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Eternas ilusões

Chile: combate ao fascismo ou combate ao imperialismo?

Eleições no país andino são mais um passo da burguesia para a liquidação da insurreição popular

boric

Em sua última entrevista à TV 247, ocorrida no dia 20 de dezembro, o pré-candidato ao governo de Pernambuco pelo PCB, o youtuber Jones Manoel, apresentou ao público as suas impressões sobre a situação política no Chile. Especialista em escolher sempre o lado do imperialismo a cada momento em que se atreve a fazer alguma análise — em muitos momentos, no entanto, prefere fazer-se de mudo —, desta vez o youtuber surpreendeu àqueles que acham que todo poço tem fundo. No caso de Jones Manoel, a sua capacidade de defender os maiores inimigos da humanidade é ilimitada.

No dia 19 de dezembro, ocorreram as eleições presidenciais no Chile. O candidato neoliberal Gabriel Boric, em uma ampla coalizão que envolveu praticamente toda a esquerda institucional chilena, venceu as eleições contra o candidato de extrema-direita José Antonio Kast. A vitória de Boric foi muito celebrada pelos mesmos setores que, no Brasil, defendem a política de “frente ampla” entre a direita golpista e a esquerda. É o caso de Ciro Gomes e Guilherme Boulos, tendo este último ido pessoalmente ao Chile acompanhar a votação. Ou também de Luciano Huck e a Folha de S.Paulo.

O apoio a Boric por parte da esquerda é uma vergonha. O presidente eleito é um direitista que ficou contra as gigantescas manifestações populares no Chile e que apoia as tentativas de golpe do imperialismo na Venezuela e na Nicarágua.

Atento ao vexame que os apoiadores de Gabriel Boric estão passando, Jones Manoel preferiu adotar uma posição cautelosa. Não rasgou elogios a Boric, chegando a dizer que a política externa do ex-presidente Lula seria muito melhor que a do chileno. Ao mesmo tempo, sua crítica a Boric foi igualmente cautelosa e enganosa, alegando que “é incapaz de pedir o fim do bloqueio em Cuba”, e não que ele apoia a política de rapina do imperialismo em todos os países presidido por um governo com propensões nacionalistas.

Creditar a Boric “limitações”, e não o fato de ser um inimigo dos trabalhadores latino-americanos já demonstra um problema grave na análise de Jones Manoel. Há, no entanto, um problema ainda mais profundo: na tentativa de se descolar da esquerda pequeno-burguesa que declarou amores a Boric, Jones Manoel declarou seu amor ao imperialismo em si.

A tese que o youtuber apresenta para supostamente criticar Gabriel Boric é a de que a sua faceta direitista teria prejudicado a candidatura de uma coalizão de esquerda. Quando perguntado se foi a frente ampla formada no Chile que garantiu a vitória de Boric contra Kast, Jones Manoel respondeu que: “a vitória não se deu por uma frente ampla. A vitória se deu como fruto de um processo de rebeldia popular que o Chile vive”.

À primeira vista, a declaração de Jones pareceria uma crítica às alianças com a burguesia e, portanto, uma posição revolucionária. Afinal, a lição seria a de que a esquerda não deveria formar uma “frente ampla”, e sim uma frente de luta entre as organizações dos trabalhadores. O erro do youtuber, contudo, está em considerar que a vitória de Boric é o resultado da mobilização popular, quando, na verdade, trata-se do exato oposto.

Não é um equívoco analítico qualquer, mas decisivo. O objetivo da eleição de Boric é justamente o de fazer a mobilização popular regredir, o de derrotar os trabalhadores. Jones Manoel está dizendo que as eleições chilenas foram uma expressão da revolta popular. Mas isso não é verdade: nem a vitória de Boric, nem a eventual vitória de outro candidato esquerdista, representaria a insurreição magnífica que teve lugar no país a partir de 2019.

De acordo com o youtuber, a vitória de Boric seria (mesmo que degenerada) uma vitória do povo porque, caso José Kast ganhasse, o processo constituinte no país e “a superação do legado neoliberal pinochetista” estariam sob risco. Boric teria vencido, segundo Jones Manoel, não por seu mérito próprio, mas sim porque houve “todo um processo de mobilização, de defesa do legado constituinte, de defesa da superação do pinochetismo”.

O único argumento que o youtuber tem à mão para defender tal interpretação absurda é o de que Kast seria um “nazista”, alguém que “tem um histórico de declarações racistas e anti-imigrante”, que, em alguns aspectos, seria “pior do que Bolsonaro”. Embora isso seja um fato, elaborar uma política com base nesta constatação não é marxismo, é magia vodu.

O nosso treteiro de Twitter cai no mesmo abismo que a esquerda pequeno-burguesa, identitária e frente-amplista tem caído nos últimos anos, a nível nacional e internacional. A política do “mal menor”. Como, de um lado, havia um monstro, não foi de todo ruim a eleição de um fantoche do imperialismo, afinal esse fantoche não é tão feio e assustador como aquele monstro. Na verdade, o monstro não passa de um espantalho implantado pelo imperialismo para levar toda a esquerda a reboque de uma política ainda mais destrutiva do que a que poderia ser implementada por Kast.

