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Por Leon Trótski

Teria Stálin assassinado Lênin?

Artigo escrito em 1940

Artigo de Leon Trótski, publicado em 1940

Stálin envenenou Lênin?

Durante os dez anos do meu presente exílio, os agentes literários do Crêmlin têm sistematicamente aliviado a si mesmos da necessidade de responder de forma pertinente a tudo o que escrevo sobre a União Soviética aludindo ao meu “ódio” por Stálin – mesmo que Stálin e eu estejamos separados por acontecimentos tão ardentes que consumiram em chamas e reduziram a cinzas qualquer coisa pessoal. Stálin é meu inimigo. Mas Hitler também é, assim como Mussolini e muitos outros. Hoje permanece em mim tão pouco sentimento por Stálin quanto pelo general Franco ou o Mikado (imperador japonês).

Apresento neste artigo fatos chocantes sobre como um revolucionário provinciano se tornou o ditador de um grande país. Cada fato que menciono, cada referência e citação pode ser provada tanto por publicações oficiais soviéticas quanto por documentos preservados em meus arquivos.

O ultimo período da vida de Lênin foi de intenso conflito com Stálin, que culminou em uma total ruptura entre eles. Como sempre, não havia nada pessoal na hostilidade de Lênin em relação a Stálin. Mas, à medida que o tempo passava, Stálin foi tirando vantagem das oportunidades que seu posto lhe dava para vingar-se de seus oponentes. Pouco a pouco, Lênin foi se convencendo de que algumas características de Stálin eram hostis ao partido. Daí partiu sua decisão de reduzir  Stálin a um membro ordinário do Comitê Central.

A saúde de Lênin ficou ruim de uma hora para outra no final de 1921. O primeiro derrame aconteceu em maio de 1922. Por dois meses ele ficou impossibilitado de se mover, falar ou escrever. Em julho, ele começou lentamente a convalescer. Em outubro, retornou do campo para o Kremlin e retomou seu trabalho. Em dezembro, ele abriu fogo contra as perseguições de Stálin. Confrontou Stálin na questão do monopólio do comércio exterior e começou a preparar, para o próximo congresso do partido, uma declaração que seria “uma bomba contra Stálin”.

“Vamos falar francamente”, escreveu Lênin em 2 de março. “O Comissariado de Inspeção não goza hoje da menor autoridade… Não há pior instituição entre nós que o Comissariado do Povo para a Inspeção”. Stálin era o chefe da Inspeção. Ele entendeu bem as implicações de tais palavras.

Em meados de dezembro de 1922, a saúde de Lênin o obrigou a se ausentar do congresso. Stálin, por sua vez, ocultou de Lênin muita informação. Medidas de bloqueio foram instituídas contra pessoas próximas a Lênin. Lênin estava inflamado com alarme e indignação. Sua principal fonte de preocupação era Stálin, cujo comportamento se tornava mais ousado à medida que os relatórios médicos de Lênin ficavam menos favoráveis. Nestes dias, Stálin estava taciturno, rosnando, seu cachimbo firmemente preso entre os dentes, um brilho sinistro nos olhos amarelados. Seu destino estava em jogo.

Várias linhas ditadas por Lênin em 5 de março de 1923, para um estenógrafo de confiança, anunciava secamente o rompimento de “qualquer relação pessoal e de camaradagem com Stálin”. A nota é o último documento de Lênin em vida. Na noite seguinte ele perdeu de novo o poder da fala.

O chamado “testamento” de Lênin foi escrito em duas instâncias durante sua segunda enfermidade: em 25 de dezembro de 1922 e em 4 de janeiro de 1923. “Stálin, desde que se tornou secretário-geral”, declara o testamento, “tem concentrado um enorme poder em suas mãos, e eu não estou seguro de que ele sempre sabe como utilizar este poder com a prudência necessária”. Dez dias depois, Lênin acrescentou: “Proponho aos camaradas que achem uma maneira de destituir Stálin e substituí-lo por outro homem”, que seria “mais leal, menos caprichoso” etc.

Quando Stálin leu o texto, disparou palavras furiosas contra Lênin. O testamento não só falhou em acabar com a briga interna, que era o que Lênin desejava, mas ampliou-a em um nível febril. Stálin já não tinha dúvidas de que o retorno de Lênin à ativa seria sua morte política. Somente a morte de Lênin poderia limpar o caminho para ele.

Acompanhei o decorrer da segunda enfermidade de Lênin dia a dia, através do médico que tínhamos em comum, Dr. Gaitier.

