Ninguém deveria ser criticado por odiar Jair Bolsonaro, por odiar Donald Trump. O problema é que esse ‘ódio’ é, em grande medida, fabricado pela propaganda imperialista e, por isso, não é direcionado de maneira adequada. Finalmente, acaba não atingindo o alvo correto e servindo a outros propósitos.
Donald Trump foi transformado, por conveniência, em espantalho por meio de uma longa campanha de imprensa, tanto da capitalista quanto da independente. É claro que se trata de uma figura deplorável, mas não é isso que incomoda o imperialismo (que talvez até prefira esse tipo de indivíduo), a questão é que o grande capital internacional entrou em choque com Trump, que insistia em tirar dinheiro das guerras e repatriar os recursos para investir dentro dos EUA. Foi isso que motivou a campanha anti Trump, não o fato de ele ser um sujeito grosseirão, ligado à extrema-direita etc.
A direita logo percebeu que precisava colocar na presidência dos EUA, o principal país do imperialismo, um indivíduo totalmente alinhado ao grande capital financeiro e ao complexo militar, a máquina de guerra dos Estados Unidos. Esse homem de confiança era justamente Joe Biden, não Trump.
Joe Biden foi vice de Obama, o governo que tramou o golpe contra Dilma Rousseff; foi responsável, enquanto senador, por leis de encarceramento em massa de negros e latinos nos EUA; foi um militante aguerrido para aprovar a invasão ao Iraque. Apesar de uma extensa ficha corrida de crimes terríveis, esse senhor foi transformado em um ‘mal menor’ e sua eleição foi festejada pela quase totalidade da esquerda e pela imprensa ‘livre’.
Como pegar o patinho?
A armadilha que a direita usa é difundir o medo, e o medo só floresce nas cabeças que não conseguem analisar a realidade. Depois de criado o espantalho, uma espécie de bicho-papão, basta colocar ao seu lado qualquer um que se queira promover. Até mesmo Joe Biden, com todos seus crimes, ao lado do espantalho Trump, acaba sendo transformado em uma figura palatável, ainda mais trazendo a tiracolo como vice uma mulher negra. Automaticamente, os identitários começaram a elogiar Kamala Harris, passando olimpicamente por cima de seu passado.
Esse truque do espantalho é o mesmo que usarão, não será a primeira vez, nas eleições presidenciais deste ano. Bolsonaro será utilizado como espantalho para tentem atrair votos para algum candidato extremamente direitista, mas que parecerá democrático quando comparado com a ‘ameaça fascista’. O slogan será algo como “Tudo menos Bolsonaro”. O candidato da “Terceira via”, de preferência, será uma mulher, pois isso também aproveita a onda identitária.
Manipulação
Existe uma coisa que a direita sabe fazer muito bem: direcionar ideologicamente a pequena burguesia. Por exemplo: há vinte anos, mais pressionados pela esquerda, os ‘progressistas’ criticaram a invasão ao Afeganistão. Hoje, com o refluxo da esquerda e sob influência das ‘pautas identitárias’, os mesmos ‘progressistas’ lamentam a derrota do imperialismo carniceiro naquele país.
Como isso foi possível? O espantalho da vez foi o Talibã. O grupo é acusado de oprimir as mulheres. De fato, em determinadas sociedades os direitos das mulheres são bem escassos. Porém, após a invasão do ‘Ocidente civilizado e democrático’, a situação das mulheres no Afeganistão degradou de maneira brutal. Foram jogadas na miséria, na prostituição, na fome, perderam pais, filhos e maridos na guerra. Mas, os identitários ficam martelando na questão do machismo e a esquerda caiu na conversa.
O fato que é que, por faltar-lhe de um método correto de análise, a esquerda não consegue entender como muda de uma posição à outra. Bem como não consegue entender como se tornou direitista ao não mais defender a liberdade de expressão, por exemplo, assim como querer punição e cadeia para tudo e para todos.
O punitivismo é também estimulado, como vemos nessas campanhas de cancelamento. Basta ver o que fizeram com a Rússia após o início da operação especial na Ucrânia. Existe uma onda tão forte de cancelamento que queriam impedir a exibição de peças, ou músicas de autores russos de séculos anteriores.
Cadeia!
A esquerda passou a exigir sempre punições, e cada vez maiores, para opiniões, ou injúrias. Passou a exigir prisão para ofensas de cunho racial, ou contra as minorias sexuais, quando, historicamente, a esquerda sempre reconheceu que os presídios não resolvem os problemas sociais. De que adianta colocar na cadeia alguém que falou que travesti é homem? O único resultado imediato é que os presídios, que no Brasil são verdadeiros centro de tortura, fiquem ainda mais superlotados.
Com isso, o papel da Justiça está cada vez mais preponderante. Para tudo se recorre ao judiciário. A esquerda apenas se esquece que foram justamente os judiciários na América Latina que iniciaram essa nova modalidade de golpe de Estado. Honduras foi o primeiro caso, depois o Paraguai.
Como o STF, ao arrepio da lei, anda prendendo figuras direitistas e fascistoides que a esquerda detesta, o Supremo Tribunal Federal passou a ser adorado pela esquerda, ao ponto de alguns comentaristas da imprensa independente sustentarem que o STF é a “última linha de defesa da democracia”!
No Brasil, todos vão se lembrar, o golpe foi dado “com Supremo, com tudo…”. Não fosse a ação do STF que, contrariando a Constituição, mandou prender Lula ainda na segunda instância, Bolsonaro não teria sido eleito. O STF foi fundamental para se colocar no poder esse que, hoje, é comparado ao demônio. Como pode ser que aqueles foram peças-chave para a chegada do “fascista” ao poder, podem ser, ao mesmo tempo, defensores da democracia?
Pato capturado
A esquerda deu festa quando, com seu apoio, Biden foi eleito. A alívio geral se deveu ao fato de a humanidade ter sido, pelo menos provisoriamente, estar livre de um fascista. O único defeito dessa concepção, é que o ‘mal menor’ bombardeou a Somália e a Síria assim que se sentou na cadeira presidencial. Lançou a Rússia contra a Ucrânia e agora já está quase arranjando uma guerra com a China.
Por ter medo do ‘fascismo’, seria melhor enfrentá-lo, a esquerda acaba ficando refém da direita, não consegue ter uma política independente. Por conta do medo, estão todos aplaudindo a judicialização da política que está ocorrendo, neste momento, nos EUA.
O FBI está no encalço de Trump, todos aplaudem, assim como clamam pela prisão de Bolsonaro e toda sua família. Só se esquecem que foi justamente a justiça o principal meio que a extrema-direita tem utilizado para golpear a esquerda.
Por temer o fascismo a esquerda o está exatamente fortalecendo. Uma das principais características do fascismo, além de ser uma arma do capital contra a classe trabalhadora, é o avanço de um dos poderes do Estado usurpar as funções dos outros. Por exemplo, no Brasil o STF está invadindo as funções do Legislativo e também do Executivo, uma vez que interfere nas eleições e cassa mandatos.
A única maneira de barrar o fascismo é fortalecer a luta da classe trabalhadora e para isso é preciso ter uma política independente. A esquerda não pode cair na armadilha do ‘mal menor’ e muito menos apoiar e fortalecer as instituições do Estado burguês, pois com isso só estará dando mais poder ao próprio carrasco.