Kast e o Partido Republicano são de extrema-direita? Sem dúvida. Um fascista na presidência do Chile seria um inimigo da mobilização popular? É óbvio. O erro de Jones Manoel, no entanto, está em ignorar espetacularmente quem era o adversário de Kast.

Ora, contra quem o povo chileno tem se levantado há anos? Quem é o grande inimigo do povo, que levou adiante uma política tão desumana que foi responsável pelo número inacreditável de suicídios entre idosos que ficaram sem aposentadoria? Quem mandou a polícia reprimir as manifestações do povo? De onde vem a política de transformar o Chile num campo de trabalhos forçados do imperialismo norte-americano?

Nada disso é invenção de José Kast. Essa política brutal é a política de uma classe: a burguesia chilena, sobretudo aquela que mais se rasteja aos pés do imperialismo. Quem vem maltratando o povo há muito tempo, quem inclusive apoiou Pinochet e quem sustenta o governo direitista de Sebastián Piñera não é José Kast: são os bancos, os mesmos capitalistas sanguinários que bombardearam todo o Oriente Médio, tratam os africanos como ratos de laboratório da indústria farmacêutica e deu um golpe militar na Bolívia.

O enfrentamento das massas, neste momento, não é com uma figura da extrema-direita, nem mesmo com um movimento específico da extrema-direita: é com a burguesia de conjunto mas, em particular, com o imperialismo.

Kast, neste sentido, é apenas uma das facetas da política bestial da burguesia pró-imperialista. É, assim como Bolsonaro, uma figura que está disposta a usar da mais extrema violência para defender os interesses dos patrões. No entanto, assim como no caso de Bolsonaro ou de qualquer outro governo de extrema-direita no mundo, o que mais importa não é a ideologia de um determinado político da burguesia. O que é determinante é a política que o imperialismo quer levar adiante.

Querendo um governo de força, que se imponha à população, que casse as liberdades democráticas e funcione como uma verdadeira ditadura, a burguesia pode fazê-lo, seja lá quem for o presidente. O fascismo português, um dos mais duradouros da história, teve como grande comandante um tecnocrata como Eduardo Leite ou João Doria. Mesmo que um fascista vença uma eleição, quando a burguesia não quer que ele estabeleça uma ditadura fascista, esse tipo de regime não se sustenta. O caso brasileiro demonstra isso claramente.

A grande questão na disputa entre Kast e Boric é: o que mais convém à burguesia no momento delicado em que vive o Chile? Seria melhor eleger um fascista, que geralmente é uma figura muito difícil de se controlar, por causa das contradições com o conjunto da burguesia, e que tenderia a ter choques muito frequentes com as massas, ou um “menino bem comportado”, que venha do próprio regime e que seja apoiado por um setor da esquerda, que teoricamente deveria ser opositora do regime?

É esse o caso de Gabriel Boric. As eleições não podem ser consideradas uma vitória justamente porque garantiram que a mesma burguesia inimiga do povo que vinha sendo combatida nas ruas continue no governo. Não há nada — absolutamente nada — que comprove, inclusive, que a vitória de Boric torne mais fácil que o povo chileno consiga sustentar o que Jones Manoel chamou de “processo constituinte” do que a vitória de Kast.

O interessante da análise de Jones Manoel é que ele próprio reconhece que Gabriel Boric foi implantado pela burguesia. Ele lembra que o candidato do Partido Comunista, Óscar Daniel Jadue, esteve em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, mas foi ultrapassado por Boric graças às manobras da direita. No entanto, após esse golpe que já se tornou caduco — é o mesmo caso que o de Bernie Sanders e Joe Biden nos Estados Unidos, por exemplo —, Jones Manoel acaba capitulando para a política do “mal menor”. Isto é, a de, confrontado entre dos delinquentes políticos, pois a burguesia liquidou o candidato que apoiaria, a esquerda deveria escolher um deles em vez de denunciar a operação.

Se as prévias foram uma fraude e, portanto, Boric é o candidato que a burguesia quer, por que a esquerda teria de apoiá-lo? A única justificativa possível é que essa esquerda não aprendeu nada com os inúmeros casos no mundo que demonstraram que a luta fundamental dos oprimidos não é entre “democracia” e “fascismo”, mas sim entre os trabalhadores e o imperialismo em todas as suas formas.

A menção de Jones Manoel ao Partido Comunista deixa mais uma brecha na sua justificativa para apoiar a vitória de Boric. Caso Jadue fosse o candidato da coalizão da esquerda, ainda assim as eleições seriam um retrocesso.

No Brasil, a situação política ainda não é tão intensa e, diferentemente do que há no Chile, o ex-presidente Lula expressa uma tendência de luta contra o golpe de Estado. Dezenas de milhões de pessoas apoiam Lula espontaneamente porque acreditam que ele irá combater a fome, o desemprego e a liquidação do patrimônio público. Ter Lula candidato mobiliza, faz com que os trabalhadores encontrem algo pelo que lutar e entrem em movimento contra a direita. A candidatura de Lula (independentemente de seu programa e de suas ideias), por mobilizar milhões de trabalhadores, é uma locomotiva que tem o potencial de puxar a rebelião popular, diante do refluxo geral do movimento operário e da política de capitulação e colaboração de classes da própria esquerda.

