Na última quinta-feira (25), a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou um projeto do Partido Democrata que propunha uma reforma na atuação da polícia americana. O projeto, extremamente limitado, proíbe técnicas de enforcamento e invasões de residências sem autorização judicial e prevê a criação de uma base de dados nacionais sobre abusos policiais. Como pode se ver, trata-se de um projeto, conforme analisaremos neste artigo, que é incapaz de mudar de maneira significativa a atuação da polícia americana.
Mesmo sendo um projeto extremamente limitado, há grandes chances de que a votação na Câmara dos Representantes não adquira uma validade real. O projeto apenas obteve maioria porque o Partido Democrata controla a instituição. No Senado, de maioria republicana, a tendência é que o partido do presidente Donald Trump consiga derrotar a proposta dos democratas. Com efeito, o partido Democrata já havia bloqueado uma proposta de reforma policial feita pelo Partido Republicano na última semana.
O projeto que já nasce com poucas possibilidades de prosperar se revela um aborto de uma mobilização gigantesca que tomou conta dos Estados Unidos nos meses de maio e junho. Milhares de americanos saíram às ruas de maneira decidida para protestar contra a morte de George Floyd, brutalmente morto pela polícia, em uma cena que se tornou cotidiana de violência do aparato de repressão. Os protestos, em vários momentos, adquiriram uma radicalidade muito acentuada, contando com episódios de enfrentamento do povo contra a polícia e de incêndios a delegacias.
A revolta popular, que amedrontou o presidente Donald Trump, mesmo em tempos de pandemia, é uma revolta contra o regime político de conjunto, que já matou mais de 125 mil pessoas de coronavírus e que tem atirado milhões de pessoas ao desemprego. Ao mesmo tempo que se encontra completamente abandonado pelo Estado em suas necessidades mais básicas, o povo também decidiu se levantar contra o aparato de repressão do Estado, extremamente violento e que se volta inevitavelmente contra a população mais pobre. E é justamente por isso que o clamor de quem estava nas ruas era o de acabar com a polícia, dissolvê-la, e não fazer alguma reforma superficial nessa instituição intrinsecamente assassina.
Mas o caráter inevitavelmente fracassado do projeto de lei democrata não é um equívoco, um erro de avaliação do partido diante dos acontecimentos. Trata-se, na verdade, de um golpe contra todo o movimento, uma tentativa de sequestro da revolta popular cujo objetivo principal é enterrá-la. As alas que controlam o Partido Democrata nesse momento — é preciso lembrar que a ala mais esquerdista foi derrotada após a capitulação de Bernie Sanders — são profundamente direitistas, completamente integradas ao imperialismo. Não há qualquer interesse, portanto, dos dirigentes desse partido em impulsionar a mobilização do povo contra a polícia.
Se não há interesse em mobilizar o povo, não há também interesse em se chocar diretamente com os manifestantes, como tem feito o próprio presidente Donald Trump e alguns setores do Partido Republicano. Isso, por sua vez, parte de um cálculo puramente eleitoral dos democratas: ao longo de décadas, o partido tem conseguido uma quantidade expressiva de votos por meio da demagogia com os negros e outros setores oprimidos da sociedade capitalista. Foi assim, por exemplo, que o Partido Democrata conseguiu superar momentaneamente sua profunda crise elegendo Barack Obama em 2008. Prova da demagogia democrata é que o atual candidato, Joe Biden, já afirmou inúmeras vezes que quer ter como vice uma mulher negra.
Não há absolutamente coisa alguma a ganhar, do ponto de vista do negro, com uma vitória eleitoral ou parlamentar operada pelos democratas. O governo Obama foi o responsável por salvar os capitalistas em meio à crise de 2008 — uma política de espoliação do povo pobre e negro. A única saída para a situação em que os negros se encontram é intensificar a mobilização para colocar abaixo todo o regime político ditatorial da burguesia americana.
