Lula recebe muitas críticas dos mais variados setores da esquerda e chega a ser tratado como se fosse um candidato do neoliberalismo no Brasil. Justamente aqueles que o acusam se negaram a se unificar em torno da única candidatura que tem chance de vencer Bolsonaro e os golpistas; optam por dividir o movimento e lançar candidatura própria, o que, em última análise, só pode favorecer a direita e o neoliberalismo.
Lula é um torneiro mecânico, teve toda sua vida ligada às fábricas e ao sindicalismo. O diferencial é que um dia percebeu, junto com seus companheiros, que era preciso ultrapassar a luta sindical e começar a luta política, uma vez que a ideia era de mudar as coisas. A sua percepção veio da luta real, não se trata de um acadêmico pequeno-burguês que faz todas as revoluções e derruba governos dentro da própria cabeça.
A origem de Lula, sua trajetória até chegar à presidência, foi sempre acompanhada da pressão popular. Quando começou a se candidatar havia uma militância aguerrida que fazia o corpo a corpo na boca de urna e tentava ganhar um voto que fosse ali, no último segundo. A ação militante era tão forte que a burguesia tratou, com o passar do tempo e a ação autoritária do TSE, de proibir ou dificultar qualquer tipo de campanha de rua. Hoje, basicamente só se pode usar a televisão, pois é onde a burguesia pode agir.
Sim, é criticável
É claro que os governos Lula são criticáveis, a primeira gestão, em grande medida, foi uma continuação do governo FHC. Tanto que o ‘mercado’, ao comentar o recente apoio de Henrique Meirelles à candidatura do ex-presidente, declarou que gostaria, se eleito, que Lula fizesse um governo similar ao primeiro.
Apesar de ter feito gestões conciliadoras, a burguesia de fato não quer Lula, como não quis Dilma Rousseff, sua sucessora, pois sabe que o PT e Lula têm apoio popular. E isso os pequeno-burgueses não entendem. Pois o pequeno-burguês não reconhece a força da classe trabalhadora, é apenas algo que ele despreza.
No entanto, é justamente isso, essa pressão popular, que faz com que apoiemos a candidatura Lula. Mesmo que o ex-presidente quisesse fazer uma gestão direitista, haveria uma pressão muito forte no sentido contrário. Tudo o que a burguesia não quer.
Lula fala com o povo
Todos temos que reconhecer que Lula é um grande comunicador, ele não é um político de laboratório, sua origem humilde faz com que ele fale de igual para igual com a classe trabalhadora. Até a imprensa burguesa foi obrigada a admitir que “Lula surfa em repercussão de entrevista para Ratinho”. O Estado de São Paulo, como não poderia deixar de fazer, completou: “e diz gostar de uma cachacinha”. Examente, Lula disse que gosta de uma branquinha e que tomou umas com Ratinho no Alto da Lapa, quando comeram uma rabada. Foi um momento de descontração e até o apresentador sorriu satisfeito. O que o jornalão não sabe, é que o povo gosta de ouvir isso, se identifica.
A entrevista de Lula ao Ratinho foi interessante para observarmos que Lula estava se sentindo à vontade, e até chegou a dizer no início: “conheço bem o seu público porque é o meu ambiente”. Isso soaria totalmente falso se saísse da boca de FHC, um intelectual outrora de esquerda e que se transformou em um dos maiores inimigos que a população brasileira já teve, responsável pela destruição do parque industrial nacional.
É bom que se diga que existem inúmeros intelectuais de esquerda pequeno-burgueses que se bandeiam para o lado da burguesia. Pessoas que fugiram da ditadura, se exilaram e depois se venderam de corpo e alma, tais como se encontra no PSDB e PV.
Apesar de a proposta da entrevista ser um bate-papo, não um enfrentamento, Lula não se intimidou e respondeu a todas as perguntas e não se incomodou em soltar contra Bolsonaro, se referindo à pífia construção de casas populares: “não fez porra nenhuma!”.
Vejamos rapidamente os temas abordados:
• Aumento do salário-mínimo
• Disse que investiria em ferrovias e indústria naval;
• Respondeu sobre financiamento de obras em outros países;
• Qual o maior erro do PT?
• O golpe contra Dilma Rousseff;
• Criticou Ciro Gomes quando ministro da Fazenda;
• Abordou questões do MST;
• Socialismo.
Uma das críticas que a Folha de São Paulo fez foi justamente porque Lula disse que aumentaria o salário-mínimo ‘aumentando’. A preocupação, é claro, do jornal burguês, é defender os interesses dos patrões e orçamento do Estado.
A questão das ferrovias e indústria naval é um aceno para quem quer ouvir sobre geração de empregos. Nessa linha, demonstrou que o financiamento de obras em outros países é dinheiro emprestado a juros que cria empregos de alto nível e venda de produtos para os países que recebem financiamento.
Talvez a parte mais interessante tenha sido sobre falar com todas as letras que Dilma sofreu um golpe, coisa que muitos figurões dentro do próprio PT não quiseram enfrentar. Teve desde “virar a página do golpe” do senador Humberto Costa; até um “golpe é uma palavra um pouco dura” de Fernando Haddad.
Existem setores da esquerda pequeno-burguesa que também afirmam não ter havido golpe; ou, no máximo, quer teria sido um golpe interno, entre setores da burguesia, ideia totalmente exdrúxula. O próprio Ratinho teve que admitir na entrevista que ele mesmo não sabe até hoje o que seria uma ‘pedala fiscal’.
Sobre o MST, Lula disse que não haveria invasão e aproveitou para dizer, para delírio dos naturebas, que o movimento é hoje o maior produtor sul-americano de arroz orgânico. Infelizmente, para os naturebas, Lula também falou sobre comer uma picanha com uma gordurinha, passada na farinha, para tomar com uma cervejinha gelada; que o povo gosta de coisa boa.
Na pergunta sobre o socialismo, Lula respondeu que antes de tudo era um torneiro mecânico; e, sim, se considera um cidadão de esquerda… um ‘socialista refinado que defende a propriedade privada’.
Apesar dessa frase contraditória, Lula é mesmo um torneiro, e tudo o que foi dito durante a entrevista é muito bem recebido pela população, o que faz dele um candidato com apelo popular. Por isso essa esquerda pequeno-burguesa, acadêmica, fez de tudo para impedir que o ex-presidente participasse das manifestações pelo Fora, Bolsonaro em 2021. Aliás, essa ‘esquerda’ foi quem de início rejeitou a palavra de ordem “Fora, Bolsonaro!”, pois considerava que o PCO estaria se precipitando.
Não estamos afirmando que intelectuais de esquerda sejam necessariamente uns pequeno-burgueses contrários à classe trabalhadora. Estamos combatendo aqueles que, ao se oporem a uma candidatura realmente popular, estão fazendo o jogo da direita.
Até segunda ordem, Lula é muito mais de esquerda que muito acadêmico que sabe O Capital de cor.