Quando se observa o desenrolar da crise capitalista, a falência de empresas e o fechamento de negócios não atingem os mais ricos. Em geral, suas perdas em um setor são compensadas em outros setores da economia. Quem paga o preço das crises são os mais pobres e as empresas mais fracas. Isso se vê com os dados que a ONG Oxfam divulgou no Fórum Econômico Mundial, em Davos, nesta segunda-feira (25/01) no relatório “O vírus da desigualdade”, dando continuidade a uma prática de 25 anos de denúncia da concentração de renda. O vírus da desigualdade é o responsável pela maioria dos 2.129.403 mortos pela Covid-19 até hoje.
Como examinou a Oxfam:
“em todos os países, os mais pobres sofreram os maiores impactos, perdendo emprego e renda, enquanto os mais ricos conseguiram se recuperar em tempo recorde. A pandemia de covid-19 expôs, alimentou e aumentou as desigualdades econômicas, de raça e gênero por toda a parte. Nosso injusto sistema econômico está permitindo que os super-ricos acumulem imensas fortunas enquanto dificulta a vida de bilhões de pessoas. Do jeito que tem funcionado, a economia global está dificultando a sua vida, se você for pobre, mulher ou de grupos étnicos e raciais, como negros, indígenas e quilombolas”.

fonte: Oxfam
A desigualdade no capitalismo é marcada em todos os campos da atividade humana, mas é mais facilmente expressa em magnitudes econômicas, no poder de compra de mercadorias. Dessa forma, verificamos que “a crise do coronavírus atingiu um mundo que já era extremamente desigual. Um mundo em que um pequeno grupo de mais de 2 mil bilionários possui mais dinheiro do que poderia gastar em mil vidas. Um mundo em que quase metade da humanidade foi forçada a sobreviver com menos de US$5,50 por dia. Um mundo em que, por 40 anos, o 1% mais rico ganhou mais do que o dobro da renda da metade mais pobre da população global. Um mundo em que o 1% mais rico consumiu duas vezes mais carbono que os 50% mais pobres no último quarto de século, levando à destruição do clima. Um mundo em que o fosso crescente entre ricos e pobres aumentou e exacerbou as históricas desigualdades de gênero17 e raça.”
Desde o final do século XX, uma situação que marcava fortemente o capitalismo era o aumento da desigualdade. A concentração da riqueza, os ricos ficaram mais ricos e os pobres ainda mais pobres. A crise de 2008 se deu nesse contexto, mas os ricos demoraram cinco anos para recuperarem suas fortunas e aumentá-las.
Quando a pandemia teve início, essa desigualdade já se manifestava. A pandemia, no máximo, fez com que alguns que ainda não conseguiam ver o contraste entre a opulência e a miséria agora a viam em todos os lugares. Há muitos que ainda não acreditam nela ou a percebem, especialmente os indivíduos das classes médias. “Essa extrema desigualdade significa que bilhões de pessoas já viviam no limite quando a pandemia começou. Eles não tinham nenhum recurso ou apoio para enfrentar a tempestade econômica e social criada desde então. Mais de 3 bilhões de pessoas não tinham acesso à saúde, três quartos dos trabalhadores não tinham acesso à proteção social como seguro-desemprego ou auxílio-doença e, em países de renda baixa e média-baixa, mais da metade dos trabalhadores vivia de trabalhos precários”.
