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Dialética do mundo

O papel da religião na luta dos oprimidos contra o imperialismo

Assim como o Talibã, diversos outros grupos utilizaram a religião como ponto de união contra a opressão.

A acachapante vitória do Talibã sobre o imperialismo norte-americano e europeu no Afeganistão virou motivo de grande polêmica no círculo da esquerda.

Seguindo a tradição da burguesia e da pequena burguesia ocidental em tratar os povos islâmicos, os negros africanos, os indianos e os asiáticos como culturas inferiores, a esquerda trabalha arduamente para colocar o triunfo do Talibã como uma derrota, acima de tudo, cultural.

O principal argumento de setores da esquerda sobre a situação afegã diz respeito à emancipação da mulher. De fato, o Talibã não representa a emancipação da mulher de um ponto de vista imediato e “individual”, mesmo porque um raciocínio como esse é totalmente sem sentido, é querer enquadrar um país com uma cultura totalmente diferente dos padrões ocidentais.

A quase totalidade da população (90%) do Afeganistão, sob controle dos Estados Unidos, vive com menos de dois dólares por dia. Traduzindo para valores aproximados é como se a população de um país inteiro vivesse com menos que a esmola dada pelo governo ilegítimo de Jair Bolsonaro. Em um cenário de miséria extrema, é um completo esculacho dizer que qualquer afegão consegue exercer direito a alguma coisa.

Os únicos com algum “direito” no Afeganistão eram os estrangeiros e os nativos que trabalhavam para os invasores norte americanos. Não é de se admirar que homens e mulheres afegãos pobres tenham completa aversão a tudo que foi “tocado” pelos Estados Unidos e pelo imperialismo.

Sobre o Talibã especificamente, o principal ponto salientado pela propaganda oficial do imperialismo é o uso de leis islâmicas como base para sua política. Porém, os “bem letrados” da esquerda pequeno burguesa esquecem que a religião ainda é predominante no mundo todo. As próprias nações ocidentais ainda vivem sob o jugo das organizações religiosas, bastando apenas observar as legislações sobre aborto e matrimônio. A própria instituição da família, além das bases econômicas, está lastreada em argumentos religiosos.

Seria um total contrassenso esperar que uma das regiões mais pobres e atrasadas do mundo, tal qual o Afeganistão, como por magia, fosse uma fonte inesgotável de laicismo quando nem mesmo as nações mais desenvolvidas conseguem fazê-lo.

A história do mundo mostra que a religião, por mais que reflita o atraso da humanidade, pode assumir papel relevante na luta dos oprimidos e espoliados na luta contra o imperialismo, especialmente em regiões onde os movimentos revolucionários da classe operária ainda inexistem. Diversos são os exemplos na história, inclusive no Brasil.

A Rebelião de Taiping

Na China, em meados do século XIX, um dos grandes fatos foi a Rebelião de Taiping. Liderados por Hong Xiuquan, entre 1 e 3 milhões de pessoas das classes mais baixas e especialmente da etnia Hacá, se revoltaram contra o imperador Xianfeng, da dinastia Qing e de etnia manchu.

Hong Xiuquan era uma figura extremamente pitoresca. Após ter sido reprovado quatro vezes em um exame de admissão na burocracia do Império Chinês, Hong, um cristão recém convertido, iniciou um movimento religioso no sul da China chamado Sociedade de Adoração de Deus.

O discurso fortemente anti-imperial de Hong, lastreado por um argumento fortemente religioso atraiu um gigantesco número de seguidores, especialmente os pertencentes às classes mais oprimidas. Em 1850, Hong possuía entre 10 e 30 mil seguidores e, no ano seguinte, deu início ao Levante de Jintian, marcando o início da Rebelião Taiping.

Nesta revolta armada, Hong tomou o poder da cidade de Jintian, decapitou o líder manchu das tropas imperiais e instituiu o Império Celestial da Paz Transcendental. Após a tomada de Nanquim, esta tornou-se a capital do “novo império”.

Ao solidificar minimamente o Império Celestial, Hong promoveu uma série de reformas administrativas e burocráticas. Inicialmente, elaborou uma burocracia civil, substituindo a burocracia imperial chinesa. Também foi proibido o uso do ópio e os constantes abusos da nobreza contra os mais pobres. Porém, a polêmica se dá, aqui, pelo uso extensivo e ostensivo de regras morais pautadas nas leis judaico-cristãs.

