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Destruição do esporte

Proibir dribles e privatizar o futebol: o que quer a burguesia

Campanha contra o futebol brasileiro e o esporte em si vem escalando para níveis absurdos

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─ Por Luiz Aguiar, especial para o DCO ─

Há dois fenômenos recentes no futebol que parecem não ter conexão entre si, mas isso não é bem assim…

Criminalização dos dribles

Os jogadores de futebol, já há alguns anos, têm encontrado cada vez mais dificuldades para exibir suas virtudes em campo. Mais de uma vez, vários deles foram retaliados por apresentar jogadas artísticas, elásticas, dentro das quatro linhas: são as famosas canetas, chapéus, lambretas e o bom e velho drible etc. Na Europa, o drible já levou até, pasmem, à expulsão; mesmo Neymar, um dos melhores jogadores do mundo, já sentiu na pele tal censura a seu talento.

A burguesia mundial, especialmente a partir de sua imprensa, tem feito uma verdadeira campanha para tentar reapresentar essas jogadas do futebol como não mais expressão artística dos jogadores, mas… desrespeito. Pelo que aventam, as jogadas deveriam se ater pura e unicamente aos limites do necessário; como se os jogadores fossem robôs – e o esporte um mero mecanismo fabril, opaco e mecânico. É como limitar o fotógrafo a tirar apenas fotos 3×4… ou o pintor a pintar apenas à la Romero Britto: inadmissível.

O curioso (e perturbador), no entanto, é que a burguesia parece, pouco a pouco, estar logrando em seu objetivo. Afinal podemos ver que a reação dos próprios jogadores, quando percebem que sofreram um belo drible, por exemplo, tem se tornado cada vez mais descomunal, distante do que fora no passado recente. Ora, se antes o drible levado instigava o jogador – e a torcida – a se esforçar, se recuperar para dar o troco dentro do campo… agora é cada vez mais comum que os desportistas queiram contestar os dribles com agressão, apelo ao juiz e paralisação da partida – e a torcida não tem ficado atrás: se vê igualmente ofendida, abandonando a resposta na forma de incentivo ao seu time para que o mesmo reaja.

É a substituição da arte, alegria e ousadia pelo remorso, vitimismo e inveja; o que antes instigava e incitava a própria partida, possibilitando a elevação de qualidade do esporte, agora leva à retração do mesmo. A burguesia quer reinventar o futebol às avessas, transformá-lo num entediante jogo de golf. Em paralelo a tal aberração, temos outra – tão aberrante quanto:

Privatização do futebol

A mesma burguesia que quer destruir o futebol como arte, também quer destruir os clubes privatizando-os. Apesar de recente, a privatização (leia-se destruição) dos clubes já tem se alastrado pelo mundo, especialmente Europa – onde já constam numerosos exemplos desastrosos de tal feito. Recentemente, com a aprovação de uma lei, por Bolsonaro, que visa facilitar tal crime (viabilizando a criação das chamadas SAFs, empresas nas quais os clubes se tornam), o Brasil se prepara para cair de cabeça nesse lago de piranhas.

Ora, durante séculos os burgueses do futebol (os chamados “cartolas”) se apoderaram dos clubes nacionais e fizeram todo tipo de lambança que se pode imaginar. Verdadeiras oligarquias familiares mandavam e desmandavam nos times e não respondiam a ninguém oficialmente, tinham como pressão “apenas” as torcidas, que nem sempre conseguiam se impor face o brutal poder do dinheiro. Agora, depois de tanto tempo de destruição e roubalheira, depois de terem enchido os bolsos de dinheiro e levado boa parte dos clubes nacionais à bancarrota, eles nos trazem “a solução perfeita”: privatizar os clubes! É de um cinismo insuperável…

Já há um material considerável dedicado a denunciar os problemas técnicos do chamado “clube-empresa”, o que pouco ou nada se fala, no entanto – e é o que gostaria de enfatizar aqui –, é o problema estrutural, filosófico da coisa. Ora, trata-se que um clube não pode ser uma empresa: isso é uma contradição, uma impossibilidade em si mesmo. Sobre “clube”, o dicionário nos diz: “Sociedade de pessoas que se reúnem habitualmente em certo local, para recreação, jogos, atividades culturais, prática de esportes etc.”, e esse é mesmo o espírito dos clubes de futebol, foi com essa intenção e espírito que os clubes foram sendo fundados, um a um, ao passar do tempo – muitas das vezes por amigos operários. Uma empresa, no entanto, tem interesses totalmente opostos ao enunciado: uma empresa tem como único objetivo fornecer lucro ao seu dono.

