se uma coisa para nós, como, por exemplo, a matéria corante da ruiva-dos-tintureiros, a alizarina, que já não fazemos crescer nos campos nas raízes de ruiva-dos-tintureiros, mas tiramos muito mais barato e mais simplesmente do alcatrão de hulha. O sistema solar copernicano foi durante trezentos anos uma hipótese, em que se podia apostar cem, mil, dez mil, contra um, mas, no entanto, sempre uma hipótese; mas, quando Leverrier, a partir dos dados fornecidos por este sistema, calculou, não só a necessidade da existência de um planeta desconhecido, como também o lugar em que esse planeta tinha de estar no céu, e quando Galle encontrou realmente, então, esse planeta, nessa-altura, o sistema copernicano foi provado. Se, no entanto, o relançamento da concepção de Kant é tentado na Alemanha pelos neo-kantianos e o da de Hume em Inglaterra (onde ela nunca morreu) pelos agnósticos, isso é, face à refutação teórica e prática [delas] há muito efectuada, cientificamente, um retrocesso e, praticamente, apenas uma maneira envergonhada de aceitar sub-rep-ticiamente o materialismo e de o negar perante o mundo.

Os filósofos, porém, neste longo período de Descartes até Hegel e de Hobbes até Feuerbach, de modo nenhum foram impelidos para diante apenas, como acreditavam, pela força do puro pensamento. Pelo contrário. O que, na verdade, os impeliu para diante foi, nomeadamente, o progresso poderoso e sempre mais rapidamente impetuoso da ciência da Natureza e da indústria. Nos materialistas, isto mostrava-se logo à superfície, mas também os sistemas idealistas se encheram cada vez mais com um conteúdo materialista e procuraram conciliar a oposição de espírito e matéria panteisticamente; de tal modo que, finalmente, o sistema de Hegel representou apenas um materialismo, segundo método e conteúdo idealistamente posto de cabeça para baixo [auf den Kopf].

É, por conseguinte, compreensível que Starcke, na sua caracterização de Feuerbach, investigasse primeiro a posição dele para com esta questão fundamental acerca da relação de pensar e ser. Após uma curta introdução, em que é descrita em linguagem desnecessariamente filosófico-pesada a concepção dos filósofos anteriores, nomeadamente, desde Kant, e em que Hegel, por um ater-se demasiado formalista a passagens isoladas das suas obras, sai muito desfavorecido, segue-se uma exposição pormenorizada do curso do desenvolvimento da própria «metafísica» de Feuerbach, tal como resulta da sequência dos respectivos escritos deste filósofo. Esta exposição está elaborada de um modo aplicado e sinóptico, apenas sobrecarregado, como o livro todo, com um balastro, de modo nenhum inevitável, de maneiras filosóficas de se exprimir que actua de um modo tanto mais incómodo quanto menos o autor se atém à maneira de se exprimir de uma só e mesma escola ou então do próprio Feuerbach, e quanto mais ele mistura lá dentro expressões das mais diversas orientações, nomeadamente, das que agora grassam e a si próprias se chamam filosóficas.

O curso do desenvolvimento de Feuerbach é o de um hegeliano — a bem dizer, nunca totalmente orotodoxo — para o materialismo, um desenvolvimento que, num determinado estádio, condiciona uma rotura total com o sistema idealista do seu predecessor. Finalmente, é empurrado com uma força irresistível para a compreensão de que a existência pré-mundana da «Ideia absoluta» de Hegel, a «pré-existência das categorias lógicas», antes, portanto, de haver mundo, não é mais do que um resto fantástico da crença num criador extramundano; de que o mundo material, sensivelmente perceptível, a que nós próprios pertencemos, é o único real e de que a nossa consciência e pensar, por muito supra-sensíveis que pareçam, são o produto de um órgão material, corpóreo, do cérebro. A matéria não é um produto [Erzeugnis] do espírito, mas o espírito é ele próprio apenas o produto [Produkt] supremo da matéria. Naturalmente, isto é materialismo puro. Chegado aqui, Feuerbach estaca. Ele não pode vencer o pré-juízo filosófico, habitual, o pré-juízo não contra a coisa, mas contra o nome materialismo. Diz ele:

«O materialismo é para mim a base do edifício do ser [Weserc] e saber humanos; mas, para mim ele não é nada do que é para o fisiólogo, para o naturalista em sentido estrito, por exemplo, para Moleschott, e, por certo, [nada daquilo] que ele necessariamente é, do seu ponto de vista e da sua profissão: o próprio edifício. Para trás, concordo completamente com os materialistas, mas não para a frente.»

