No dia 18 de outubro, faleceu o militar de alto escalão norte-americano Colin Powell. Aos 84 anos, encontrava-se internado em decorrência do coronavírus. Nas décadas de 1990 e 2000, foi quando Powell se destacou, assumindo cargos de primeira linha nos governos dos Estados Unidos.
Colin Powell foi o primeiro secretário de Estado negro norte-americano. Embora isso seja apresentado como um grande feito, um avanço da luta do negro ou uma demonstração de tolerância por parte da “sociedade” norte-americana, os cargos que Colin Powell conquistou não beneficiaram em nada os oprimidos. Muito pelo contrário: apenas contribuiu para afogar em sangue negros, imigrantes e dezenas de povos mundo afora.
A tese de que Colin Powell teria sido um aliado na luta dos negros aparece claramente em artigo do portal Geledés, escrito no dia 18 de outubro em virtude de seu falecimento:
“Powell foi uma das figuras negras mais importantes dos EUA em décadas. (…) Ele foi o idealizador da ‘Doutrina Powell’, segundo a qual a guerra deve ser o último recurso, mas quando utilizada, a força deve ser esmagadora. Além disso, intervenções militares americanas só devem ocorrer quando há expressivo apoio da opinião pública e uma estratégia clara de retirada. (…) Em 2008, ele rompeu com seu partido para apoiar o democrata Barack Obama, que se tornou o primeiro afroamericano eleito para a Casa Branca”.
E assim segue a matéria, sem uma única crítica, sem apresentar qualquer fato negativo em sua carreira. A mensagem é clara: Colin Powell é um negro “que deu certo”. É um orgulho para os negros. É, conforme as palavras do próprio Powell, “acho que isso mostra ao mundo o que é possível neste país”.
Não se trata de uma peculiaridade do Geledés. Trata-se, sem tirar, nem por, da política do imperialismo, que foi quem criou e impulsionou essa campanha. Afinal, o objetivo dessa campanha é fazer com que os negros de todo o mundo se curvem diante da política criminosa de Colin Powell. Por décadas, o imperialismo procurou apresentar Colin Powell como um exemplo para os negros, de modo a tornar mais palatável sua política de guerras e massacres.
A história que o Geledés ignora
Filho de imigrantes jamaicanos, Colin Powell começou sua colaboração com o imperialismo em 1958, ao ingressar no Exército. Em 1962, foi enviado para lutar ao lado das forças reacionárias que invadiram o Vietnã. Uma guerra repudiada em massa pelos próprios norte-americanos e cujo fim foi celebrado como uma grande vitória dos oprimidos. Powell foi retratado como um herói de guerra, por ter se ferido supostamente tentando salvar soldados norte-americanos. Em 1968, chegou a receber uma “condecoração por bravura” após sobreviver a um acidente de helicóptero.
Ao longo das décadas seguintes, Powell foi recebendo uma série de promoções no Exército, até finalmente se tornar assistente militar do secretário de Defesa Caspar Weinberger, que ocupou o cargo durante o governo de Ronald Reagan. Como todos sabem, esses cargos no Exército são políticos, nada têm a ver com a perícia técnica ou a “bravura”. São indicações, e indicações feitas ou concedidas por bandidos como Ronald Reagan, responsável, entre tantos outros crimes, pelo bombardeio na Líbia e a invasão de Granada, bem como pelas hostilidades aos trabalhadores norte-americanos, aos sindicatos e à União Soviética.
Depois de se tornar assistente militar do secretário de Defesa, Colin Powell tornou-se ainda conselheiro de segurança nacional de Ronald Reagan. Com o governo de Bush “pai”, que era vice de Reagan, tornou-se chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas americanas. Nesse período, comandou a criminosa Guerra do Golfo de 1991.
Mas foi no governo de Bush “filho” que Colin Powell deu sua principal contribuição: foi decisivo para a guerra do Iraque. Vale lembrar que, naquele momento, até mesmo o bloco imperialista se encontrava dividido — a ONU não apoiou abertamente a invasão —, de modo que o relativo prestígio que Colin Powell tinha foi explorado para garantir que a guerra acontecesse. Segundo a imprensa norte-americana, Powell gozava de prestígio entre os republicanos — de que faziam parte Bush, Reagan e o próprio Colin Powell — e dos democratas, justamente por causa da campanha do “negro que venceu na vida” e do “herói de guerra”. Powell usou esse prestígio para, em sessão histórica da ONU, apresentar supostas guerras de destruição em massa que estariam na posse de Saddam Hussein.
Não demorou muito para que viesse à tona que essas armas não existiam: foi apenas um pretexto para a invasão. No entanto, em 2012, Colin Powell voltou a defender a invasão, dizendo que ao menos “o ditador” teria sido derrubado.
Um sucessor para Colin Powell
Depois de erguer Colin Powell como um “herói negro” para comandar massacres que mataram centenas de milhares de pessoas, o imperialismo procurou um outro negro para defender a sua política. E encontrou: Barack Obama, representante de uma das alas mais direitistas do Partido Democrata, tornou-se presidente dos Estados Unidos graças à campanha de que seria “o primeiro presidente negro da história”.
E não foi por acaso. Depois de anos e anos de governos profundamente neoliberais e beligerantes, com os quais Colin Powell tinha uma íntima relação, usaram a demagogia com o negro para fingir que alguma coisa mudaria. Pura mentira: o governo de Obama foi um dos mais pró-imperialistas do último período, iniciando guerras, como a da Síria, e impondo medidas repressivas contra os imigrantes e o próprio povo.
O apoio de Powell a Obama é parte dessa política.
Identitarismo, a arte de transformar os opressores em oprimidos
A manobra utilizada no caso de Colin Powell não é nova e está sendo utilizada em massa neste período. Afinal, o capitalismo se encontra cada vez mais decadente, e a política neoliberal é cada vez mais odiada pela população. Para garantir que ela passe, o imperialismo organizou, em larga escala, a promoção de direitistas, de verdadeiros funcionários dos bancos, mas que se passassem por progressistas simplesmente por fazer parte de algum setor oprimido da sociedade: mulheres, negros, LGBTs etc.
O caso de Colin Powell, no entanto, deixa evidente. Não é porque um negro foi alçado a uma posição importante que os negros serão beneficiados. Em geral, na verdade, trata-se exatamente do contrário: quando um negro, uma mulher, um índio ou um LGBT chega a um cargo importante sem que isso tenha sido resultado de um verdadeiro movimento de massas, trata-se de uma manobra dos maiores inimigos do imperialismo para continuar desferindo seus ataques contra o povo.