Por Coletivo de Negros João Cândido
Em sua 18ª edição, o ato do chamado Dia da Consciência Negra foi uma demonstração das piores e mais oportunistas tendências no interior da esquerda nacional. Em vez de fazer do 20 de novembro um dia de luta do povo negro, aproveitando o impulso dado pela sequência de atos da campanha Fora Bolsonaro, as direções que se apropriaram do movimento negro decidiram organizar uma cansativa, despolitizada e direitista manifestação.
Em São Paulo, onde aconteceu o principal ato do País, foi um verdadeiro circo. A manifestação começou às 12h e só terminou às 20h. Oito horas de ato, e não era porque o povo queria estar ali. Não se tratava de um ato gigantesco, empolgante, que justificasse tanto tempo na rua. Pelo contrário: o ato foi muito menor que os atos da campanha Fora Bolsonaro e duraram tanto tempo justamente para que fosse disperso.
Durante as três primeiras horas, os organizadores decidiram fazer um tal “ato cultural”. Isto é, vetaram aquilo que é mais característico de um ato: as falas políticas, abrindo o ato com cantorias e danças protagonizadas por mulheres negras vestidas de roupas supostamente africanas. As canções eram todas elas desconhecidas: remetiam não ao negro operário, favelado, dos dias de hoje, mas a um negro que nem existe mais: o negro escravo, importado para o Brasil há 400 anos.
Trocaram os dirigentes políticos por cosplayers de nativos africanos. Afogaram toda a combatividade do povo negro, que colocou abaixo a escravidão e esteve na linha de frente de todas as importantes greves do século XX, e colocaram em seu lugar a “cultura” negra. Que não é a cultura do negro, a não ser o negro concebido nas teses de mestrado da esquerda pequeno burguesa.
Nas horas restantes, predominou o “ato cultural” sobre o ato político. A única diferença é que chamaram ao carro de som alguns dirigentes políticos. Essa mudança, no entanto, alterou pouco o conteúdo do ato. À exceção da fala do companheiro Juliano Lopes, da direção nacional do PCO e do Coletivo de Negros João Cândido, todas as falas falaram de tudo, menos da luta do negro. Falaram da ancestralidade, da cultura, de Zumbi, da senzala, mas não falaram que o negro continua escravo, e que deve se livrar de seus senhores atuais. Não falaram que os capitães do mato modernos estavam ali, na mesma Avenida Paulista: os policiais militares. Não falaram que os negros estão sendo tratados como lixo por causa do golpe de Estado, que deve ser derrotado pela mobilização do povo em torno da candidatura de Lula.
É lógico que, para que isso acontecesse, a organização do carro de som tinha que ser a mais antidemocrática possível. Os partidos não tinham vez, mas sim os mil e um “movimentos”, como a Unegro e a Coalizão Negra por Direitos. “Movimentos” sem figuras públicas, sem imprensa, sem programa e que são — vejam só — financiados diretamente por fundos ligados ao imperialismo norte-americano. “Movimentos” que servem de fachada para um grupinho de pessoas que não lutam pelo negro, mas sim que estão em busca de um cargo público.
Por volta das 17h, após cinco horas de ato em que nada se dizia, enfim os manifestantes saíram em passeata. Do MASP até… o Teatro Municipal. Um trajeto que, normalmente, duraria 40 minutos, mas que durou três horas. Afinal, era um ato, não um passeio de cooper.
Esse ato despolitizado e direitista, em que predominaram meia dúzia de deputados e aspirantes a deputados, cumpriu exatamente o seu fim: afastar o negro das ruas. Marcar como maçante, sofrível e impopular aquilo que deveria ser a expressão da luta do negro.