Feuerbach mete aqui no mesmo saco o materialismo, que é uma visão geral do mundo que repousa sobre uma determinada concepção da relação de matéria e espírito, juntamente com a forma particular por que esta visão do mundo se expressou num estádio histórico determinado, nomeadamente no século XVIII. Mais ainda, mete-o no mesmo saco juntamente com a figura vulgarizada, chã, em que o materialismo do século XVIII continua a existir hoje na cabeça de naturalistas e médicos e em que, nos anos cinquenta, foi pregado em digressão por Büchner, Vogt e Moleschott. Porém,tal como o idealismo passou por uma série de estádios de desenvolvimento, também o materialismo [passou]. Com cada descoberta fazendo época mesmo no domínio da ciência da Natureza, ele tem que mudar a sua forma; e, desde que também a história está submetida ao tratamento materialista, abre-se também aqui uma nova estrada do desenvolvimento.

O materialismo do século passado era predominantemente mecânico, porque, de todas as ciências da Natureza daquela altura, apenas a mecânica, e, a bem dizer, também só a dos corpos sólidos — celestes e terrestres —, em suma, a mecânica dos graves, tinha chegado a um certo acabamento. A química existia apenas na sua figura infantil, flogística. A biologia andava ainda de cueiros; o organismo vegetal e animal era investigado apenas grosseiramente e era explicado por causas puramente mecânicas; tal como para Descartes o animal, o homem era para os materialistas do século XVIII uma máquina. Esta aplicação exclusiva do padrão da mecânica a processos que são de natureza química e orgânica — e para os quais as leis mecânicas certamente que também valem, mas são empurradas para um plano recuado por outras leis, superiores — forma a primeira limitação específica, mas inevitável para o seu tempo, do materialismo francês clássico.

A segunda limitação específica deste materialismo consistiu na sua incapacidade de apreender o mundo como um processo, como uma matéria compreendida numa continuada formação [Fortbildung] histórica. Isto correspondia ao estado da ciência da Natureza da altura e à maneira metafísica, isto é, antidialéctica, do filosofar, com aquele conexa. A Natureza, sabia-se, estava compreendida num movimento eterno. Mas esse movimento, segundo a representação da altura, girava eternamente em círculo e, portanto, nunca se mexia do sítio; produzia sempre de novo os mesmos resultados. Esta representação era na altura inevitável. A teoria de Kant acerca do surgimento do sistema solar mal vinha de ser estabelecida e ainda passava só por mera curiosidade. A história do desenvolvimento da Terra, a geologia, era ainda totalmente desconhecida, e a representação de que os seres vivos naturais hodiernos são o resultado de uma longa série de desenvolvimento do simples para o complicado, não podia, naquela altura, ser, em geral, cientificamente estabelecida. A concepção não-histórica da Natureza era, portanto, inevitável. Podemos tão pouco censurar por isso os filósofos do século XVIII quanto também a encontramos em Hegel. Para este, a Natureza, como mera «exteriorização» da Ideia, não é capaz de nenhum desenvolvimento no tempo, mas apenas de um estirar da sua multiplicidade no espaço, de tal modo que estende todos os estádios de desenvolvimento nela compreendidos simultaneamente e um ao lado ç\o outro, e está condenada à eterna repetição sempre do mesmo processo. E este contra-senso de um desenvolvimento no espaço, mas fora do tempo — a condição fundamental de todo o desenvolvimento —, imputa-o Hegel à Natureza, precisamente, no mesmo tempo em que a geologia, a embriologia, a fisiologia vegetal e animal e a química orgânica se formavam e em que, por toda a parte, na base destas novas ciências, emergiam pressentimentos geniais da ulterior teoria do desenvolvimento [Entwicklungstheorie] (por exemplo, Goethe e Lamarck). Mas o sistema exigia-o assim, e o método tinha, por amor ao sistema, de ser, assim, infiel a si próprio.

