A temperatura política no continente segue subindo. Após os protestos na Bolívia, Chile e Peru, uma onda de protestos chega também a Guatemala. Trata-se de mais um fenômeno provocado pela profunda crise econômica, que junto à repressão política generalizada em toda a América Latina tem feito entrar em erupção todo o descontentamento popular.
No caso da Guatemala, uma ampla mobilização foi realizada no último sábado, dia 21 de novembro. Ela ocorreu em meio à profunda crise que atravessa o país. Em meio a devastação provocada por dois ciclones, Eta e Iota, a situação de pobreza, que atinge de acordo com números oficiais 59,3 % dos 17 milhões de guatemaltecos e o desastre provocado pela pandemia do Covid-19, a população saiu às ruas quando o governo do direitista Alejandro Giammattei tentou aprovar no congresso um novo orçamento para 2021, com um valor recorde de quase 12 bilhões de dólares.
O governo Giammattei procurou justificar o aumento no orçamento de 2021 afirmando que os recursos seriam destinados prioritariamente para a crise sanitária e econômica. Entretanto, a população da Guatemala não parece ter levado minimamente a serio as promessas do governo. Afinal, em meio a esta crise o orçamento proposto prevê cortes nas áreas de saúde, educação e direitos humanos. Além disso, Giammattei precisaria recorrer a empréstimos ao FMI, aumentando ainda mais a dívida externa da Guatemala.
As mobilizações do dia 21 ocorreram na capital do país, a Cidade da Guatemala e também em outras cidades, e exigiam a derrubada do governo direitista. A radicalização do movimento foi tão grande que alguns manifestantes atearam fogo no Parlamento do país. O governo reagiu utilizando a polícia, que reprimiu duramente os protestos. No entanto, não há indícios de que a crise tenha se fechado, há novas manifestações sendo convocadas, e apesar do apelo do vice de Giammattei, que sugeriu que ambos renunciassem, o titular não parece disposto a abdicar do poder.
É preciso analisar o levante da população da Guatemala em perspectiva. Trata-se de mais um país da América Latina onde o povo se levanta contra a política de golpe continental, que tem imposto goela abaixo da população de todo o continente a derrubada de governos nacionalistas e a implementação de uma duríssima política neoliberal. É a mesma crise que se desenvolve de forma desigual em praticamente todos os países, incluindo aí até mesmo os Estados Unidos.
Engana-se quem pensa que o Brasil estaria de fora deste quadro geral. As dimensões continentais do país e as profundas desigualdades regionais em geral dificultam que ocorra um movimento como o que vimos no caso George Floyd nos Estados Unidos em escala nacional. No entanto, um acontecimento como o assassinato do negro João Alberto por seguranças do supermercado Carrefour pode se tornar o rompimento da represa da insatisfação popular.