A ação militar da Rússia na Ucrânia se iniciou no dia 24 de fevereiro e até o momento nenhuma das principais organizações da esquerda, exceto o PCO, se declarou favorável a Rússia. A posição dominante dentre a esquerda nacional é o “nem nem”, nem a Rússia e nem a OTAN, contudo ao se adotar essa opção somente após o início da ação militar russa, na prática o que se adota é a posição de ficar contra a Rússia e portanto ao lado da OTAN. Esses setores da esquerda assim se colocam ao lado dos maiores criminosos da história da humanidade.
O PSTU foi uma das organizações que logo se posicionou mais abertamente contra a política de Putin. Como já é de tradição, o partido já havia apoiado o golpe de Estado na Ucrânia em 2014 bem como todos os golpes organizados pelo imperialismo, inclusive o golpe de 2016 contra presidenta Dilma Rousseff. Mas do PSTU poucos esperam uma posição política minimamente decente, desta vez outra organização se colocou ao lado do imperialismo, a corrente interna do PT, O Trabalho, que se afirma trotskista. Uma séria de textos publicados em seu sítio defendem uma política muito semelhante aquela do próprio PSTU.
O documento mais completo, de título “Declaração do Secretariado Internacional da 4ª Internacional: a guerra no coração do continente europeu”, apresenta os seus argumentos da forma mais bem-acabada. O texto já começa incorretamente afirmando “Com a entrada na Ucrânia de tropas da Federação Russa, a guerra está de volta ao velho continente.” Na realidade a guerra da Ucrânia se iniciou em 2014 e já possuía mais de 14mil mortos, principalmente de etnia russa, antes da entrada das tropas russas no país em fevereiro. A posição de que a Rússia iniciou é mais uma campanha da imprensa burguesa para ofuscar o fato de que a guerra foi criada pela OTAN.
O texto segue analisando o importante discurso de Putin no dia em que reconheceu as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk e afirmou que as daria apoio militar contra os ataques do governo ucraniano. De acordo com a OT a política de Putin seria de “varrer a Ucrânia do mapa” e que ele “negou a existência da nação ucraniana” pois seria resultado de um erro e que Lênin que apoiou a independência da República da Ucrânia após a revolução russa. A discordância de Putin com Lênin já era esperada visto que o presidente russo nunca se propôs a ser um marxista revolucionário, mas isso não significa que ele tem a mesma política que os czares do império.
O que Putin afirmou foi que “a Ucrânia nunca teve uma tradição genuína de Estado”, o que é um fato. Ela foi parte da Rússia por séculos, se tornou mais ou menos independente por poucos anos após a revolução durante a guerra civil e após a vitória dos bolcheviques votou por se unir às demais repúblicas da URSS. Na década de 1990 o processo que gerou a criação da Ucrânia também não foi algo legítimo vindo da população, mas sim impulsionado pelo imperialismo que criou um país até certo ponto artificial. Esse é um fator muito importante para se entender o confronto.
A OT cita Lênin e Trótstki descrevendo a independência da Ucrânia em relação ao império russo e também falando sobre o período stalinsita sem levar em conta que a Rússia atual não tem relação nenhuma com ambos estes períodos. Na realidade, esse é um dos momentos em que ela está mais fraca em toda a sua história, o que fica evidente quando se vê o mapa em que o imperialismo conseguiu avançar até as fronteiras da própria Rússia, algo que não ocorria nem durante o império nem durante a URSS. Sendo assim a operação da Rússia atual não é uma opressão de um povo que está sobre sua dominação mas sim uma defesa do imperialismo que avança militarmente em sua direção.
O texto cita Trótski afirmando que “chauvinismo grão russo” tem a tendência a “eliminar ou adiar o problema das nacionalistas oprimidas” seguindo a tese de que a Rússia atual teria a mesma capacidade do antigo império de oprimir o povo da Ucrânia. E também afirma que Putin é “herdeiro dos métodos de gângster do stalinsmo”, deixando muito claro que a OT não compreende a atual posição do governo russo. Na realidade a Rússia atual é uma grande e oprimido país atrasado que aproveita a crise do imperialismo para expulsar a OTAN de uma de suas principais fronteiras. A disputa real se dá entre o imperialismo e a Rússia.
Mais dois pontos são relevantes no texto. Um é que é defendida a autodeterminação da Ucrânia, o que não está nem em questão visto que o regime foi imposto pelo imperialismo por meio de um golpe de Estado. Ao mesmo tempo não se defende a autodeterminação das Repúblicas de Donetsk e Lugansk que são chamadas de “supostas ‘republicas independentes’ no Donbass. Ambos países que lutam contra o regime golpista e as milícias nazistas desde 2014 são consideradas marionetes da Rússia. Ou seja, se defende a ”autodeterminação” quando esta se dá contra a Rússia mas ela é ignorado quando se dá contra o imperialismo.
O outro ponto, este muito impressionante, é que em todo o texto não são citadas as milícias nazistas que sustentam o governo da Ucrânia! As milícias nazistas que queimaram dezenas de pessoas vivas em Odessa, que formaram a tropa de choque nos últimos 8 anos de guerra, que entraram no próprio exército ucraniano, que são financiadas, armadas e organizadas pela OTAN e que sustentam a ditadura de Volodymyr Zelensky foram ignoradas pelos supostos trotskistas. Trótski, que foi o marxista que mais contribuiu para a luta contra o nazismo, se revira em seu túmulo.
Outro texto no sítio da OT afirma que “É claro que existem fascistas na Ucrânia e há fascistas também na Rússia. E que esses grupos fascistas também não representam nenhum dos dois povos.” É uma comparação totalmente esdruxula. É o equivalente a afirmar que existem comunistas em Cuba e também nos EUA e portanto a sua participação na política é equivalente em ambos os países. Chega a ser ridículo publicar essa afirmação, que sabemos que provem da imprensa imperialista que tenta ao máximo omitir a monstruosidade que é o nazismo na Ucrânia, que de tão forte é até mesmo exportado para o resto do mundo.
Mas a OT não tem medo de concordar com a imprensa imperialista, na realidade ela chegou ao nível de publicar um artigo traduzido do New York Times, um dos principais porta vozes do imperialismo no mundo! O artigo também vangloria a “resistência do povo ucraniano” ignorando que os principais rebeldes são nazistas armados pela OTAN. O confronto na Ucrânia é um exemplo muito bem definido da luta de classes, de um lado os EUA, a imprensa burguesa, a OTAN e nazistas. De outro lado o governo da Rússia, da Venezuela, da Síria, de Cuba, do Irã, da China e a classe operária internacional que almeja mais uma derrota humilhante do imperialismo.
O fato da esmagadora maioria da esquerda ter se posicionado ao lado do primeiro bloco mostra o nível de sua falência. Em um passado não muito distante ainda era predominante se colocar contra a OTAN e a favor dos povos oprimidos que lutam contra o imperialismo. Mas conforme se intensifica a crise do capitalismo mundial não só os partidos da direita tradicional vão entrando em crise como também os da esquerda. É necessário um partido operário e revolucionário para canalizar a gigantesca revolta do proletariado e assim garantir a vitória da revolução, a única forma de impor uma derrota final ao imperialismo.