A Rebelião dos Taiping foi massacrada pela dinastia Quing com auxílio do Império Britânico e de mercenários dos Estados Unidos. Mostrando que, por mais que os oprimidos se mostrem violentos, nada se compara com os massacres promovidos pelos imperialistas.

A Revolta dos Muckers

No Brasil, também houve várias revoltas dos oprimidos que surgiram baseadas na moral religiosa. Dentre elas, se destacam a Revolta dos Muckers (por volta de 1870, no Rio Grande do Sul), a Revolta dos Malês (1835, na Bahia) e a Guerra de Canudos (1896-1897, também na Bahia).

Os Muckers eram uma comunidade germânica isolada em Sapiranga, no interior do Rio Grande do Sul. Liderados por Jacobina Mentz Maurer e seu marido João Jorge Maurer, foram perseguidos pelo clero e latifundiários locais.

Jacobina e João Maurer eram extremamente religiosos. João largou a agricultura e tornou-se curandeiro, utilizando largamente ervas e outras medicinas naturais. Já Jacobina, filha de imigrantes fugidos da Alemanha devido à perseguição religiosa, colocou-se contra o poder estabelecido na região.

Ambos formaram uma seita e, tendo um grande número de adeptos, incentivaram seus seguidores a não frequentar as escolas e igrejas locais, pois nelas não se ensinava o evangelho “corretamente”. O clero e os demais opositores dos Muckers propagandearam Jacobina como bruxa, além de alegar que ela autoproclamava-se como “reincarnação de Jesus Cristo”. Algo muito semelhante ao que se dizia de Hong Xiuquan pelos padres cristãos na China.

A tensão entre os Muckers e as igrejas locais e os latifundiários ocasionou um conflito armado de grandes proporções. Após derrotar as tropas locais, os Muckers foram exterminados pelo exército imperial.

A Revolta dos Malês

Outra revolta dos oprimidos com forte caráter religioso foi a Revolta dos Malês. Em 1830, negros, em sua maioria escravos muçulmanos, planejaram um grande levante em Salvador.

Na época, Salvador possuía apenas 65 mil habitantes, sendo quase metade deles escravos.

A palavra malê vem de imalê, que signifca “muçulmano” em Iorubá. Portanto, não seria absurdo chamar a Revolta dos Malês de Revolta dos Muçulmanos.

As causas do levante dos escravos muçulmanos se deu majoritariamente devido às péssimas condições de vida ao qual eram submetidos os escravos.

Seis centenas de escravos muçulmanos das etnias nagô e haussá decidiram batalhar vestindo abadás brancos (vestimentas muçulmanas que não devem ser confundidas com as utilizadas nos blocos de carnaval) e amuletos com passagens do Alcorão.

A repressão aos revoltosos foi extrema a tal ponto que muitos negros converteram-se ao catolicismo e negavam conhecer a língua árabe para fugirem de punições mais violentas. Pior que isso, criou-se uma propaganda em larga escala contra os escravos africanos e a religião islâmica no país. Perseguição semelhante ao que até hoje é feito com as religiões de matriz africana na Bahia.

O resultado do fracasso da Revolta dos Malês para a negação da cultura africana e a perseguição a estas pessoas.

Os malês, mais do que tudo, tinham como objetivo derrubar a estrutura de poder constituída e a melhora das condições de vida dos povos escravizados. Obviamente, a propaganda oficial dos brancos atinha-se apenas a colocar os revoltosos como assassinos e que queriam fundar um estado segundo as leis do islã. Não muito distante do que ouve-se na imprensa burguesa contemporânea.

Guerra de Canudos

Por último, mas não menos importante, tem-se um dos episódios mais sangrentos da história do Brasil, a Guerra de Canudos.

Liderados por Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido posteriormente por Antônio Conselheiro, mais de 12 mil pessoas advindas das classes mais oprimidas do sertão nordestino fundaram uma comunidade de natureza profundamente religiosa.

Cabe lembrar que o sertão da Bahia, onde deu-se a formação do Arraial de Canudos, sempre foi uma região dominada por grandes latifundiários, imensas faixas de terras improdutivas e uma pobreza ainda maior.

