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Coronavírus

Sem dinheiro, indígenas do MS temem a obrigatoriedade de máscaras

O Estado, do nível federal ao municipal, está totalmente dedicado ao seu plano para as nações indígenas: seu extermínio por meio da bala, da fome, da doença ou da lei

Nesta segunda-feira (4), a prefeitura de Dourados (MS) tornou obrigatório o uso de máscaras. Conforme consta no decreto n° 2.575, esse meio de prevenção ao contágio pelo COVID-19 é exigido por quem esteja em todas as filas de bancos e lotéricas, durante a utilização do sistema de transporte coletivo público urbano no município, em táxis ou veículos de aplicativo, e nos recintos de mercados, supermercados e hipermercados. Contudo, segundo Ivan Avila, liderança da aldeia de Jaguapiru, “a Funai diz que pegou uma verba para repassar o material para os indígenas da região sul do estado, mas até agora ninguém falou mais nada.” Não é surpreendente que a Funai venha a deixar as comunidades locais abandonadas entre a violência bruta dos proprietários fundiários (que assassinam constantemente as lideranças), a ameaça do contágio e a força da lei que não ampara, mas pune com rapidez e eficácia. Como se proteger de um vírus fatal estando sem recursos, em meio a uma guerra injusta com poderosos proprietários de terra e sob a ameaça adicional de punição financeira?

Evidenciando claramente seu papel destrutivo e alinhado às forças de extermínio, a Funai toma ares de “incendiário e bombeiro” à medida que convêm para o projeto fascista presente no Estado, e sua postura no mês de abril, em plena escalada da pandemia, foi de uma absoluta inércia consorciada. Ao final de abril, por exemplo, sob o comando de Damares Alves, a organização tinha gasto mais de R$1 milhão (mais de 10%) dos míseros R$10.840 milhões – verba adicional destinada em regime de urgência ao COVID-19, repassada através da medida provisória 942 de 2 de abril – comprando caminhonetes zero quilômetro (oito picapes da marca Mitsubishi à média de R$135 mil cada). Após estas medidas “inexplicáveis”, a agência ficou duas semanas sem gastar um único centavo da verba, “retomando” os gastos apenas depois de ser denunciada à Procuradoria Geral da República e inquerida oficialmente. No dia seguinte à cobrança, esta realiza a compra de cestas básicas no valor irrisório de R$53 mil reais (menos da metade do valor de um dos veículos), alegando enfrentar “problemas logísticos”. Até o dia 21 de abril, a ministra ainda retinha R$40 milhões em caixa, tendo gasto menos de 2% do valor com ações de auxílio – que também deve ser destinado a comunidades quilombolas.

Os indígenas do Mato Grosso do Sul vêm sendo violentamente atacados por todos os setores que apoiam ou silenciam diante do projeto de extermínio, que tem em seu front o governo de Bolsonaro e seu alinhamento com os interesses latifundiários e das elites subordinadas ao imperialismo. A Funai, de maneira criminosa, os abandona aos males contra os quais ela deveria ser uma arma de defesa. Contudo, antes de comentarmos a anunciada nova medida que deverá punir barbaramente a população indígena de Dourados, já muito empobrecida e vulnerabilizada, temos de observar alguns antecedentes e reflexões que corroborem a inserção deste passo no plano genocida em andamento – que não é exclusivo para as comunidades desta cidade.

Contemplemos e interpretemos alguns dados. O Mato Grosso do Sul concentra a segunda maior população indígena do país, com mais de 70 mil pessoas. A maior etnia, Guarani-kaiowá e Guarani-ñandeva, ocupa majoritariamente o sul do estado. Esta região concentra os maiores conflitos por terra, o que força as comunidades a viverem em acampamentos na beira da estrada e áreas retomadas dentro de fazendas, legalizadas por decisões judiciais. A Reserva de Dourados é a reserva indígena com a maior concentração do país. Cerca de 15 mil indígenas de 3 diferentes etnias vivem atualmente numa área de 3,5 mil hectares. Segundo Zelik Trajber, coordenador técnico de saúde da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no Distrito Especial Sanitário Indígena no MS, “não há nenhuma outra reserva com tantos índios numa área tão pequena” no Brasil, com uma média de 480 nascimentos e 90 mortes ao ano. O médico acrescenta que tal fator transforma-se em uma “bomba-relógio”, já que o crescimento populacional não é acompanhado pelos recursos e dimensões da reserva. Há uma grave falta de perspectiva de auto-sustentabilidade diante de tais condições – os indígenas são confinados à força em uma região, atacados com brutalidade pelos proprietários de terra e têm o que resta de suas terras progressivamente tomado em repetidas investidas. Algo muito próximo daquilo que encontraríamos nos manuais de história para pensar a lógica dos campos de concentração.