“É possível, Fedor Alexandrovich, que seja o fim?”, minha esposa e eu lhe perguntamos várias vezes.

“Não se pode dizer isso de maneira alguma. Vladimir Ilyich vai ficar em pé novamente. Ele tem um organismo forte.”

“E suas faculdades mentais?”

“Basicamente permanecerão intactas. Não tudo, talvez, irá manter sua pureza inicial, mas o virtuoso permanecerá virtuoso.”

No entanto, em um encontro entre os membros do Politburo, Zinoviev, Kamenev e eu, Stálin nos informou, após a saída do secretário, que Lênin tinha subitamente o chamado e pedido por veneno. Lênin estava perdendo novamente a faculdade da fala, considerava sua situação incurável, temia sofrer um novo derrame e não acreditava nos médicos. Sua mente estava perfeitamente clara e o sofrimento era insuportável.

Lembro o quão extraordinário, enigmática e em desacordo com as circunstâncias me pareceu o rosto de Stálin então. Um sorriso doentio estava fixo em sua face, como uma mascara. Vejo diante de mim um pálido e silencioso Kamenev, que amava Lênin sinceramente, e um Zinoviev perplexo, como em todos os momentos difíceis. Eles sabiam sobre o pedido de Lênin? Ou Stálin soltou isso como uma surpresa a seus aliados no triunvirato assim como para mim?

“Mas é claro que nós não podemos nem sequer considerar este pedido!”, exclamei. “Gaitier não perdeu a esperança. Lênin ainda pode se recuperar.”

“Eu falei tudo isso a ele”, Stálin respondeu, não sem um sinal de irritação. “Mas ele não ouviria a razão. O velho está sofrendo. Ele disse que quer ter o veneno à mão. Ele o usará quando estiver convencido de que sua condição é irremediável.”

“O velho está sofrendo”, Stálin repetiu, olhando vagamente para nós. Nenhum voto foi tomado, já que não era um encontro formal, mas nos despedimos com o entendimento implícito de que não poderíamos nem sequer considerar enviar veneno a Lênin.

“De qualquer maneira é fora de questão”, insisti. “Ele poderia sucumbir diante a um estado de espírito passageiro e tomar uma decisão sem volta.”

Apenas poucos dias antes, Lênin havia escrito seu posfácio impiedoso ao testamento. Alguns dias depois ele rompeu todas as relações pessoais com Stálin. Por que faria a Stálin, entre tanta gente, este pedido trágico? A resposta é simples: ele viu em Stálin o único homem que poderia fazê-lo, já que estava diretamente interessado nisso. Ao mesmo tempo, é possível que quisesse testar Stálin: quão afoitamente Stálin aproveitaria esta oportunidade? Naqueles dias, Lênin pensava não somente na morte, mas no destino do partido.

Mas Lênin realmente pediu veneno a Stálin? Ou a versão foi totalmente inventada por Stálin para preparar seu álibi? Ele não teria razões para temer uma verificação, porque ninguém poderia questionar o enfermo Lênin.

Mais de dez anos antes dos infames julgamentos de Moscou, Stálin confessou a Kamenev e Dzerjinski, seus aliados então, que um de seus maiores prazeres na vida era manter um olho afiado sobre um inimigo, preparar tudo meticulosamente, vingar-se sem piedade, e depois ir dormir.

Durante seu último grande julgamento, que teve lugar em março de 1938, um lugar especial no banco dos réus era ocupado por Henry Yagoda. Algum segredo unia Stálin a Yagoda, que tinha trabalhado na Cheka e na GPU (polícia secreta) por 16 anos, primeiro como chefe-assistente, depois como diretor, e todo o tempo como o assessor de maior confiança de Stálin contra a oposição. O sistema de confissões de crimes que nunca tinham sido cometidos eram obra de Yagoda. Em 1933, Stálin condecorou Yagoda com a Ordem de Lênin, e em 1935 o promoveu ao cargo de Comissário Geral de Defesa do Estado –isto é, Marechal da Polícia Política. Na pessoa de Yagoda foi elevada uma nulidade, olhada com desprezo por todos. Os velhos revolucionários trocaram olhares de indignação.

Nos tempos da grande “purga”, Stálin decidiu liquidar seu companheiro que sabia demais. Em abril de 1937, Yagoda foi preso e em seguida executado.

Foi revelado naquele julgamento que Yagoda, um ex-farmacêutico, possuía um armário próprio para venenos, do qual retirava frascos para dar a seus agentes. Tinha à sua disposição vários toxicologistas, para quem ele organizou um laboratório especial, dotando-o de todos os meios, sem limite e sem controle. Naturalmente, é impensável que Yagoda tenha feito tudo isso para suas próprias necessidades.

