Rafael Martarello, especial para o DCO
Um dos mais famosos ditados populares diz “o que pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Trata-se de uma expressão que faz alusão à necessidade de igualdade no tratamento entre casos semelhantes, enfatizando a impessoalidade no uso de princípios.
Sabemos que essa expressão só é válida no trato de nossas relações pessoais, pois a sociedade capitalista é arquitetada para desde os elementos aparentes da luta de classes até os subterrâneos legitimar e conservar a ordem burguesa.
Neste mês, após o escândalo das relações anormais de Boulos e do PSOL com o imperialismo, Kiko Nogueira do DCM, defendeu Boulos por meio de piadinhas e falsificações dos apontamentos, o salvaguardou das perguntas e atacou os participantes de uma live que questionaram Boulos.
Kiko é ex-editor da Veja, e assim como Boulos já esteve coadunado com a grande imprensa golpista, mas claro que o caso de Kiko era diferente, ele não é um líder político de esquerda de um partido trotskista.
Outra diferença marcante na trajetória de Kiko pode ser visualizada se analisarmos o tratamento diferenciado que ele dá a Boulos e para Leandro Karnal.
Dois Pesos e Duas Medidas
Kiko Nogueira é um ferrenho crítico de Leandro Karnal desde que este postou a famosa foto com Sérgio Moro. O membro do DCM já chamou o Karnal de prostituta midiática, disse que o historiador conversou com Moro para arrumar mais uma fonte de renda, entre vários outros comentários críticos a cada texto.
Na oportunidade problematizada, Karnal se justificou dizendo que tinha curiosidade de conversar com pessoas que tiveram um papel importante na história e que ambos (ele e o Moro) discutiram um projeto de dar alguma palestra em conjunto. O Causa Operária já empreendeu uma crítica ao Karnal.
Cabe a nós agora contrabalancear a incoerência de Kiko.
Leandro Karnal não sustentava um vínculo de subordinação, relação ou foi financiado por conhecidas agências que operacionalizam as ações externas da Inteligência Estadunidense contra governos democráticos, populares e nacionalistas. E se um dia for apontado que era, a crítica de Kiko foi feita desconsiderando estes termos.
As críticas de Kiko Nogueira foram empreendidas com base no símbolo que o historiador representava e que após a foto, teria perdido sua máscara. Mas o que dizer de um líder político de esquerda em ascensão que se torna colunista do jornal que forneceu apoio material e ideológico para a Ditadura, especialmente para o DOI-Codi?
Qual é o peso da crítica
Kiko para um líder político de esquerda colabora para um instituto que em seu quadro executivo conta com as figuras mais sombrias do fascismo no Brasil, como o General Etchegoyen e Raul Jungmann? Quando o historiador decidiu conversar, marcar uma palestra e postar uma foto a crítica foi desapiedada.
Cabe ressaltar que na época Moro era tipo como o cavaleiro da honestidade, todas as análises contrárias à lava-jato foram descredibilizadas e chamadas de teoria da conspiração, embora as alegações tivessem como base técnica os atos jurídicos e uma base explicativa estrutural.
Ora, mas se o problema for só a personificação da lava-jato, não tem problema. O escritório de Warde também é conhecido por ter contratado Sérgio Moro por R$ 750 mil, após o político deixar o Ministério da Justiça de Bolsonaro. Resta mencionar que o escritório do querido amigo de Boulos e exemplar de esquerdista tem como sócio o diretor da Polícia Federal durante a Operação Lava Jato, Leandro Daiello.
Mas se Karnal fosse Boulos, Kiko Nogueira justificaria para passar a mão na cabeça:
“Qual o problema da amizade dos dois? Foi um jantar plural. Eles discutiram projetos comuns, uma frente ampla progressista contra a polarização. E vem aqui com essa pataquada, olha a carreira do cara.
O próprio PSOL defende a lava-jato, muita gente de esquerda está lá apoiando a Lava Jato. Mesmo contra a militância, os parlamentares do PSOL defenderam a Dilma no Impeachment. É coisa de maluco vocês acharem que o Moro tem alguma ligação com a CIA e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos ou que ele faz um julgamento político”.
Conclusão
Poucos, em comparação ao público que o conhece, sabem que na Unicamp Karnal é motivo de chacota antes mesmo do episódio com Moro. Verdade seja dita, ele mesmo fez a opção em ser um intelectual midiático ao prestígio de professor universitário e de cientista.
O episódio de Karnal é interessante para ver o afastamento da luta classista e anticolonial da intelectualidade e das personalidades midiáticas de esquerda. Também é interessante para apontar a contradição na análise dos episódios por Kiko Nogueira.
Ao relacionamento de Boulos com a Ford, com o IREE e com a Folha de S. Paulo, Kiko trata com ternura e naturalidade, já a relação de Karnal com Moro, ainda que insignificante quando comparamos com a de Boulos, é alvo de críticas anuais. Aqui, o pau só bate em Chico.
Mas Boulos tem lugar amplo e garantido na imprensa, é o cara do momento, dá conferências em universidades, em empresas, associação comercial, no Datena, etc. Ter ele nas lives traz superchats, seguidores, curtidas, doações, já pensou se indispor com ele?