Ideologicamente, Antônio Conselheiro, assim como Jacobina Maurer e os Muckers, entendia que a religião oficial não seguia o evangelho corretamente. Segundo Conselheiro, a própria República, que trazia “inovações progressistas” como a celebração do casamento civil e a separação entre Estado e Igreja, era o prenúncio do “fim do mundo”.

Todavia, o argumento religioso era apenas uma parte da revolta. A real razão para a formação do Arraial de Canudos eram as cobranças violentas de impostos e a paupérrimas condições de vida dos sertanejos. A religião serviu, assim como na Rebelião dos Taiping, na Revolta dos Muckers e na Revolta dos Malês, apenas como uma forma de entendimento comum entre a diversidade de oprimidos.

Os latifundiários e burocratas da recém estabelecida República promoveram guerra aos moradores de Arraial de Canudos. Dentre estes latifundiários, um dos que se destacou, no seu ódio aos oprimidos, foi Cícero Dantas, o barão de Jeremoabo, da mesma família do banqueiro Daniel Dantas.

O Arraial de Canudos fora fundado em terras de Cícero Dantas e, por isso, o barão e influente político, trabalhou incansavelmente por sua destruição. Mulheres, crianças e idosos foram assassinados impiedosamente pelas tropas federais, marcando um dos mais vergonhosos episódios do Brasil.

Quem visita Salvador hoje, pode ver, na lateral do Forte de São Pedro, no bairro do Campo Grande, um monumento “aos heróis de Canudos”. Porém, os ditos “heróis” aí são os militares que exterminaram a brava população de Canudos.

A religião e o atraso econômico

Apesar de suas diferenças, as rebeliões dos Taiping, dos Muckers, dos Malês e de Canudos possuem imensas semelhanças. Não apenas no fundamento religioso de seus ideologias, mas por representarem parcelas das classes oprimidas sobretudo da zona rural.

Tanto China e Brasil do século XIX quanto o Afeganistão atual são lugares extremamente atrasados e com a maior parte de suas populações vivendo na zona rural, em comunidades isoladas e beirando a miséria.

Fica a olho nu que o uso da religião nestas regiões atrasadas, onde a população é miserável e pouco alfabetizada, é fator de coesão entre os oprimidos e suas lideranças. Deve-se lembrar que a religião é, antes de tudo, uma das partes constituintes da cultura humana.

A esquerda pequeno-burguesa, com dificuldade de compreender os problemas políticos de manera dialética, não compreende as contradições que existem nas diferentes luta contra o imperialismo. Basta ir a algum protesto de organizações do campo, como CPT, MST, MPA e Fundo e Fecho de Pasto para observar a presença da religião na própria ideologia desta parcela da população. Para eles, o direito à terra é um direito divino, já que, se Deus criou a terra, esta é direito de todos.

Obviamente, o aspecto religioso deste movimentos, ao mesmo tempo que é sua força, em certas conjunturas, também pode ser fator de atraso. Entretanto, o caráter reacionário das religiões é mais fácil combatido internamente quando são melhores as condições materiais dos oprimidos e o desenvolvimento de suas organizações de luta.

No caso dos Taiping, o próprio Partido Comunista Chinês oficialmente reconhece que eles foram um passo anterior à própria Revolução Chinesa. Também é bastante comum grupos de negros e da esquerda em geral falarem sobre os Malês e Antônio Conselheiro como figuras revolucionárias.

É necessário entender que, por mais imperfeições que estes movimentos tenham, eles são movimentos de luta dos oprimidos. Toda e qualquer luta gera imediatamente experiência para toda a população e suas futuras gerações.

Dada a condição de pobreza do Afeganistão e sua situação de opressão pelas mãos do parasitário imperialismo, não é absurdo ter o Talibã um conteúdo ligado fortemente à moral religiosa. Todavia, como visto aqui, do ponto de vista revolucionário, sua vitória sobre o imperialismo pode ser encarada, sim, como um passo a frente na luta dos oprimidos contra os opressores. Não enxergar isto é entrar em contradição não apenas com a Revolução Chinesa, mas com movimentos populares como a Revolta dos Malês, a Guerra de Canudos e tantos outros que ocorreram e ainda ocorrem mundo a fora.

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