Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Felipe Maruf Quintas

Mestre e doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Entrega do País

Privatismo Inflacionário

Privatizações provocam a maior crise inflacionária dos últimos 26 anos

Durante décadas, o noticiário dos grandes veículos de jornalismo e a ortodoxia econômica acadêmica pregaram aos quatro ventos que a escalada inflacionária seria a consequência inevitável e indesejável da elevação do emprego, dos salários, do consumo e do investimento. Tudo aquilo que faz a vida material girar foi demonizado como sendo “inflacionista”.

O recado sempre foi claro: a estabilidade macroeconômica só seria possível com o sacrifício do bem estar social e do desenvolvimento nacional. Num país enorme e altamente desigual, com vastas regiões a ocupar e explorar, a política econômica foi reduzida a uma política de arrocho sobre a maioria depauperada. A fórmula TINA (There Is No Alternative – Não Há Alternativa), celebrizada por Margareth Thatcher na década de 1980, virou uma doutrina de fé que, desde 2015, vem sendo aplicada a ferro e fogo no Brasil.

Os arautos do dogma “arrochista” (mais exato do que o pomposo termo “neoliberal”) sempre colocaram sobre as próprias cabeças a aura da “ciência exata”, como se eles fossem os portadores absolutos da cientificidade e do raciocínio lógico, independente de interesses políticos de classe. Alguns deles até reconheciam que as medidas por eles defendidas seriam “amargas”, mas, no final das contas, necessárias. Em sua concepção, o calvário da penúria seria o pedágio a se pagar na estrada dos tijolos amarelos rumo à Cidade das Esmeraldas.

Soberana, porém, é a realidade, que sempre se impõe, a despeito das crenças e superstições das pessoas.

A prévia da inflação oficial no Brasil, de 1,14% em setembro, a maior taxa para o mês desde o início do Real, com o acumulado nos últimos 12 meses ultrapassando 10%, ocorre em meio ao desemprego recorde, às taxas mais baixas de investimento público já registradas e a uma desindustrialização feroz que rebaixou nosso tecido produtivo aos níveis da República Velha pré-I Guerra Mundial, num país mais de 10 vezes maior demograficamente.

Segundo a própria mídia corporativa, “Os itens que tiveram maior impacto no índice de setembro foram energia elétrica e gasolina” (G1/Jornal Nacional, 24/09/2021). Não por coincidência, os dois setores mais submetidos à privatização nos últimos anos, das mais variadas formas.

No caso da energia elétrica, além dos leilões de centrais de distribuição, a redução da participação da União na Eletrobrás para abaixo de 50% das ações enfraquece a atuação estratégica do Estado na regulação do setor, fazendo da empresa uma mera distribuidora de dividendos aos acionistas privados. O setor elétrico brasileiro, então, passa a funcionar não para que a eletricidade chegue nas casas, ruas, fábricas, lojas, escolas e teatros, mas para remunerar acionistas privados, grande parte deles estrangeiros.

No caso do petróleo, o desmantelamento a que a Petrobrás vem sendo submetida desde o 2º governo Dilma, mas, principalmente, após a sua deposição em 2016, é algo que deveria envergonhar os brasileiros conscientes.

A Petrobrás, uma das maiores e bem sucedidas empresas de petróleo do mundo, que, por décadas, assegurou a autossuficiência do Brasil em combustíveis e outros insumos industriais derivados do petróleo, está tendo a sua capacidade de refino artificialmente estrangulada para favorecer os importadores de combustíveis, cujos preços de intermediação elevam sobremaneira o preço.

A privatização das refinarias e da BR Distribuidora, ao desmantelar o sistema integrado que a Petrobrás domina exemplarmente desde a década de 1970, coloca a produção e a distribuição dos insumos necessários à movimentação do País nas mãos de especuladores, em prejuízo dos interesses nacionais.

Pior ainda, priva a empresa do seu filão de arrecadação, inviabilizando a continuidade de pesquisas para a produção de petróleo em águas profundas, em particular do pré-sal, obrigando a Petrobrás a se retirar dos nossos próprios campos e deixando o caminho aberto para as empresas estrangeiras, que levam nosso petróleo cru para o refino em seus países, gerando empregos e rendas lá, não aqui.


Além disso, a criminosa política de dolarização dos custos e dos preços de quaisquer atividades da empresa, desde o governo Temer, coloca o país de joelhos às flutuações cambiais, deixadas livres pela negligência liberal do Banco Central, transformado, hoje, de maneira oficial após a formalização da sua “autonomia”, em mero escritório da alta agiotagem transnacional.

Sendo a eletricidade e o petróleo setores basilares da economia nacional, sem os quais nenhuma outra atividade é possível, a elevação dos preços, causada pela sanha de lucros e dividendos dos grupos privados beneficiários das privatizações, provoca uma escalada de preços em todos os demais setores, sendo o consumidor comum o ponto final da cadeia inflacionária.

O aumento dos preços nesses setores básicos também provoca o encarecimento dos custos da indústria e dos serviços, anulando os efeitos protecionistas da desvalorização cambial e incentivando as importações num momento de dólar caro, drenando as reservas do país e tornando-o mais vulnerável a choques externos, bem como elevando o desemprego e comprimindo ainda mais o padrão de vida da população.

No caso dos alimentos, em particular, a alta dos preços é multiplicada pelo fim dos estoques reguladores no governo Bolsonaro. A determinação dos preços passa a ser dada exclusivamente pelo “livre mercado” e pela especulação internacional, com o governo se retirando da sua função precípua e elementar de garantir as condições mínimas de abastecimento a toda a população, ainda mais num momento de crise social agravada pela pandemia.

Não resta dúvida, então, de que a maior inflação da história do Real não é provocada pelo superaquecimento da demanda agregada, que nunca esteve tão rebaixada. Mas, ao contrário, pela política irresponsável de entregar as molas do país aos barões das finanças vorazes e infecundas, que Adam Smith chamava de “especuladores e aventureiros”. Sem investimento público para induzir o investimento privado e o emprego e sem emprego para haver consumo, o aumento dos preços reflete, sobretudo, a ganância e a covardia dos grandes agiotas aos quais foram entregues o arcabouço produtivo do país.

O privatismo, e apenas ele, é, assim, a causa principal da maior inflação dos últimos 26 anos. Sob o pretexto de se combater a inflação e garantir a estabilidade macroeconômica, sacrificou-se o país no altar satânico da alta agiotagem e criou-se a maior crise já verificada nos últimos 100 anos. A suposta “ciência exata” da economia, ao balizar seus prognósticos e receituários num mundo econômico fictício, feito de valores abstratos num pregão de Bolsa para usufruto de apenas uma minoria versada na arte da jogatina financista, e submeter a ele e a seus beneficiários a economia real, dos investimentos, do emprego, dos salários e do consumo, revelou-se, tão somente, uma economia de cemitério, de terra arrasada, onde o capital deixa de ser capital para se tornar butim.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.