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Mobilização ou misticismo?

Sem carro de som, sem partido, sem bandeira: a “nova geração” é o MBL

Na última semana, a jornalista Rosana Pinheiro Machado concedeu uma entrevista ao jornal burguês espanhol El País e defendeu uma política bastante direitista para a esquerda.

Prestes a lançar o livro Amanhã vai ser maior: O que aconteceu com o Brasil e possíveis rotas de fuga para a crise atual, a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado concedeu uma entrevista ao jornal burguês espanhol El País, que foi publicada no dia 9 de dezembro.

Na entrevista, Pinheiro-Machado expôs uma série de impressões sobre a situação política atual, tratando sobretudo daquilo que considera que há de errado na atuação da esquerda.

A ação das massas

Na primeira parte da entrevista, Rosa Pinheiro-Machado afirma que a “nova geração” de jovens seria muito mais politizada e, até mesmo, mais democrática, que as anteriores:

E, para mim, a grande diferença é que esta geração é muito mais autonomista, muito mais democrática, com muitos coletivos. Você vai numa escola e vê 10 grupos feministas, não apenas um DCE centralizador. É uma geração que se expressa de maneira muito mais horizontal. Não é perfeito, a gente sabe de todos os conflitos e contradições que existem, mas há uma lógica muito mais democrática e horizontal. E também pouco partidária. De alguma maneira esta geração inclusive rejeita os partidos.

De uma maneira geral, não há nenhum motivo para os jovens que nasceram nas últimas décadas serem mais democráticos do que os jovens que viveram o governo FHC ou a ditadura militar. Afinal, pouquíssima coisa mudou para a juventude nos últimos anos: a sociedade capitalista permite que apenas uma parcela muito restrita da população goze de privilégios, enquanto a esmagadora maioria é destinada às piores condições de vida possível. A quase totalidade da juventude está inserida nas camadas mais desfavorecidas da população, de modo que, em qualquer período, tende a se chocar com os interesses da classe dominante. A juventude é, inclusive, por suas próprias características, o setor mais explosivo dentro da classe trabalhadora.

As diferenças que a antropóloga aponta sobre a juventude dos dias atuais não são resultado de nenhuma inovação tecnológica, nem muito menos representam uma evolução política. A existência de dezenas de coletivos e grupos feministas e a adoção da horizontalidade são aspectos de uma política já ultrapassada e falida – uma política que, em último caso, apenas fortalece a direita.

O debate de que a juventude e os trabalhadores não devem se organizar em centrais únicas, sejam sindicais, sejam estudantis, e de que deveriam rejeitar organizações centralizadoras, ao contrário do que aponta Pinheiro-Machado, é muito antigo. Não fosse assim, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que é uma das maiores centrais sindicais do mundo e foi construída através da luta de milhões de trabalhadores, jamais teria existido. Tampouco teriam existido o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Bolchevique ou qualquer outra organização que se desenvolveu no movimento de massas.

As organizações não são uma repartição criada artificialmente por alguns engenheiros sociais que pretendem subjugar a população, mas são o resultado da própria luta política. E a existência de tantos coletivos e grupos feministas nas universidades demonstram isso: tais grupos emergiram justamente onde as organizações da juventude não se mostraram capazes de acompanhar as demandas do movimento estudantil.

A ineficiência dos Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs) que viram coletivos feministas brotarem ao seu redor não se dá, ao que aponta a antropóloga, porque são excessivamente centralizadores, mas justamente pelo contrário. O motivo pelo qual os trabalhadores e os estudantes lutam para criar suas centrais é para que ela sejam capazes de organizar suas bases em torno de reivindicações que as unifique. Como a maioria dos DCEs, no último período, se eximiu de lutar contra o golpe, direcionando seus esforços para interesses mesquinhos, geralmente capitaneados pela UJS/PCdoB, nada mais natural que causasse uma dispersão em seu entorno. Mas isso não mostra uma centralização: muito pelo contrário, é uma dispersão motivada por uma política completamente equivocada.

As organizações do movimento estudantil e do movimento popular, por fim, são fundamentais porque são a única forma de fazer com que a revolta contra a direita atinja o seu potencial máximo. Afinal, se há tantas divergências a ponto de haver 10 grupos feministas, como o movimento estudantil poderia ter sucesso na luta contra a direita? Se não há divergências e a juventude está pronta para lutar, por que então criar tantos grupos periféricos ao DCE?

Partidos e caminhão de som

A mesma discussão feita em relação ao DCE, vale também para os partidos. Se os trabalhadores e a juventude, por exemplo, querem derrubar o governo Bolsonaro, como irão fazê-lo sem um partido político? Se, eventualmente, um levante explosivo derrubá-lo, o problema ainda se mantém: a população deve permitir que a burguesia indique seu próximo capacho a governar o país ou o partido que tem prestígio junto às massas irá tomar o poder?

A luta sem partidos implica na desistência de um programa claro e de uma direção definida para o movimento. Implica, portanto, em um projeto inviável, uma vez que a burguesia, ao contrário do que prega Rosana Pinheiro-Machado para a esquerda, tem seus interesses definidos e, portanto, é capaz de se cartelizar para manter seus privilégios.

