Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão judicial suspendeu os despejos no estado do Rio de Janeiro. A decisão atendeu ao pedido da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que reivindicava a derrubada da liminar do desembargador Ferdinaldo do Nascimento, da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Em sua decisão, o desembargador havia suspendido a Lei Estadual nº 9020/2020 que, em seu artigo 1º prevê a suspensão de “todos os mandados de integração de posse, imissão na posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais no estado do Rio de Janeiro em ações distribuídas durante o estado de calamidade pública em virtude da situação de emergência decorrente do novo coronavírus (Covid- 19)”.
Embora a decisão tomada pelo ministro Lewandowski seja positiva, é preciso receber tal notícia com ceticismo. Na prática, a decisão não resolve por completo o problema, pois seu efeito é restabelecer a validade da já mencionada lei estadual, mas isso apenas até que o STF julgue o mérito da reclamação.
Um breve retrospecto, no que se refere a questão dessa lei, é suficiente para mostrar porque é preciso ver a situação com desconfiança. A legislação que impede os despejos no Rio de Janeiro entrou em vigor em 25 de setembro, após a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) derrubar veto do governo local.
O primeiro ponto a ser destacado aqui é a demora para que isso ocorresse. A pandemia estava a todo vapor no Brasil já há alguns meses. Enquanto isso, certamente muita gente foi despejada, embora a política defendida oficialmente pela burguesia fosse o “fique em casa”, palavra de ordem defendida de forma completamente acrítica pela esquerda pequeno-burguesa, que rapidamente se afeiçoou a ideia de que não podia sair de casa para para protestar contra Bolsonaro ou para defender famílias trabalhadoras que estavam sendo colocadas na rua e para as quais nunca existiu o direito de ficar em casa.
E não demorou muito para que a lei fosse contestada. A Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj) questionou a constitucionalidade da legislação, pois, segundo ela, a competência para legislar sobre o assunto é exclusiva da União. O pedido de suspensão da lei foi atendido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) no mês de novembro.
Aqui há outro ponto a ser destacado: embora a palavra “magistrado” pareça algo belo, é importante explicar que nesse caso, como em tantos outros, as aparências enganam. Os excelentíssimos magistrados são, na realidade e com raríssimas exceções, figurões como o desclassificado ex-juiz Sérgio Moro, que a cada dia se mostra como um criminoso de quinta categoria.
Há um segundo ponto sobre a ação de inconstitucionalidade da referida associação. Os tais magistrados se utilizam do argumento de que seria inconstitucional o parlamento do estado do Rio legislar sobre tal assunto. Nota-se que o cinismo dos magistrados não tem limites. A mesma constituição que o judiciário brasileiro tem contribuído imensamente para picotar em milhares de pedaços é a constituição que eles trazem de volta à vida – ela, que já estava no caixão – para justificar o injustificável: colocar famílias pobres na rua e completamente desprotegidas da pandemia e da completa miséria.
Diante dessa situação a Defensoria Pública recorreu ao STF, argumentando que o TJRJ havia desrespeitado diversas decisões do próprio supremo, que dizem que os estados têm autonomia para implementar medidas de prevenção ao novo coronavírus, o que inclui a suspensão das ordens de despejo.
Só esse retrospecto é suficiente para entendermos que a decisão de Lewandowski deve ser recebida com ceticismo. Primeiro porque a lei não tem a menor importância para a burguesia, que passa por cima de qualquer legislação para atingir seus objetivos. Segundo porque, como vimos, a legislação pode ser revogada pelo Estado capitalista a qualquer hora e com base em qualquer justificativa cínica. E, no que se refere a situação no campo, o ceticismo deve ser ainda maior, pois os mandos e desmandos do latifúndio, via de regra, atropelam qualquer decisão judicial com o uso da força bruta, por meio de carnificinas, que muitas vezes ocorrem sem que ninguém saiba de nada.
Nesse sentido, não há outra saída além de organizar os sem-terra, os sem-teto, os índios para enfrentar a extrema-direita e pôr um fim aos despejos, enfrentamento esse que só pode ser feito por meio da mobilização, não podendo se resumir a ações judiciais.