Suspeitas de que Stálin de alguma maneira ajudou a destrutiva força da natureza no caso de Máximo Gorki pipocaram imediatamente após a morte do grande escritor. O julgamento de Yagoda também serviu para livrar Stálin de qualquer suspeita. Por isso as repetidas declarações de Yagoda, dos médicos e de outros acusados de que Gorki era “um amigo próximo de Stálin”, “uma pessoa confiável”, um “stalinista” entusiástico. Se só a metade disso fosse verdade, Yagoda não teria tomado para si a tarefa de matar Gorki, e muito menos confiado a trama a um médico do Kremlin, que poderia tê-lo destruído simplesmente telefonando a Stálin.

Durante os dias do julgamento, as acusações, como as confissões, me pareceram fantasmagóricas. Informação subseqüente e análises me forçaram a alterar aquela percepção. Nem tudo ali era uma mentira. Nem todos os envenenadores estavam sentados no banco dos réus. O chefe deles estava conduzindo o julgamento pelo telefone. Somente Yagoda tinha desaparecido; seu armário de venenos permaneceu.

No julgamento de 1938, Stálin acusou Bukharin de ter preparado, em 1918, um atentado contra a vida de Lênin. O naïf e apaixonado Bukharin venerava Lênin, o adorava, não podia ter ambições pessoais. Todas as acusações dos julgamentos de Moscou tinham um mesmo padrão. Stálin via a melhor maneira de dissipar suspeitas contra ele mesmo atribuindo o crime a seu adversário e forçando-o a “confessar”.

Lênin pediu o veneno –se é que o fez– no final de fevereiro de 1923. No começo de março, ele estava de novo paralisado. Mas seu organismo poderoso, apoiado em sua vontade inflexível, reafirmou-se. Ao longo do inverno ele começou a se recuperar lentamente, a se mover mais livremente; ouvia leituras e lia ele mesmo; sua faculdade de fala começou a voltar. As opiniões dos médicos se tornaram cada vez mais esperançosas.

Stálin estava em busca do poder, de todo o poder, não importa como. Ele já tinha um firme controle sobre isso. Seu objetivo estava próximo, mas o perigo emanando de Lênin continuava ali. Ao seu lado estava o farmacêutico Yagoda.

A notícia da morte de Lênin me pegou e a minha esposa no caminho para o Cáucaso, para onde eu tinha ido me curar de uma infecção cuja natureza permanece uma incógnita para meus médicos. Imediatamente telegrafei para o Kremlin: “Acho necessário voltar a Moscou. Quando é o funeral?” A resposta veio depois de mais ou menos uma hora: “O funeral será no sábado. Você não conseguirá voltar a tempo. O Politburo considera que por causa do seu estado de saúde você deve seguir para Sukhum. Stálin”. Por que a pressa? Por que precisamente sábado? Mas eu não achei que deveria pedir o adiamento do funeral apenas por minha causa. Somente quando cheguei a Sukhum soube que tinham mudado para domingo.

Era mais seguro sob todos os aspectos me manter afastado até que o corpo tivesse sido embalsamado e as vísceras cremadas.

Quando perguntei aos médicos em Moscou sobre a causa mortis de Lênin, que eles não esperavam, ficaram perdidos em responder. A autópsia foi feita com todos os ritos necessários: Stálin pessoalmente tomou conta de tudo. Mas os cirurgiões não procuraram por veneno. Eles entenderam que a política está acima da medicina.

Não retomei as relações pessoais com Zinoviev e Kamenev até dois anos depois, quando eles romperam com Stálin. Eles evitaram qualquer discussão sobre a morte de Lênin. Só Bukharin fez, aqui e ali, tête-à-tête, alusões inesperadas e estranhas. “Oh, você não conhece Koba (Stálin)”, disse com seu sorriso trêmulo. “Koba é capaz de qualquer coisa.”

Quando o telhado desaba e as portas e janelas caem, fica difícil viver numa casa. Hoje, rajadas de vento sopram ao redor de nosso planeta inteiro. Todos os tradicionais princípios de moralidade estão cada vez piores, e não apenas aqueles que emanam de Stálin. Mas uma explicação histórica não é uma justificativa. Nero também foi um produto de sua época. Após sua queda, porém, suas estátuas foram derrubadas e seu nome varrido de tudo. A vingança da história é mais terrível que a vingança do mais poderoso secretário-geral.

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