Enquanto a maior parte das lideranças de esquerda encontra-se amedrontada por conta da pandemia, a extrema-direita segue ocupando espaço.
Se valendo de um moralismo rasteiro, que opõe o bem como contra mal, no último dia 2, médicos e representantes da sociedade civil de extrema-direita deram início em Fortaleza (CE) a campanha “Ainda há bem: proteger a vida e difundir o que é bom”, um nome genérico e ambíguo que não diz muita coisa de concreto, afinal o que “é o bom”?
Embora ainda não tenham deixado totalmente clara sua intenção, pois ainda há muito pouco material nas redes, instalaram outdoors em Fortaleza que versam desde o aborto até a “autonomia médica” para o tratamento de Covid-19.
Na verdade, o texto do outdoor diz “o tratamento precoce salva sua vida”, enquanto uma postagem no Instagram traz: “quem tanto fala em ciência não pode ignorar o tratamento precoce”, revelando uma neutralidade notável e deixando bem claro que tipo autonomia almejam.
O outdoor referente ao aborto prega que “quem defende a vida, não pode ser a favor do aborto” tentando convencer o leitor desavisado que se ele não quer, por exemplo, que quase 4.000 pessoas morram diariamente por uma única doença, obviamente também deve ser contra a legalização do aborto. O texto também dá a entender que as mulheres que buscam o aborto seguro sejam a favor da morte, como se fizessem isso por pura maldade ou esporte, e não por uma necessidade real.
Apesar do grupo se declarar “apartidário” – o que obviamente é uma farsa que visa confundir a população – é impressionante seu alinhamento com Bolsonaro, que por meio de suas não-políticas públicas, parece se dedicar com todas as forças para ceifar a vida do maior número possível de brasileiros.
No sábado de Aleluia, o grupo também aproveitou para fazer demagogia com os mais pobres distribuindo cestas básicas na comunidade de Canindezinho, também em Fortaleza.
A inciativa é preocupante. Trata-se como sempre de um ataque que visa confundir e manipular a população pela via dos costumes, chamando a atenção para o que é insignificante e nem mesmo deveria estar em discussão (concordemos, a questão do aborto já deveria ter sido pacificada há tempos) e, assim, desviar o foco das questões fundamentais e urgentes, tendo como brinde a demonização do inimigo – a esquerda defensora do aborto e do “mau”.
Seria ingenuidade crer que as lideranças desse grupo de fato estão preocupadas com manutenção da vida alheia. No máximo, estão preocupados em manter o controle sobre a vida das mulheres. O mais lamentável é que dessa vez quem está encabeçando a campanha é um grupo de médicos, justamente aqueles que deveriam preservar a vida de suas pacientes e obedecer ao princípio do Estado laico. Isso não é novo, visto a dificuldade que diversas mulheres e crianças têm enfrentado para conseguir o direito ao aborto nos casos em que isso é permitido, mas já é um indício que essa ideia vem ganhando corpo e mais adeptos.
A extrema direita só se preocupa com a vida enquanto essa se encontra dentro do útero, depois disso, essa vida já se torna a vida de um potencial marginal, cuja vida perde seu valor imediatamente. Basta consultar qualquer discurso raivoso de Bolso-Trump, anti-imigrante, pró pena de morte – a coleção de boçalidades é extensa.
Se esse grupo se preocupa tanto com vidas, mesmo com aquelas que nem vingaram ainda, deveriam estar se mobilizando pela a vacinação massiva e distribuição de um auxílio emergencial digno. Enquanto 82% das famílias que moram em favelas precisam de doações para se alimentar, esse grupo torra dinheiro de origem duvidosa em meia dúzia de cestas básicas, outdoors contra a legalização do aborto e o, ainda mais duvidoso, tratamento precoce.
Mas ainda mais preocupante que tudo isso é a inércia da esquerda diante dos avanços da direita. Mobilização já! Às ruas pelo direito ao aborto, pela autonomia das mulheres sobre suas vidas, pela vacinação massiva e por um auxílio emergencial digno – isso sim pode salvar vidas.