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Imperialismo decadente

Afeganistão, uma abordagem compreensiva, segunda parte

Faltam elementos fundamentais na cobertura ‘jornalística’ sobre o Afeganistão atual

─ Brasil De Fato, Bruno Lima Rocha Beaklini ─

Neste segundo capítulo de abordagem compreensiva do Afeganistão sob o governo Talibã, após a expulsão das forças estrangeiras, seguimos pelos fundamentos da análise estratégica em termos de estudos regionais e geopolítica aplicada. No texto a seguir apresento o básico, com o correto levantamento de dados em fontes abertas, além das relações de força doméstica e de projeção transfronteiriças.

Outra ajuda inestimável veio do internacionalista Thales Valenti, que gentilmente enviou uma listagem do ministério do governo Talibã, que assumiu plenos poderes no Afeganistão a partir de setembro de 2021. Como de costume, apesar de se tratar de informação que circula em fontes abertas publicadas em língua inglesa e, considerando que as maiores empresas de mídia do Brasil têm correspondentes e “comentaristas” versados no idioma anglo-saxão, por que não explicam a correlação entre etnia, código de lealdades e sistema jurídico?

A área vermelha indica região dos grupos étnicos pashtuns

Vejamos a composição do novo governo:

Mullah Muhammad Hassan Akhund – Primeiro Ministro; Mullah Abdul Ghani – Primeiro Vice-premiê; Molvi Abdul Salam Hanafi (Uzbek) – Segundo vice-premiê; Molvi Muhammad Yaqoob- Ministro da Defesa; Alhaj Mullah Sirajuddin Haqqani – Ministro do Interior; Molvi Ameer Khan Muttaqi – Ministro das Relações Exteriores; Mullah Hidayatullah Badri – Ministro das Finanças; Sheikh Molvi Nurullah Munir – Ministro da Educação; Mullah Khairullah Khairkhwa – Ministro da Informação; Qari Din Mohamamad Hanif (Tadjique) – Ministro das Relações Econômicas; Sheikh Noor Muhammad Saqib – Ministro das Minorias; Molvi Abdul Hakim – Ministro das Leis; Mullah Noorullah Noori – Ministro da Fronteira e Assuntos Tribais; Mullah Muhammad Younas Akhundzada – Ministro do Desenvolvimento.

Segue a lista com o Sheikh Muhammad Khalid – Ministro for Dawat and Irshaad (a controversa pregação da virtude e prevenção do vício, talvez a vertente mais wahabbi do governo do novo emirado); Mullah Abdul Mannan Umeri – Ministro de Serviços Públicos; Mullah Muhammad Essa Akhund – Ministro para Mineração e Petróleo; Mullah Abdul Latif Mansoor – Ministro para Água e Energia; Hameedullah Akhundzada – Ministro para Aviação Civil e Transporte; Abdul Baki Haqqani – Ministro da Educação Superior; Najibullah Haqqani – Ministro da Comunicação; Khalil ur Rehman Haqqani – Ministro para os Refugiados.

As seguintes pastas também têm status de ministério e são encabeçadas por Abdul Haq Waseeq – Diretor-Chefe de Inteligência; Haji Muhammad Idris – Diretor- Chefe do Banco do Afeganistão; Molvi Ahmed Jan Ahmedi – Diretor- Chefe dos Assuntos Administrativos; Mullah Muhammad Fazil Mazloom Akhund – Vice-Ministro da Defesa; Qari Faseehuddin (Tajik) – Chefe Militar; Sheikh Muhammad Abbas Stanakzai – Vice-ministro das Relações Exteriores; Molvi Noor Jalal – Vice-ministro do Interior; Zabiullah Mujahid – Vice-ministro da Informação; Mullah Taj Mir Jawad – Vice-ministro para Chefe de Inteligência; Mullah Rehmatullah Najib – Vice-administrativo para Chefe de Inteligência; Mullah Abdul Haq – Assistente Especial do Ministro do Interior.

Ao todo são 33 pessoas em encargos ministeriais, ocupando pastas de governo e diretorias, incluindo vice-ministros. A totalidade destes postos é preenchida por homens, sendo que apenas um é uzbeque e dois são tadjiques. Desta forma, trata-se de um governo absolutamente pashtun. Outra observação é o número de pessoas com titulação religiosa, tratando-se de 13 mulás, ou seja, um terço dos membros da nova administração.

