Em reportagem do Washington Post, do dia 2/11/19, Bolsonaro é colocado em seu devido lugar em relação ao governo norte-americano. Diz sua manchete algo como: ‘uma traição bastante forte’: Bolsonaro se junta a outros líderes e descobre que um (bom) relacionamento pessoal com Trump tem seus limites[1].
Na realidade, não se trata de nenhuma traição, pois os norte-americanos, seus dirigentes em particular, só têm compromisso consigo mesmo, com seus negócios, com seus interesses. O deslumbre de Jair Bolsonaro, espelhando a vocação vira-latas da burguesia nacional é o único motivo de espanto quanto à decisão recente de Donald Trump de retomar a taxação do aço brasileiro.
Afirmando que Argentina e Brasil estariam promovendo a desvalorização de suas moedas e, com isso, prejudicando os agricultores dos EUA, o presidente norte-americano faz um aceno para seus eleitores e manda uma banana para aqueles que, aqui no Brasil, acreditam ter algum privilégio ou ser objeto de consideração diferenciada pelo império.
Aproveitando que nossa moeda, o real, sofreu forte desvalorização diante do dólar – e, na prática, fazendo com que a importação de produtos brasileiros nos EUA fique mais barata, o governo dos EUA tem uma boa desculpa, justificando que é necessário agir, pois os produtores norte-americanos estariam perdendo competitividade.
No jogo comercial, os americanos são mestres, enquanto hoje somos, no Brasil, governados por incompetentes do pior tipo, atua-se ingenuamente para favorecer os interesses e negócios do imperialismo, em troca de afagos e falsos sinais de consideração.
O The Washington Post foi muito suave, não deveria falar de traição e de ser condescendente com o governo de extrema-direita do Brasil. Poderia ter escancarado a relação de submissão que deliberadamente marca a atual política externa brasileira. Mais, poderia ter feito chacota sim, da mais que ingenuidade do governo e da grande esperteza dos que lucram com essa ingenuidade, principalmente os próprios norte-americanos.
Não importa se Donald Trump está usando uma desculpa para proteger os seus, ou para quebrar um acordo com o Brasil e a Argentina, o fato é que os EUA, e os políticos de plantão, sempre fizeram e farão o que for preciso para garantir lucro e a satisfação de seus eleitores.
Lembremos que, no começo do mês de novembro, os EUA manteve veto à carne bovina brasileira, e internamente também se falou de traição dos norte-americanos.
Desde o Golpe de 2016, os EUA assumiram a dianteira na corrida por assumir áreas e negócios no Brasil que foram prejudicados ou destruídos pela ação da Operação Lava Jato ou ações de privatização promovidas pelos golpistas de plantão.
Apenas para ficar com um único caso, o do Diesel, verificamos que em menos de três anos, os EUA se tornaram praticamente o único fornecedor (cerca de 90%) do óleo importado pelo Brasil. Mas, no geral, a balança comercial nos anos de governo golpista tem sido ruim para o País. Nos últimos dias, o governo Bolsonaro têm feito malabarismos, quase heroicos, para afirmar um superávit (exportações), mas isso criou, por outro lado, uma desconfiança sobre a capacidade de o atual governo cuidar das próprias contas.
Um governo confuso e submisso é tudo de que os EUA precisam para usar e abusar. O namoro de Bolsonaro com Trump está fadado a ser abusivo, com os EUA impondo o que bem quiser, sem dar nada em troca, ou, como nos velhos tempos (e no imaginário popular), trocando bugiganga por ouro.
Enquanto pagamos mais caro pela gasolina, pelo gás, pela carne, o governo de Washington quer levar de graça nossos recursos, a Amazônia inclusive, quer facilidades, isenções, enquanto devolve, como criminosos os ‘ilegais’ brasileiros, o governo Bolsonaro isenta os ianques de visto, entrega a Embraer (e os empregos dos nacionais) e Alcântara, sem levar nada em troca.
A ironia do momento é que a burguesia do aço foi uma das que mais apoiou o golpe de 2016 e, sabendo ser impossível eleger a direita em 2018, deu seu aval à extrema-esquerda e seu candidato tosco e entreguista.
[1] ‘A pretty strong betrayal’: Brazil’s Bolsonaro joins other leaders in learning that a good personal relationship with Trump has its limits