O “fenômeno Boulos” desperta uma questão interessante sobre o PSOL e seu candidato: qual o interesse da imprensa golpista – e portanto da direita – de procurar e escolher um representante da esquerda nacional? A pergunta poderia ser respondida de várias maneiras.
Os ingênuos, cegos e meramente oportunistas – nas eleições está cheio deles – poderiam afirmar que a imprensa golpista, apesar de golpista, está comprometida com a verdade e realmente quando ela aponta caminhos e dá conselhos para a esquerda não há nenhuma intenção, nenhum interesse por trás disso.
Mas como não somos nem cegos, nem ingênuos, nem oportunistas e também não nos deixamos levar pela histeria eleitoral, a resposta correta à pergunta acima só pode ser uma: quando a direita escolhe a sua esquerda, ela faz isso pensando nos seus interesses políticos gerais, ou seja, a manutenção do golpe.
O portal da rádio jovem Pan, que é reconhecidamente um órgão de extrema-direita, afirmou que
“Boulos tira o lugar de Lula na liderança da esquerda brasileira” (16/11/20).
Já o jornal O Globo faz a pergunta retórica:
“Boulos ganha cacife para virar um Lula 4.0 no futuro?”.
A revista Época, que também pertence às organizações Globo, por sua vez, afirmou que
“Boulos reinjeta utopia na esquerda e sinaliza a chance de união”
muito “interessada” com as possibilidades de união da esquerda.
Todas essas declarações não são fortuitas nem são meras constatações da imprensa. A não ser que acreditemos que a imprensa golpista está focada em apresentar a verdade acima de tudo, a orientação política da direita golpista de conjunto é apresentar o PSOL como a nova representação da esquerda nacional e Boulos como um substituto de Lula..
A realidade aqui passa muito longe. Nem o PSOL vai substituir o PT nem Boulos pode assumir o lugar de Lula. A colocação da imprensa golpista é meramente propaganda. Em suma, a imprensa golpista está dando vazão ao sonho da direita nacional.
Esse sonho da burguesia é encontrar uma esquerda domesticada – bem mais domesticada que o PT -, sem nenhuma base popular e sem um programa político que ofereça qualquer risco para a direita. Esse é exatamente o perfil do PSOL.
O PSOL surgiu como um racha do PT, criado por parlamentares pequeno-burgueses que defendiam toda a política de conciliação de classes do PT na teoria e na prática, mas com um diferencial: a ausência de base popular.
O desenvolvimento da situação e principalmente a posição do PSOL nestas eleições escancararam o problema. O PSOL se mostrou altamente domesticado e domesticável. A imprensa golpista desde o início rasga elogios a Boulos e prepara a operação dos sonhos.
O PT, em particular a ala lulista, é um problema para a burguesia. Sua base popular, o apoio dos quase 3 mil sindicatos da CUT e dos movimentos populares, transformam o PT não pelo seu programa ou ideologia, num partido muito mais difícil de ser controlado. Por isso, inclusive o golpe de Estado.
A mesma imprensa que se dedicou a vomitar todo o tipo de calúnias e mentiras contra o PT e a esquerda, agora se dedica a elogiar o PSOL e a elegê-lo como a sua esquerda.
Quem melhor descreveu o papel político que a burguesia quer para o PSOL foi o Estado de S. Paulo, em editorial do último dia 22, intitulado “Não é hora para aventuras”. No artigo, o porta-voz da burguesia paulista e nacional deixa claro que, embora a melhor opção seja manter o candidato tucano, Bruno Covas,
“É preciso igualmente reconhecer que o desafiante de Bruno Covas, Guilherme Boulos, do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), mostrou-se amadurecido. Deixou de lado o figurino de agitador que marcou sua carreira como líder dos sem-teto de São Paulo para agregar apoio a seu projeto político, o que foi suficiente para se viabilizar como um candidato de esquerda competitivo numa cidade que desde as eleições de 2016 repudia fortemente o PT e tudo o que o lulopetismo representa. Guilherme Boulos certamente será, assim, um nome forte da esquerda em disputas futuras, despontando como líder de uma reorganização dos partidos que até há pouco orbitavam o PT e Lula da Silva. No final das contas, esse deve ser seu papel na eleição do domingo que vem.”
Para o Estadão, portanto, Boulos já está cumprindo o seu papel nas eleições: ser “um nome forte da esquerda em disputas futuras”, isso numa cidade que, segundo o mesmo Estadão, repudia o “lulopetismo”. Na realidade, Boulos somente chegou até aqui pela própria campanha da imprensa golpista, mas também, aparecendo como o grande substituto de Lula, que a própria imprensa fez questão de ressaltar.
Quem repudia o “lulopetismo” não é o povo de São Paulo, mas o próprio Estadão que procura um substituto para Lula, capaz de “reorganizar os partidos que até há pouco orbitavam o PT e Lula“.
O sonho da burguesia é apresentado com todas as letras neste editorial. Boulos é a esquerda escolhida pela direita. A direita escolheu o seu esquerdista de estimação. Como um time que escala o time adversário, a direita escolheu a sua esquerda, ou a sua oposição.
A substituição de Lula e do PT não é um mero jogo político superficial, mas é parte de uma manobra para isolar Lula. Faz parte dessa operação fazer crer que Lula não é popular, que Lula não deve ser candidato e que a esquerda deve se integrar na frente ampla “sem o PT na cabeça” como disse a jornalista Vera Magalhães, do Estadão, ao criticar a posição do PCO sobre Guilherme Boulos.
A burguesia conta com uma esquerda sem base popular. Só assim será possível uma manobra que consiga colocar um nome da direita golpista, apoiado pela esquerda. O que está em jogo é a manutenção do golpe de Estado com o apoio da esquerda pequeno-burguesa.
Por isso, os trabalhadores devem repudiar a manobra e denunciar claramente a operação que a burguesia está colocando em prática. Boulos, o PSOL e a esquerda da frente ampla cumprem nesse momento o papel de sustentar a própria direita golpista, que efetivamente é quem tem os piores planos contra o povo. É ela a responsável por Bolsonaro e todos os ataques às condições de vida dos trabalhadores.