Esta concepção não-histórica vigorava também no domínio da história. Aqui, a luta contra os restos da Idade Média perturbava a visão. A Idade Média era considerada como simpfes interrupção da história por uma barbárie universal de mil anos; os grande progressos da Idade Média — o alargamento do território cultivado europeu, as grandes nações viáveis, que aí se formaram umas ao lado das outras, finalmente os enormes progressos técnicos dos séculos XIV e XV — tudo isto, não era visto. Deste modo, tornou-se, porém, impossível uma penetração racional na grande conexão histórica e a história servia, no máximo, como uma colecção de exemplos e ilustrações para uso dos filósofos.

Os vendedores ambulantes vulgarizadores que, nos anos cinquenta, na Alemanha, andavam no materialismo de maneira nenhuma ultrapassaram esta limitação dos seus mestres. Todos os progressos da ciência da Natureza feitos desde então lhes serviam apenas como novos argumentos contra a existência do criador do mundo; e, de facto, estava totalmente fora do seu negócio desenvolver mais a teoria. Se o idealismo tinha esgotado o seu latim e tinha sido ferido de morte pela revolução de 1848, tinha a satisfação de ver que o materialismo, momentaneamente, ainda tinha caído mais baixo. Feuerbach tinha decididamente razão quando declinava a responsabilidade por esse materialismo; só que não devia confundir a doutrina dos pregadores ambulantes com o materialismo em geral.

No entanto, há aqui duas coisas a observar. Em primeiro lugar, em vida de Feuerbach, a ciência da Natureza estava ainda compreendida naquele intenso processo de fermentação e que só nos últimos quinze anos recebeu um relativo fecho, clarificador; foi fornecido novo material de conhecimento em medida até aqui inaudita, mas o estabelecimento da conexão, e, com ela, da ordem, neste caos de descobertas que se precipitam só muito recentemente se tornou possível. É certo que Feuerbach ainda assistiu às três descobertas decisivas todas — a da célula, a da transformação da energia e a denominada, com Darwin, teoria do desenvolvimento [Entwicklungstheorie]. Mas como teria podido o solitário filósofo, no campo, seguir suficientemente a ciência para avaliar plenamente descobertas que os próprios naturalistas daquela altura, em parte ainda contestavam, em parte não sabiam explorar suficientemente? A culpa cabe aqui unicamente às miserandas condições alemãs, graças às quais as cátedras de filosofia tinham sido açambarcadas por cavilosos e eclécticos esmagadores de pulgas, enquanto Feuerbach, que os dominava a todos como uma torre, tinha de se ruralizar e de se tornar azedo numa pequena aldeia. Não é, portanto, culpa de Feuerbach que a concepção histórica da Natureza, que afasta todas as unilateral idades do materialismo francês, agora tornada possível, permanecesse inacessível para ele.

Em segundo lugar, porém, Feuerbach tem toda a razão em que o materialismo meramente científico-natural é

«a base do edifício do saber humano, mas não o próprio edifício».

Pois, nós não vivemos apenas na Natureza, mas também na sociedade humana, e também esta tem a sua história de desenvolvimento e a sua ciência, não menos do que a Natureza. Tratava-se, portanto, de pôr a ciência da sociedade, isto é, o conjunto [Inbegriff] das chamadas ciências históricas e filosóficas, em consonância com a base materialista e de as reconstruir a partir dela. Isto, porém, não foi dado a Feuerbach. Aqui, ele permaneceu, apesar da «base», preso nos laços idealistas tradicionais, e ele reconheceu isso nestas palavras:

«Para trás, concordo com os materialistas, mas não para a frente.»

Mas quem aqui, no domínio social, não andou «para a frente», não ultrapassou o seu ponto de vista de 1840 ou de 1844, foi o próprio Feuerbach e, por certo, uma vez mais, principalmente na sequência do seu desterramento, que o compeliu a produzir pensamentos a partir da sua cabeça solitária — a ele que mais do que todos os outros filósofos estava talhado para o comércio sociável —, em vez de os [produzir] em encontro, amigável ou hostil, com oytros homens do seu calibre. Quanto, neste domínio, ele permaneceu idealista, vê-lo-emos mais tarde em pormenor.

Aqui há apenas que observar que Starcke procura o idealismo de Feuerbach no lugar incorrecto.

