Um estudo solicitado em 2019 pelo governo francês sobre a ligação do país com o genocídio ocorrido em Ruanda em 1994 confirmou que o governo de François Mitterrand, presidente da França na época, teve participação no massacre da população tutsi.
Na época, o governo ruandês de Juvenal Habyarimana, assassinado com a derrubada de seu avião, era aliado da França. O estudo confirma que várias organizações, instituições e até mesmo o serviço secreto francês avisaram o presidente Mitterrand de que havia a possibilidade de um genocídio através do estado de Ruanda, que utilizava grupos paramilitares para a perseguição da minoria étnica tutsi. O presidente da França, no entanto, não deu ouvidos aos avisos, segundo o documento.
O estudo liderado por Vicent Duclert confirma, no entanto, somente que a França fez vista grossa para o que acontecia no país africano, sem confirmar a participação ativa do país no genocídio.
Porém, não há como negar que o presidente francês sabia do que ocorria em Ruanda, já que o assunto foi amplamente divulgado em todo o planeta. Para além disso, o governo de Ruanda não só tinha o suporte da França, como também era praticamente um vassalo dos países imperialistas.
A Ruanda vivia um período de intensa polarização política e a derrubada do governo fantoche do imperialismo era vista no horizonte pela população local. Sendo assim, o imperialismo, para manter o controle do regime político, incentivou o genocídio com métodos fascistas, como a formação de milícias paramilitares para a perseguição de dissidentes políticos e de minorias étnicas consideradas um problema para a estabilização do regime.
Com a derrubada do avião em que se encontrava Juvenal Habyarimana e o presidente do Burundi, Cyprien Ntaryamira, ambos hutus, o estado ruandês iniciou a propaganda pela dizimação dos tutsis, os culpando pela queda do avião. Foram utilizados grupos paramilitares na ocasião, armados com rifles e ferramentas agrárias, como foices, facões e outros, para matar os tutsis.
As milícias agiam nas cidades e aldeias, entravam em igrejas, escolas e outros prédios à procura de tutsis, que estavam desarmados em sua maioria, e os matavam, torturavam, estupravam e cometiam outros crimes. Cerca de 70% da minoria étnica foi morta no período de 100 dias.
Há indícios, inclusive, de que o genocídio vinha sendo preparado há mais de um ano em conjunto pelos países imperialistas e o governo de Habyarimana. Com a derrubada de seu avião, o imperialismo encontrou o pretexto ideal para o início do massacre que matou cerca de 1 milhão de pessoas, além da realização de outros crimes, como uma onda de estupros que atingiu cerca de 500 mil mulheres.
É de conhecimento geral, inclusive, que as organizações imperialistas, incluindo a própria ONU, se negaram a ajudar a população tutsi, não só impedindo o genocídio através da força (a ONU pode intervir em conflitos quando julga que há um genocídio em curso), como impedindo o transporte de tutsis para locais seguros, como é mostrado no filme Shoting Dogs, ou Tiros em Ruanda, de Michael Caton-Jones.
O documento divulgado recentemente não só exime a França de uma participação ativa, tentando dizer que houve somente uma abstenção, como também exime todos os demais países imperialistas e a própria ONU no caso.
Nem mesmo a Bélgica (Ruanda era colônia da Bélgica até 1962) e os EUA, que tiveram participação mais ativa e negaram o genocídio na época, são acusados de terem participado da ação que levou ao massacre.
Sendo assim, o documento serve muito mais para tentar limpar a imagem do imperialismo, apontando “erros” pontuais da França e tentando dizer que agora, 27 anos depois, o país seria uma democracia comprometida com a paz mundial, que revira seus erros históricos para não os cometer mais (enquanto apoia o genocídio contra a Síria no mesmo exato momento) e outros argumentos supostamente humanitários.
O caso de Ruanda é uma pedra no sapato do imperialismo, que agora tenta se livrar do fardo de o ter cometido, pois ele prova que todas as instituições criadas pela burguesia internacional para supostamente fazer o mundo progredir e levar a paz a todos os cantos, age exatamente no sentido contrário, como podemos observar com a nulidade de ações da Organização Mundial da Saúde (OMS) diante da pandemia do coronavírus.
No entanto, a demagogia feita com o caso de Ruanda não é de agora. Logo após o fim do genocídio, o imperialismo criou o Tribunal Penal Internacional, também conhecido como Tribunal de Haia, para poder condenar internacionalmente inimigos do imperialismo e aliados que já não têm mais serventia e que, ao contrário, mostram a face horrorosa do regime de terror mundial imposto pela burguesia imperialista.
É assim que crimes de guerra, invasões, genocídios e outros promovidos pelo imperialismo não são julgados, como os que acontecem no Afeganistão, no Iraque, na Síria e o que ocorreu na Líbia. A França, a Bélgica, os EUA, os demais países imperialistas e a própria ONU não serão julgados por esse tribunal.
Ao contrário do que tenta fazer a França agora, com um pedido de desculpas pela metade, é necessário frisar que a única forma de realmente fazer justiça pelos crimes cometidos em Ruanda, assim como impedir que eles continuem acontecendo, é acabando com o imperialismo e seu regime de terror. Para isso, é necessário não alimentar ilusões em documentos promovidos pelos próprios assassinos, como é o caso dos divulgados no estudo em questão.
Se quiser entender melhor o que foi o genocídio em Ruanda, quais são suas causas e como o imperialismo agiu, leia o artigo do DCO publicado em 2019, na ocasião dos 25 anos do acontecimento.
https://www.causaoperaria.org.br/25-anos-do-massacre-em-ruanda-como-a-luta-entre-dois-paises-europeus-levou-a-morte-de-milhares-de-africanos/