Ou se tem um clube, ou se tem uma empresa; um anula o outro pela própria essência. O que ocorre, no entanto, é que os burgueses não têm o mínimo interesse em incentivar ou resguardar o gozo do povo. No capitalismo, nada pode servir livremente ao divertimento, prazer e felicidade daqueles que não são os próprios capitalistas. É preciso tudo perverter para que verta-se em lucro, lucro e mais lucro aos já ricaços. E ao passo que o capitalismo se afunila em crise, a degeneração corre solta… e os burgueses passam a estrangular mesmo os mínimos e mais inimagináveis campos sociais em busca de… lucro! 

Assim está sendo com o futebol; esse esporte existe a mais de século, e nunca se imaginou transformar os clubes, espontaneamente formados, em empresas; mas… dentro dum sistema falido, os burgueses se veem impelidos a isso: cobrir todo o possível e impossível com sua teia degenerada de busca incansável pelo lucro. Pois a ideia de perverter um clube (associação espontânea do povo em prol de seu próprio gozo) em uma empresa (mecanismo egoísta que visa o benefício de poucos em detrimento de muitos) não passa mesmo disso: degeneração de um sistema em plena decomposição.

Vejamos um exemplo prático disso. Ficamos sabendo recentemente que o Cruzeiro se tornaria um clube-empresa – na prática, se tornaria uma empresa. Por mais que o Bragantino-SP também já tenha se tornado, há alguns anos, uma empresa (Red Bull Bragantino), o Cruzeiro é o primeiro grande clube brasileiro a ser impelido nesse caminho. A estratégia para chegar nesse ponto é parecida com a que segue a burguesia em relação ao estado: sucateiam todo o patrimônio para depois alardearem a urgente necessidade de privatização. Com o Cruzeiro foi assim. O clube foi roubado e mal comandado por esses caciques do futebol brasileiro e terminou amargando na segunda divisão do brasileirão, totalmente atolada numa crise financeira e institucional.

A mesma burguesia que afundou o Cruzeiro não perdeu tempo em oferecer o cavalo de Tróia para o clube: a privatização. Ronaldo Nazário (o “Fenômeno”, que há muito já finalizou sua bela carreira futebolista e se converteu num empresário orgulhosamente direitista – PSDBista e apoiador do golpe de estado de 2016) fez uma proposta mixuruca (400 milhões) para adquirir 90% do clube mineiro e, com a rápida movimentação dos burocratas internos do clube… conseguiu. De uma hora pra outra, sem sequer um debate sério entre a torcida, nos informa a mídia burguesa que o Cruzeiro, um clube secular, agora era uma empresa e tinha um dono.

Pois bem, bastaram poucas semanas para que fosse jogado em nossas caras, da forma mais violenta e repugnante possível, a intrínseca contradição entre um clube e uma empresa. Essa primeira contradição (de certamente muitas que virão) demonstrou-se com o lamentável caso do goleiro Fábio, jogador e ídolo do Cruzeiro, clube que defende ininterruptamente há quase 20 anos e no qual estava prestes a completar 1000 jogos. Logo após comprar o clube, Ronaldo Nazário e sua equipe começaram a aplicar vários cortes e mudanças de planejamento, visando, claro, os interesses do dono da “empresa”; o que ninguém previa é que a demissão indiscriminada de Fábio estava entre os planos econômicos imediatos do tal dono. A coisa fica ainda mais dramática quando sabe-se que, antes da privatização do clube, Fábio já havia renovado seu contrato com o presidente do mesmo, previsto para durar até final de 2022 – tempo suficiente, inclusive, para atingir o milésimo jogo defendendo a camisa do Cruzeiro, algo tão ansiado pela torcida e por ele próprio.

Fábio foi pego de surpresa – junto com todo mundo. Postou uma longa carta em sua rede social explicando o ocorrido; lá, relata, de forma emocionante, sua história no clube, seu grande desejo de permanecer, atingir a marca de 1000 jogos e colocar o clube mineiro de volta à elite do futebol brasileiro. Assegura ainda que estava totalmente disposto a diminuir novamente seu salário para se adequar à realidade econômica do Cruzeiro, assim como negociar suavemente toda e qualquer dívida que o clube pudesse ter com ele. Fábio afirma que o clube foi e é sua vida, sua família. 

Apesar de desejar permanecer a qualquer custo, a equipe de Ronaldo foi intransigente e disse, em sua cara, que ele não fazia parte dos planos do clube para 2022, simples assim. Ofereceram, no máximo, mais três meses de contrato, para atingir a marca de 1000 jogos (algo que geraria mídia para a “empresa”) e, depois, rua! (humilhação essa que, claro, ele recusou). A família de Fábio se abateu, a esposa postou um vídeo chorando em rede social. Todos se indignaram: torcedores saíram em sua defesa e mesmo alguns jornalistas da grande imprensa.