«Feuerbach é idealista, acredita no progresso da humanidade.» (P. 19) — «A base, a infra-estrutura [Unterbau] do todo permanece, não obstante, o idealismo. O realismo não é para nós senão uma protecção contra enganos [Irrwege], enquanto seguimos as nossas correntes ideais. Não são compaixão, amor e entusiasmo pela verdade e pela justiça [Recht], forças ideais?» (P. VIII.)

Em primeiro lugar, idealismo não quer dizer aqui senão perseguição de objectivos ideais. Estes, porém, no máximo têm a ver com o idealismo de Kant e o seu «imperativo categórico»; mas, mesmo Kant chamou à sua filosofia «idealismo transcendental», de modo nenhum porque aí se trata de ideais éticos, mas por razões totalmente diferentes, como Starcke se recordará. A superstição segundo a qual o idealismo filosófico giraria em torno da crença em ideais éticos, isto é, sociais, surgiu fora da filosofia, entre filisteus alemães que aprenderam de cor nos poemas de Schiller as poucas migalhas de cultura filosófica de que precisam. Ninguém criticou mais agudamente o impotente «imperativo categórico» de Kant — impotente, porque ele pede o impossível [e], portanto, nunca chega a algo de real —, ninguém troçou mais cruelmente do arrobo filisteu por ideais irrealizáveis, veiculado por Schiller, do que precisamente o perfeito idealista Hegel (veja-se, por exemplo, a Phänomenologie(16*).

Em segundo lugar, porém, nem uma só vez se pode evitar que tudo aquilo que move um homem tenha de passar pela sua cabeça — mesmo comer e beber, que começam em consequência de fome e sede sentidas por intermédio da cabeça e terminam em consequência da saciedade igualmente sentida por intermédio da cabeça. As acções [Einwirkungen] do mundo exterior sobre o homem expressam-se na sua cabeça, reflectem-se aí como sentimentos, pensamentos, impulsos, determinações de vontade, em suma, como «correntes ideais» e tornam-se, sob essa figura, «poderes ideais». Ora, se a circunstância de esse homem, em geral «seguir correntes ideais» e conceder uma influência sobre ele [próprio] a «poderes ideais» — se isto faz dele um idealista, então todo o homem, nalguma medida, normalmente desenvolvido é um idealista nato, e [, nesse caso,] como pode ainda, em geral, haver materialistas?

Em terceiro lugar, a convicção de que a humanidade, pelo menos de momento, se move grosso modo numa direcção progressiva não tem absolutamente nada a ver com a oposição de materialismo e idealismo. Os materialistas franceses tinham esta convicção em grau quase fanático, não menos do que os deístas[N81] Voltaire e Rousseau, e bastante frequentemente fizeram-lhe os maiores sacrifícios pessoais. Se alguma vez alguém consagrou a vida toda ao «entusiasmo pela verdade e pela justiça» — tomando a frase no seu bom sentido —, foi, por exemplo, Diderot. Se, por conseguinte, Starcke declara isto tudo idealismo, isso só demonstra que a palavra materialismo e toda a oposição de ambas as orientações perdeu aqui para ele todo o sentido.

O facto é que — ainda que talvez inconscientemente — Starcke faz aqui uma imperdoável concessão ao pré-juízo filisteu contra o nome materialismo, [um pré-juízo] herdado da [sua] difamação durante longos anos pelos padres. O filisteu entende por materialismo glutonaria, bebedeira, cobiça, prazer da carne e vida faustosa, cupidez, avareza, rapacidade, caça ao lucro e intrujice de Bolsa, em suma, todos os vícios sujos de que ele próprio em segredo é escravo; e por idealismo, a crença na virtude, na filantropia universal e, em geral, num «mundo melhor», de que faz alarde diante de outros, mas nos quais ele próprio [só] acredita, no máximo, enquanto cuida de atravessar a ressaca ou a bancarrota que necessariamente se seguem aos seus habituais excessos «materialistas» e [enquanto], além disso, canta a sua cantiga predilecta: que é o homem? — meio animal, meio anjo.

Quanto ao resto, Starcke esforça-se muito para defender Feuerbach dos ataques e teses dos assistentes [Dozenten] que hoje, na Alemanha, se dão ares sob o nome de filósofos. Para a gente que se interessa por essa secundina da filosofia alemã clássica, isso é certamente importante; para o próprio Starcke, isso pôde parecer necessário. Nós pouparemos isso aos leitores.

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