Continuando suas impressões sobre a situação política, a antropóloga declara também que a juventude seria contra bandeiras e, até mesmo, contra caminhões de som:

Esse é o grande conflito. Você tem a CUT, mas muitas vezes essa nova geração não quer ir a um protesto com a bandeira da CUT ou mesmo do PT. E há uma esquerda que não consegue ver os frutos e sementes de Marielle Franco. É uma esquerda institucionalizada, que sofreu um golpe, é verdade, mas que não consegue abarcar essas novas lideranças e novos movimentos. Vai para a rua com caminhão de som, mas estamos falando de uma geração totalmente contrária ao caminhão de som.

Essa declaração de Pinheiro-Machado mostra como sua análise está influenciada pela propaganda da imprensa burguesa. Não é verdade que uma bandeira da CUT ou do PT seja rejeitada pelos trabalhadores. Quando essas bandeiras não aparecem nas manifestações, é porque as próprias direções não as levam! Mas não há nenhuma evidência que esse fenômeno – isto é, de que erguer uma bandeira da esquerda leve a vaias – seja real. Prova disso é que as maiores mobilizações contra o golpe tiveram várias bandeiras da CUT e que o maior líder popular do país, que seria eleito em 2018, mesmo estando preso, é um petista.

A proposta de excluir os caminhões de som das manifestações, por sua vez, é uma demonstração de que os novos métodos propostos por Rosana Pinheiro-Machado atingem o patamar de puro misticismo. Seria minimamente razoável pensar que a juventude os trabalhadores não querem lutar contra uma ofensiva que quer tirar sua aposentadoria, seu salário, o patrimônio do país, seu direito de expressão e todos os demais direitos democráticos simplesmente porque as manifestações da esquerda têm caminhões de som? E, invertendo a pergunta, por que um megafone, ao invés de um caminhão de som, convenceria mais um jovem a se enfileirar na luta contra um inimigo poderoso?

Renovar ou capitular?

Ao defender que a esquerda tenha novas figuras, Pinheiro-Machado acaba afirmando que o golpe de 2016 teve sucesso porque a esquerda foi incapaz de negociar seus métodos:

Há uma carência de novas figuras. É preciso ampliar, renovar mesmo. E há uma insegurança da esquerda com essa geração que ocupa as ruas. Não raro a esquerda culpa junho de 2013 por tudo que aconteceu, já que não controla essas pessoas, não é algo centralizado. É muito mais fácil acusar de golpista e não fazer mais nada do que trabalhar politicamente. Precisa negociar, disputar essas multidões, e não culpá-las. A esquerda até quer a multidão, desde que seja controlada por bandeiras. Se não for, ela se torna um risco. Isso é o oposto de um processo de politização e da camaradagem, o que significa trabalhar dentro de uma lógica universal, de amor.

Conforme já discutido nas outras sessões, os novos métodos – que já apareceram em todo o século XX – não são um caminho apontado pela juventude, mas sim o resultado de uma pressão da burguesia para que a esquerda não exerça o seu papel adequadamente. Se, por exemplo, os DCEs estivessem sendo utilizados para lutar contra a direita, certamente que a aparição de grupos com novos métodos seria inexpressiva. Por isso, o problema não se resume em encontrar novas figuras, mas sim em as direções adotarem uma política combativa, que tenha a mobilização das massas contra o regime como eixo.

Ao afirmar que a esquerda precisaria negociar, a antropóloga explicita qual a sua política para a esquerda: o papel das direções da esquerda não seria o de convencer os trabalhadores a engrossar suas fileiras para lutar contra a direita, mas simplesmente abrir mão de seus princípios para atender supostos interesses da nova geração. Além de ser absurdo que a esquerda abra mão de seus princípios, é preciso também levar em conta que o que Pinheiro-Machado entende como nova geração é justamente aquilo que a burguesia quer que a esquerda pense sobre a juventude.

 

MBL é a extrema-direita por excelência

Ao tentar advogar o misticismo da chamada nova geração, a antropóloga chega ao absurdo de considerar o surgimento de grupos de extrema-direita como positivo:

Mas, ao mesmo tempo, vemos o MBL [Movimento Brasil Livre], que cresceu absurdamente com um discurso juvenil, com uma estética jovem, subversiva… Essa crise institucional partidária ficou escancarada em 2013. Já não havia engajamento partidário há muito tempo. A crise é profunda, há uma indignação e uma vontade por politização e processo democrático imensas. Tenho diferenças ideológicas com correntes como o Renova ou MBL, mas acho extremamente positivo que esses diferentes grupos transversais se apropriem da política.

Aqui, certamente que a tese de Pinheiro-Machado atinge o seu grau máximo de confusão. O MBL é um grupo tipicamente fascista, cujos objetivos estão explícitos desde sua origem. Financiado pelo imperialismo norte-americano, o MBL já protagonizou várias tentativas de intimidação a alunos em escolas e a trabalhadores em atos, já foi responsável pela censura de uma exposição em um museu e promove toda uma política de terrorismo contra a esquerda.

Para se projetar no cenário nacional, o MBL lançou mão do velho discurso da crítica da velha política, procurando se mostrar como uma organização desvinculada da política tradicional. Pura mentira. Hoje, seus membros estão em partidos como o Democratas – partido da ditadura militar de 1964-1985 – e são servos dos interesses da burguesia internacional.

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