Cumprindo seu papel reacionário, o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu regredir aos tempos imemoriais onde a defesa da honra justificava o assassinato. Sob o pretexto do pedido de “clemência”, os sicofantas de toga decidirão se cabe recurso contra decisão de júri que absolver réu em casos onde o assassinato ocorreu em defesa da moral e dos bons costumes. Para tal desatino, o colegiado já conta com ao menos quatro votos para chancelar a decisão que impede recurso contra julgamento do Tribunal do Júri, mesmo que o mesmo absolva o réu diante de provas materiais e contundentes indicadas no processo.
A medida, porém, tem encontrado alguns percalços em seu caminho. Em outubro, ao analisar o recurso, o Ministério Público de Minas Gerais enfatizou que ao aceitar a absolvição por clemência, sem possibilidade de recurso, o Supremo, em realidade, estaria autorizando a vingança e a justiça pelas partes vitimadas. Em termos reais, o Conselho de Sentença do Júri, mesmo reconhecendo a autoria do delito, poderia absolver um criminoso; e, no entanto, isso já ocorreu quando um homem foi absolvido após tentativa de homicídio. A justificativa, contudo, se deu pelo fato de a vítima ter sido responsável pelo assassinato de seu enteado. Um sem-número de casos poderiam ser citados. Em outubro, num caso similar, a Primeira Turma do Supremo rejeitou a realização de um segundo Tribunal do Júri contra um homem que havia sido absolvido no primeiro sob a acusação de tentar matar a esposa com golpes de faca por imaginar ter sido traído.
Realizado em sessão virtual, o julgamento que teve início em outubro foi interrompido e remetido ao plenário presencial a pedido de Alexandre de Moraes. No final das contas, os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso foram derrotados. Prevalecendo, portanto, o entendimento dos ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Rosa Weber de que a Constituição assegura a soberania do júri, contra o qual não cabe recurso. Doravante, o STF discutirá a matéria num âmbito geral, isto é, a decisão passará a valer para todas as ações similares em curso no país.
Vale lembrar que a mudança na orientação se deu em março, já que a própria Primeira Turma havia aceitado recurso em favor da realização de novo Tribunal do Júri. No entanto, após Luiz Fux ter assumido a presidência do STF no lugar de Dias Toffoli, o colegiado mudou de posição. Até então, Fux era a favor de recurso contra julgamento do júri, ao passo que Toffoli se posicionou contra em outubro.
O tema, no entanto, tem levantado posicionamentos divergentes e promovido bastante confusão. Segundo o advogado Fabio Tofic Simantob, representante do Movimento de Defesa da Advocacia, “se um juiz togado pode dizer o que é certo e errado no júri, para que preciso do júri? É um pouco aquela coisa assim: o povo decide, desde que decida do jeito que eu quero. Tradição antidemocrática”.
Tomado como exemplo, um caso interessante é o de Raul Fernando Doca Street, condenado pelo assassinato de Ângela Diniz. Por conta do crime, o réu recebeu dois anos de prisão. No entanto, cumpriu a pena em liberdade por ser réu primário. À época, o advogado Evandro Lins e Silva afirmou que Doca Street tinha agido em legítima defesa da honra e que a mulher teria comportamentos inadequados, o que teria ferido a honra de seu cliente. O caso, por sua vez, mobilizou amplos setores feministas e, sob a pressão da população, o assassino foi considerado culpado e recebeu pena de 15 anos, no segundo Tribunal do Júri.
Esse impasse, todavia, conduz a um resultado lógico: o judiciário é o setor que conserva os elementos mais reacionários da sociedade burguesa. Do tribunal do juri ao STF, a semelhança entre o déspota e o carrasco não é mera sutileza; afinal, ambos reforçam a superestrutura montada em cima da exploração e das atrocidades cometidas contra a população. Nesse caso, trata-se, em realidade, da aprovação da absolvição em defesa da honra, o que, em última análise, servirá para absolver os assassinos de mulheres etc.