Toda análise de cenários locais e regionais em sociedades marcadas por instituições étnico-sectárias e maioria da população vivendo entre pequenas vilas rurais e rotas de transporte (em torno de 75% reside em áreas rurais), implica necessariamente em detalhar o padrão demográfico. No Afeganistão convivem nove grupos étnicos: pashtuns, quirguizes, tadjiques, turcomenos, nuristanes, hazara, aimaque e balúchi. Destes grupos étnicos, os pashtuns (líderes do país) têm área contígua de fronteira com o Paquistão. Balúchis formam uma etnia que tinha um autogoverno limitado nos tempos do Rajastão Britânico e que, após 1947, ficaram com seu território dividido em três soberanias (Afeganistão, Irã e Paquistão). Uzbeques têm sua hegemonia cultural no Uzbequistão; o mesmo ocorre com tadjiques no Tadjiquistão; turcomenos no Turcomenistão; quirguizes com o Quirguistão (sem fronteira com o território afegão); nuristanis ocupam área fronteiriça com o Paquistão; aimaques fazem fronteira com Irã e os hazaris são de credo xiita, automaticamente sendo protegidos pela potência iraniana.

Na composição das macro-lealdades étnicas, uzbeques, quirguizes e turcomenos têm origem túrquica e os demais grupos origem persa. Isso implica em possível projeção de poder por parte da Turquia, através da aliança de países articulada por Ankara chamado de Conselho de Estados Túrquicos, ou Conselho Túrquico, que aborda a unidade cultural de 300 milhões de pessoas nas soberanias com esta densidade demográfica e dois trilhões de dólares em PIB acumulado e potencial de trocas econômicas. Os países membros são: Turquia, Azerbaijão, Casaquistão, Quirguistão e Uzbequistão. Na condição de membro observador, tem-se unicamente a Hungria (dentro da reivindicação da mitologia turanista). Destes, apenas o Uzbequistão faz fronteira com o país a ser governado pelo Talibã. O Turcomenistão faz fronteira, tem evidente hegemonia cultural túrquica, mas não entrou no plano do acordo do Conselho organizado pela política externa do governo Erdogan.

Os demais países fronteiriços com o Afeganistão são Tadjiquistão, Irã, Paquistão e China. Dos seis países fronteiriços, três (Turcomenistão, Uzbequistão e Tadjiquistão) fizeram parte da extinta União Soviética e foi área sob o domínio do antigo Império Russo na sua maior extensão (1721-1917). Importante observar que 11% da população suserana ou dominada pelos Romanov era de credo islâmico, o que fez com que as fronteiras afegãs fossem área de influência e rotas de trocas permanentes com os demais povos islamizados.

Nos limites fronteiriços, o país não tem acesso ao mar, o que implicaria um acordo de integração econômica e logística sino-cêntrico, conhecido também como “diplomacia ferroviária”. As demais interações estratégicas da Ásia Central e do Sul da Ásia será tema do terceiro artigo desta série de abordagem compreensiva. Neste texto, a maior ênfase é no ambiente doméstico ou na escala “nacional” possível no país multifacetado.

No ordenamento político-administrativo do país, as províncias afegãs em área de fronteira são Herat, Farah e Nimruz; com o Turcomenistão além de Herat, Badghis, Faryab e Jowzjan; Balch (cuja capital Mazari Sahrif foi cabeça de ponte do Daesh no país) faz fronteira com o Uzbequistão; com o Tadjiquistão além de Balch, Kunduz, Takhar e Badaksahn; esta última está no delicado passo de fronteira com a China (de no máximo 60 quilômetros de extensão), nos contrafortes do Himalaia em um vale de profundidade. A maior linha de fronteira está com o Paquistão (a Linha Durand), vindo do Himalaia até o Balochistão, totalizando 2.670 quilômetros. Estas são: Badakhshan, Nurestan, Kunar, Nagarhar, Paktia, Khost, Paktika, Zabol, além das balochis, Kandahar, Helmand e Nimruz. As demais quinze províncias do país são interiores, sem acesso às fronteiras do país e cujas rotas logísticas são mais difíceis de serem alimentadas.

Tramar as relações de interesse, o perfil demográfico, as instituições sociais realmente existentes e as lealdades internas e regionais são o passo a passo para qualquer análise geopolítica. Infelizmente não vemos nenhum desses elementos fundamentais na cobertura “jornalística” sobre o Afeganistão atual e tampouco se revelam nas “análises” de forças políticas, incluindo as mais “à esquerda”. Nenhuma teoria modernizante explica por completo a situação atual, e sim o estranhamento do avanço do ocidente em sociedades islamizadas como nos explica o historiador Tufy Kairuz. Trata-se de uma situação de “longo século”, três longos cem anos, tomando como princípio a presença Romanov (ortodoxa-militar-bizantina) na região. Como já afirmamos antes, são temas básicos na formação de qualquer curso sério de Relações Internacionais e as ausências destas variáveis simplesmente impossibilita qualquer explicação sobre o Afeganistão atual.

  • Este artigo foi originalmente publicado no portal Monitor do Oriente Médio

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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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