Não é necessário salientar que tais investidas geralmente consistem em assassinatos de lideranças, queima de assentamentos e contínuas ameaças explícitas por meio da força, tudo isso sob a atual tutela governamental e seu claro discurso. Não é sequer possível descrever o processo como “negligência” – lembremos que uma das promessas que Bolsonaro havia feito durante as eleições era a de que não haveria mais “um centímetro de terra indígena” em nosso país. O Estado já declarou estes povos como seus inimigos oficiais ao acolher em seu seio o projeto fascista. O apoio jurídico e governamental à classe inimiga dos indígenas dá total respaldo para o alastramento dessa violência e ao processo de invisibilizá-la. Apenas para dimensionar as proporções esmagadoras, vale ressaltar que, das terras do estado do Mato Grosso do Sul, 83% está nas mãos do latifúndio, minoria detentores de imensas extensões de terras. Reservas indígenas ocupam apenas 2,2% e os assentamentos, apenas 1%. Um total de 92% do território do estado é de posse privada.

Após este breve passeio estatístico, os próximos dados podem contornar bem para onde se caminha. Levando em conta as inúmeras agressões que os povos indígenas da região sofrem há anos, inclusive com a participação constante e tradicional do “caveirão” (força policial assassina) – em especial a partir do golpe, e com exponencial escalada no governo de Bolsonaro -, apenas um observador inocente e desavisado ficaria estarrecido ao informar-se sobre a medida do TRF-3, de agosto de 2018, que eximiu a Funai e a Conab da obrigação de distribuir sextas básicas no estado. O leitor atento tampouco ficaria surpreso ao saber que, ao serem inquiridas pelo Ministério Público Federal no início de janeiro de 2020 – e apenas então – acerca de tais atividades, e recebendo recomendação do mesmo para a retomada da distribuição a indígenas que vivem em terras ainda não demarcadas no sul do estado, a Funai e a Conab novamente recorrem ao despacho de Brasília, decisão da Justiça Federal, do final de 2017, em ação ajuizada pelo próprio MPF, que já havia determinado que o Estado de Mato Grosso do Sul se encarregasse de cadastrar e distribuir cestas de alimentos para as famílias indígenas de áreas regularizadas, enquanto a União deveria se responsabilizar pelas famílias em áreas de retomada e acampamentos não regularizados. A Funai alega então que a responsabilidade descrita na liminar é da União, e não da autarquia, embora esta faça parte da União.

Supõe-se que nosso mencionado observador, a primeiro momento talvez desavisado, mas perspicaz como é e pouco surpreso, deve chegar rapidamente à conclusão de que, como o próprio MPF veio a descrever, a Funai “estaria se beneficiando de sua torpeza” (não sendo o único órgão a fazê-lo), estando obviamente alinhada aos interesses do atual governo e dos latifundiários ao não se dispor a distribuir alimentos para indígenas em áreas “não demarcadas”, para assim pressioná-los a qualquer custo em favor dos grandes proprietários. Também certamente se lembrará da recente Instrução Normativa da Funai, de 22 de abril – o “estarrecimento” mais recente -, que permite a invasão, exploração e até a comercialização de terras indígenas ainda não homologadas pelo presidente. Apenas a ingenuidade ou a perversidade poderia não enxergar um vínculo plenamente operacional entre os tais fatores – que sequer se distanciam no tempo, no espaço ou mesmo na autoria. Em sua astúcia, poucas opções restam ao observador crítico do que a de enxergar toda a confluência de processos como parte de um sistema muito ordenado e com um objetivo muito claro: o genocídio indígena e a manutenção de sua invisibilidade em nome de uma política de acumulação das velhas elites agrárias e pecuaristas – uma elite que tradicionalmente assassina o povo de seu país e se ajoelha diante do imperialismo.

Mediante tal quadro massacrante, só se pode compreender o que ocorre a essas comunidades como sendo o plano de atirá-las com ainda mais força pela ladeira do empobrecimento e da vulnerabilização até seu extermínio, como mencionado ao início, um processo que só poderia ser compreendido como fruto de “triste acaso” ou “inépcia administrativa” numa cabeça em absoluta negação da realidade – por perversidade, delírio, ou ambos. Caso nosso observador não tenha compreendido a totalidade orgânica dos fatos – e já somado a variável do COVID-19 à cena -, não há mais nada que possa convencê-lo de que a prefeitura de Dourados, junto de todos os demais órgãos governamentais envolvidos na questão dos povos indígenas, os estará abandonando de forma deliberada e genocida. A cegueira deste sujeito não poderá então ser revertida, pois não é fruto da ignorância, e sim do vil desejo, e para ele, as mortes indígenas serão contabilizadas (se o forem) na vala do acidente e da indigência, junto às dos “idosos sacrificáveis” e daqueles que devem ser decepados no “altar” da “economia” e do fascismo brasileiro: toda a classe trabalhadora. Confiando, contudo, que nosso observador não é tal sujeito, e conhecendo sua perspicácia, é de se supor que a ele só resta uma possível conclusão diante do presente horror em andamento: é necessário agir e intervir. A luta dos povos indígenas é a luta do povo brasileiro trabalhador, que está também sob a mesma mira assassina e ditatorial. Confiar que algum órgão impedirá o extermínio absoluto dos povos indígenas e que nada se pode fazer é entregar ao fascismo aquilo que de nós ele deseja: a conivência e a covardia.

A prefeitura de Dourados, nesta sexta-feira (8), com uma chamativa manchete em seu site oficial, desejava dar ao Brasil apenas uma notícia: que “Dourados é a 1ª cidade de MS ‘melhor para fazer negócio’.”

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