A década de 1990 foi recheada de momentos marcantes no mundo inteiro, desde a morte de todos os integrantes da banda Mamonas Assassinas, até o fim da União Soviética, passando pela conquista do tetracampeonato mundial pela Seleção Brasileira, até chegar no fim do Apartheid na África do Sul. Entre as idas e vindas da humanidade, a internet e os computadores pessoais começaram a se popularizar nos países desenvolvidos, enquanto nos países pobres houve o aumento da facilidade de acesso a alguns meios de comunicação, a exemplo da televisão.
Nesse período podemos localizar o fenômeno da televisão brasileira: passando longe de seguir a cartilha moralista moderna, independente de que fosse comercial o objetivo de tudo aquilo, as telas nos anos 90 constituíam um show à parte na sociedade e “deram o que falar”, sendo ainda um assunto recorrente entre os saudosistas e os curiosos.
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Mulheres seminuas, piadas e músicas de duplo sentido, violência explícita — todos esses elementos faziam parte de uma considerável parcela da programação, sobretudo nos chamados programas de auditório. Alguns quadros e programas específicos fizeram história e são lembrados até hoje, a exemplo da chamada “Banheira do Gugu” (assim como seu programa inteiro) ou do quadro “Sushi Erótico” do programa do Faustão — um verdadeiro vale-tudo pela audiência, considerando a existência de uma competição praticamente aberta entre as respectivas emissoras destes programas (SBT e Globo) durante o horário nobre dos domingos. Nem mesmo os programas infantis escaparam dos comentados elementos explícitos, com direito a apresentadoras e convidadas que acabaram se empolgando e realizando uma apresentação sensual ou uma performance completamente sem contexto, ou até da banda de punk Ratos de Porão falando sobre “sangue” e o “prazer da violência” ao lado da apresentadora Angélica vestida de branca de neve.
Mas nem só de escrachamento vivia a televisão brasileira. Sem o jato da moralidade que afeta todos os setores da sociedade nos dias de hoje, alguns programas acabaram por abrir espaço para demonstrar a situação de algumas regiões do país, mesmo que de forma satírica, ao retratar alguns elementos do dia-a-dia da população, desde brigas de condomínios, passando por reportagens sobre a situação da população durante uma forte seca no nordeste até o famoso episódio do programa “Documento Especial” intitulada “os pobres vão à praia”, explicitando o repúdio da classe média do Rio de Janeiro à população pobre e negra da periferia.
Comerciais extremamente apelativos, figuras caricatas como Clodovil polemizando com tudo e todos, incontáveis aparições do grupo politicamente incorreto Mamonas Assassinas, os exemplos vão ao infinito. Após uma década que parecia não ter limites, os elementos marcantes da televisão acabaram sendo demonizados e passaram a receber ataques de todos os lados. Estes ataques tem o propósito de defender a ideia de que a época era marcada pela indecência e a falta de moral e que a televisão hoje em dia é um lugar muito mais amigável e seguro.
Toda essa onda de represálias acabou por consolidar uma era de moralismo no meio das comunicações que tornou a televisão um ambiente monótono e que retrata um mundo que não existe — seguindo os passos da moralidade do cidadão de bem, de família e cristão. A televisão hoje em dia é formada por uma mistura de novelas infinitamente recicladas, longas missas evangélicas, comerciais de remédios e leilões de gado que parecem completamente sem propósito para alguém que esteja apenas passando pelos canais disponíveis.
Independentemente do conteúdo demonstrado, o fato foi que a televisão brasileira passou por um processo de limpeza moral. Descartaram-se as cenas explícitas, mas também a espontaneidade e criatividade. Surgiram diversos programas para o público infantil, mas as reportagens que mostravam a situação do Brasil e de seu povo, sumiram.
Em suma, o clima moralista foi impulsionado de forma cínica pelas emissoras, elemento fundamental para o cerceamento da liberdade de expressão. A televisão brasileira perde então a pequena e última brecha criativa, consolidando o veículo como a coesa e unida máquina difusora de ideias reacionárias que conhecemos atualmente.