Entre março e dezembro os 10 bilionários mais ricos aumentaram sua riqueza em US$ 540 bilhões, o que corresponde a 2,7 trilhões de Reais
Nos primeiros meses da pandemia, um recuo nos mercados de ações fizeram com que rentistas e acionistas perdessem muito dinheiro. O dinheiro fictício que nutre suas fortunas e as transformam em dinheiro real ancorado em negociações financeiras descoladas da produção, mas que controlam empresas e se realizam por meio da exploração do trabalho no mundo todo. Contudo, como verificou a Oxfam, esse episódio foi passageiro. “Em nove meses, os 1000 bilionários mais ricos do mundo, homens brancos em sua maioria, recuperaram toda a riqueza que haviam perdido. Com o apoio sem precedentes dos governos para suas economias, o mercado de ações está em alta, aumentando a riqueza dos bilionários, mesmo enquanto a economia real enfrenta a mais profunda recessão em um século. Para efeitos de comparação, após a crise financeira de 2008, foram necessários cinco anos para que a riqueza dos bilionários retornasse aos níveis anteriores àquela crise. Em todo o mundo, a riqueza dos bilionários aumentou em impressionantes US$3,9 trilhões entre 18 de março e 31 de dezembro de 2020. Sua riqueza total agora é de US$ 11,95 trilhões, o que é equivalente ao que os governos do G20 gastaram em resposta à pandemia. Os dez bilionários mais ricos do mundo viram sua riqueza aumentar coletivamente em US$540 bilhões durante este período.”
Consultando 295 economistas em 79 países, a Oxfam viu que 87% deles concordam que a desigualdade aumentará e aumentará muito. Dois terços deles avaliam que seus governos não têm um plano para combater a desigualdade.
Para se ter uma ideia da dimensão dessa desigualdade, a Oxfam fez um exercício com um dos homens mais ricos do mundo. Se em setembro de 2020 Jeff Bezos, o presidente da Amazon, desse de presente uma gratificação de US$ 105 mil para cada um dos seus 876 mil empregados, ele continuaria tão rico quando no início da pandemia. Isto é, do início da pandemia até setembro ele ganhou, colocou no seu bolso, 105 mil dólares por cada um dos 876 mil empregados de sua empresa, ou seja, ele ganhou US$ 92 bilhões durante a primeira parte da pandemia.
Com metade do lucro só dos 10 mais ricos em 9 meses de pandemia, todas as pessoas as pessoas do mundo poderiam ser vacinadas considerando a estimativa de US$ 40 por vacina feito pelo governo dos EUA quando negociou com a Pfizer. (G1, 27/7/20)
A desigualdade crescente no capitalismo faz que também aumente a diferença de remuneração entre trabalhadores e os capatazes (diretores e gerentes) das empresas. No Reino Unido, por exemplo, uma enfermeira ganha em média 22 mil libras por ano, enquanto o administrador de um fundo de investimentos recebe 31 milhões de libras. Uma diferença de 1.400 vezes entre o salário de um e o de outro.
Organizações como a Oxfam realizam um importante trabalho de investigação e exposição das contradições do capitalismo, da exploração dos trabalhadores e da manutenção da miséria e da fome, mas quando são chamadas a falar ou se responsabilizam em tratar das soluções, acabam tapando os olhos com uma venda onde a luz não penetra e caem na ilusão de que o capitalismo pode ser reformado e, pior, divulgam a ilusão de que algumas leis de aumento de tributação dos mais ricos resolverá todos os problemas.
O que a esquerda pequeno burguesa não consegue entender é que a concentração de renda, a financeirização da economia, a exploração crescente do trabalho e a busca incessante por aumento do lucro, são partes essenciais do capitalismo. São suas características. Enquanto os trabalhadores não forem os donos dos meios de produção, enquanto a burguesia estiver no poder econômico (e por consequência, no político, no social, no cultural etc.) não haverá como ter uma sociedade mais humana e menos desigual. Difundir a ideia de que o capitalismo pode ser reformado, faz parte do jogo de dominação da burguesia. E as ONGs e a esquerda pequeno burguesa acabam cumprindo o mesmo papel que os padres catequistas exerceram na dominação dos povos indígenas e dos ocupantes das terras conquistadas pelos europeus nos séculos XVI a XIX. A religião dos colonizadores que massacraram milhões de membros dos povos originários é agora a singela descrição de um capitalismo que se reforma e que atende a todos os famintos.