Nada disso importa, no entanto. Mesmo que Fábio representasse Cristo para o Cruzeiro, mesmo que tivesse ele mesmo fundado o clube, não seria perdoado se um empresário o julgasse não “atrativo” economicamente. A forma fria e lamentável com que um dos maiores ídolos do Cruzeiro foi expelido do mesmo, corresponde justamente ao tratamento que se é dado aos trabalhadores de uma… empresa! História? Tradição e cultura? Ídolo? Sentimentos e respeito? Torcida? Consideração? Nada disso tem valor para uma empresa pois, repito, uma empresa só existe para dar lucros ao seu dono – a qualquer custo. 

Onde, então, se poderia assegurar essas características? Onde Fábio poderia ser visto como um esportista, um jogador e um ser humano (que tem história e sentimentos)? Num clube. O que o caso de Fábio revela, de forma nua e crua, é, primeiro: a completa incompatibilidade conceitual de um clube e uma empresa e, segundo, o caráter impraticável dessa aberração, chamada cinicamente de “clube-empresa”, que só pode mesmo gerar a indignação e raiva de todos.

Fábio, do Cruzeiro, é a ponta do iceberg. Estamos falando do primeiro grande clube privatizado no país, em suas primeiras semanas de privatização. Se isso continuar, a destruição será incalculável… ou alguém acha que o dono de uma empresa está preocupado com a história, por exemplo, de um estádio, de taças e medalhas, de jogadores… enfim, de um clube? Há quem ache que porque um clube tem um patrimônio, tudo isso pode ser gerido como se gere o patrimônio de uma empresa (tal ideia absurda é semelhante à ideia de que o estado também pode ser gerido como uma empresa)… espero não termos de pagar caro para compreender que isso é um completo e perigosíssimo equívoco.

É preciso salientar ainda a intenção da burguesia de concentrar os grandes clubes do mundo nas mãos de burgueses de países imperialistas. Nos últimos dias, foi a vez do Botafogo, do Rio, de ser privatizado. Nesse caso, além da venda também pelo valor irrisório de 410 milhões, temos o acréscimo que o comprador é o empresário John Textor, um bilionário Norte-Americano que não sabe nada de futebol (muito menos do brasileiro). Ora, isso é a destruição alçada a um nível ainda maior. Entregar um clube brasileiro, um patrimônio do povo brasileiro, nas mãos de um empresário americano – e ainda por uma merreca (algo que “indignou” até mesmo o cínico ex-presidente da câmara e suposto torcedor do clube, Rodrigo Maia – o “curioso” é que ele próprio, quando presidente da câmara, ajudou a aprovar a lei que facilita a privatização dos clubes).

Algo parecido já havia ocorrido com o Bragantino, clube do interior paulista, vendido à empresa austríaca de bebidas Red Bull. Imaginemos só: se nem mesmo um ex-jogador brasileiro como Ronaldo Nazário, que conhece de perto a história e vida dos clubes do país, foi capaz de alguma sensibilidade com o clube que comprou (do qual inclusive é ex-jogador)… o que poderá fazer os bilionários estrangeiros? É uma ameaça evidente ao patrimônio dos clubes e a suas histórias e tradições. Aqui também podemos constatar isso na prática: a Red Bull rapidamente alterou o nome do Bragantino para Red Bull Bragantino, além de alterar o escudo (que passou a estampar o mascote da empresa), as cores e o mascote do próprio clube – tudo com o objetivo de deixar o Bragantino… mais com cara de Red Bull.

O fim do futebol

Os monopólios do futebol, como FIFA, UEFA e CBF, querem reduzi-lo para menos que um esporte, transformá-lo numa atração ordeira, familiar e totalmente despolitizada. Querem destruir histórias, sentimentos, tradições, ídolos, conquistas e, claro, usar dos clubes para extrair lucro e exercer influência. Enquanto os clubes se afundam em dívidas criadas pelos burgueses, essas mesmas instituições (que eles mesmos gerem) chafurdam no dinheiro roubado. Por fim, passaram a se aproveitar dessa situação para pressionar parte das torcidas, que estão desesperadas e desinformadas, pela privatização e destruição dos seus clubes.

Ao atacar os dribles (traço importantíssimo da expressão artística do esporte) e os clubes (fundamento da própria evolução do futebol como esporte organizado pelo povo), a burguesia deixa claro que o que está em marcha não é mais que a morte do futebol como conhecemos e amamos. Se somarmos isso às investidas históricas que os capitalistas têm feito contra o futebol, como a perseguição às torcidas organizadas, teremos as coisas ainda mais claras. 

Ora, não existe futebol sem torcida, sem dribles e sem clubes! É preciso levantar-se em voz e atos para impedir que a burguesia, em completa degeneração junto a seu sistema, destrua uma pérola do povo. Temos de lutar para impedir que cheguemos ao dia onde estaremos todos torcendo não para Corinthians, Flamengo, Internacional, Atlético-MG ou Bahia, mas sim para Red Bull, Amazon, Tesla, Nestlé, Coca-Cola ou Mc Donald’s. Clube não é empresa, futebol não é parque de diversões para burgueses. O futebol é esporte, é arte, é expressão do povo.

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