Assim como aconteceu no Cruzeiro e no Botafogo, a Sociedade Anônima de Futebol (SAF) muito provavelmente será aprovada no Vasco da Gama. A empresa que deve comprar o cruzmaltino é a 777 Partners, que atua no setor de aviação, de seguros e negocia cotas de TV.
Isto é, a empresa que atua como intermediária em vendas de cotas de TV vai comprar um clube de futebol do qual uma das principais fontes de renda é a venda de cotas para emissoras de televisão. Trata-se, obviamente, de uma manobra dos capitalistas para sugar o tradicional clube carioca.
Sucatear para depois vender: a velha tática da burguesia agora aplicada ao futebol
É de conhecimento geral que a burguesia sucateia uma estatal para tentar justificar sua venda – dizendo que a gestão do Estado seria “ineficiente” – e, ainda, para vender por um preço menor do que o seu preço real. Um exemplo disso é a campanha que a direita tem levado adiante pela privatização dos Correios.
Com o Vasco, ocorre coisa parecida. Em 2021, o atual presidente Jorge Salgado assumiu à Presidência por meio de um golpe – depois de a justiça anular a eleição que havia sido ganha por seu opositor, Leven Siano, que é contra a SAF no Vasco. Em 2021, quando ainda era jogado o Campeonato Brasileiro de 2020, Jorge Salgado se recusou a contratar jogadores e rebaixou o time para a segunda divisão.
No Campeonato Brasileiro da Série B de 2021, com péssimas contratações, o clube carioca terminou no meio de tabela da competição e não subiu para a Série A. Agora, em 2022, Jorge Salgado diz que a única solução é vender o Vasco e tirar o poder de administração da torcida – que já é bem limitado por conta da interferência constante do judiciário – e deixá-la com “profissionais” (isto é, com os capitalistas).
Ou seja, ele próprio rebaixou o clube, o manteve na segunda divisão e agora diz que só a venda do Vasco poderia tirar o time do lugar que o próprio Salgado colocou!
A resistência do torcedor contra a SAF
Diferentemente do Cruzeiro e do Botafogo, no Vasco há uma resistência de parte da torcida ao clube-empresa, contando com, inclusive, manifestações contra a privatização do clube. Por exemplo, em 5 de março, os vascaínos fizeram uma manifestação em frente a São Januário – estádio do Vasco – contra o clube-empresa.
Confira fotos desta manifestação contra a SAF no Vasco da Gama, que foi puxada por torcedores que se opõem à privatização:
Além disso, torcedores do Vasco também distribuíram panfletos contra a SAF antes de um jogo a outras torcedores que estavam presentes.
Inclusive, os principais nomes da política vascaína que se opõem ao clube-empresa são ligados ao PT. Por exemplo, o Roberto Monteiro, ex-presidente do Conselho Deliberativo, que chamou os vascaínos a comparecerem na manifestação contra a privatização do clube, foi militante do PCdoB quando jovem e, hoje em dia, é militante do PT. Ao passo que o vice-presidente do Vasco, eleito na chapa com Jorge Salgado e defensor da SAF é Carlos Osório, um político do PSDB famoso no Rio de Janeiro por suas ligações com Sérgio Cabral.
No entanto, apesar da oposição de um grande setor da torcida – inclusive de torcidas organizadas do clube –, é muito provável que a SAF seja aprovada, visto que a imprensa burguesa está fazendo uma pesada campanha para tal.
A Globo é uma das maiores entusiastas da ideia de vender o Vasco. No SporTV, canal pago do Grupo Globo, todos os jornalistas esportivos defendem a ideia que seria uma espécie de “salvação do Vasco” – ou seja, como de costume, a Globo se utiliza de falsificações e de mentiras para manipular seu público em favor dos interesses da burguesia.
O “futebol moderno” é a tentativa de liquidação do futebol
Não é só o Vasco da Gama que sofre com a campanha da burguesia pela sua privatização. O Cruzeiro foi vendido ao ex-jogador Ronaldo por apenas R$ 50 milhões. Mas, antes de ser vendido, foi rebaixado para a Série B – mesmo sendo um dos favoritos ao título da Série A – em 2019, graças à campanha da Globo contra a “corrupção que ocorria no clube” (conforme explicamos aqui https://www.causaoperaria.org.br/rede/zona-do-agriao/cruzeiro-s-a-e-o-capitalista-no-comando-do-futebol/).
Para se ter uma ideia de como pouco é 50 milhões de reais para um clube de futebol, o Paulinho, jogador da base do Vasco, foi vendido para o Bayer Leverkusen por 20 milhões de euros (o que equivale a 105 milhões de reais em conversão direta) em 2018. Isto é, o dobro do valor de 90% das ações do Cruzeiro.
O Botafogo vendeu 90% de suas ações por 400 milhões de reais e o Vasco pretende vender 70% delas por 700 milhões de reais – isto de acordo com o que é propagandeado, pois o valor real pode ser ainda menor. Para se ter uma ideia, por comparação, o lucro do Flamengo somente em 2021 (com premiações, receitas de marketing e venda de jogadores) foi de R$ 1 bilhão.
Ao dar um valor verdadeiramente irrisório, os capitalistas passam a controlar todo o clube e a subordiná-lo a seus interesses econômicos. É uma manobra para roubar o clube do torcedor, atacar o futebol e, ainda, lucrar com isso.
A política marxista para o futebol
O futebol, como parte da cultura popular, mobiliza amplos setores da classe trabalhadora. E isso é uma ameaça à burguesia, pois a classe burguesa teme todo tipo de mobilização popular – inclusive as mobilizações que ela pode controlar e muito mais as mobilizações que ela não pode controlar.
E, no caso do futebol, não tem como controlar a mobilização de todos os milhões de torcedores. Essa é a razão, inclusive, pela qual a burguesia e sua imprensa se engajam numa campanha pela criminalização das torcidas organizadas, visto que ela não as pode controlar. Para essa campanha de criminalização, eles tentam inventar toda a sorte de argumentos morais e caluniosos – seriam “bandidos”, “assassinos”, etc.
O motivo real desta campanha, no entanto, é o seu interesse objetivo. Como as torcidas organizadas fogem do controle da burguesia – as manifestações que elas realizaram pelo Fora Bolsonaro furando o bloqueio do “fique em casa” em 2020 é um exemplo disso –, ela tenta criminalizar.
Ao contrário, os marxistas devem defender o direito de os trabalhadores se organizarem em torcidas e ir além: é preciso se opor ao clube-empresa e defender que os clubes de futebol sejam diretamente controlados e administrados pelos seus torcedores, pelos seus funcionários e pelas próprias torcidas organizadas.
Ao denunciar a privatização do futebol e do esporte como um verdadeiro assalto da burguesia a um patrimônio cultural, os marxistas devem, inevitavelmente, defender que este patrimônio cultural – no caso, o futebol e os clubes de futebol – fique sob o controle dos seus torcedores.
Portanto, o judiciário não deve intervir na política dos clubes, tampouco um capitalista deveria ter o direito de “comprar” o clube de futebol. Para combater isso, é preciso organizar e mobilizar os torcedores contra mais esse ataque à cultura nacional; mobilizá-los para que tanto o Vasco, quanto o Cruzeiro, o Botafogo e todos os outros times sejam administrados pelos seus torcedores e não pela Rede Globo ou por algum vampiro do mercado financeiro.