No Chile, por outro lado, não há uma figura como Lula, que seja uma liderança original da classe operária, que seja expressão do movimento popular ─ o que já torna a disputa eleitoral um terreno desfavorável. E não é à toa: nem o partido comunista, nem qualquer político tradicional da esquerda se colocou na tarefa de dirigir as mobilizações que começaram em 2019. Uns tiveram a capacidade de se colocar abertamente contra os manifestantes. Os que não o fizeram se recusaram a levantar a palavra de ordem de “Fora Piñera” e traíram o movimento sucessivas vezes, fazendo uma série de acordos com o regime à revelia do povo. Levaram a insurreição das ruas para o terreno institucional, totalmente controlado pela burguesia ─ essa é a real natureza da Constituinte “fake” e das eleições que deram a vitória a Boric.

A mobilização no Chile tinha características revolucionárias. Caso a esquerda não fosse tão dependente e tutelada pela burguesia e pelo imperialismo, e organizasse os trabalhadores, estes teriam derrubado não apenas Piñera mas todo o regime político e tomado o poder em suas mãos em uma verdadeira revolução social. A situação era essa. Tudo o que veio depois disso ─ a Constituinte e as eleições ─ significaram um imenso retrocesso para os trabalhadores.

O que ocorreu no Chile foi como a cena de Tom & Jerry, na qual o cão vê um pedaço suculento de carne e, imaginando como seria delicioso devorá-lo, quando ataca e o morde já não encontra mais carne nenhuma e apenas osso. O povo chileno tinha um pernil assado mas a esquerda e a burguesia o enrolaram tanto que, quando foi comê-lo, só conseguiu morder um osso.

Caberia então ao povo chileno ficar de braços cruzados? Lançar um candidato que não contasse com o aparato dos partidos de esquerda e vê-lo ser derrotado? Deixar a burguesia escolher o próximo presidente? Não, pelo contrário.

A mobilização no Chile, em seu auge, adquiriu os contornos de uma mobilização revolucionária. O próprio Jones Manoel admitiu que, segundo ele, seria “um dos processos de rebeldia mais intensos da América Latina nos últimos trinta anos e, de longe, o mais intenso e mais profundo da última década”. Em 2019, ano em que também explodiu a crise política no Equador, o país beirava uma insurreição. O apoio das massas era unânime, a repressão cegou, matou e prendeu sabe-se lá quantos, mas era incapaz de tirar o povo das ruas.

Em uma situação como essa, o único programa que a esquerda pode ter é a tomada do poder. O governo Piñera já não era nada. Seu único ponto de apoio eram as Forças Armadas, que se desmoralizavam cada vez mais na medida em que não continham a revolta.

As inúmeras revoluções do século XX ensinaram uma lei incontestável da política. Quando a revolução está amadurecida e a esquerda decide não tomar o poder, a burguesia rapidamente organiza a contrarrevolução e a classe operária conhece um retrocesso fulminante.

E é o que está acontecendo. Todos — absolutamente todos — os partidos do regime, justamente por estarem ligados ao regime, estavam na retaguarda do movimento — ou melhor, não faziam parte do movimento. O movimento é um grito desesperado contra a ditadura da burguesia, um ato de sobrevivência, para quem sobreviver significa se livrar da direita. Como os partidos são contra romper com a direita, traíram o movimento a todo momento.

A maior traição delas, que é apresentada por Jones Manoel como uma vitória da mobilização, é justamente a Assembleia Constituinte. A assembleia foi apresentada como uma grande iniciativa, que poria fim ao regime pinochetista. Mas como iria pôr fim ao regime pinochetista, se ela iria acontecer sob a ditadura do herdeiro de Pinochet? A Assembleia Constituinte, que pareceria grande coisa, poderia ser de fato grande coisa. Mas foi apenas um “anel” — de latão, diga-se — que a burguesia deu para não perder os dedos. Em troca de manter Piñera e seus cupinchas no poder, a burguesia deu de presente um incrível… nada. Uma assembleia que não vai (até porque não quer) conseguir resolver qualquer problema profundo, uma vez que não será um processo verdadeiramente democrático.

Jones Manoel chama de “constituinte pós neoliberal” uma constituinte que está sendo organizada por um dos maiores vampiros da América Latina!

A situação no Chile está em retrocesso desde o momento em que se fez o acordo da Assembleia Constituinte. Desde lá, a situação só tem piorado. Desde lá, a burguesia tem tomado terreno. As eleições, neste sentido, são uma segunda fase da contrarrevolução. Se a constituinte foi um anel de latão, a eleição de Boric é um anel de excrementos.

Cada vez mais, o povo chileno vai assimilando que deu a vida nos últimos anos para… nada. Para uma constituinte que não vai expropriar o latifúndio, nem a burguesia. Para uma eleição que vai eleger um neoliberal. Deixará de lição, portanto, que a mobilização toda está sendo em vão. Até o momento em que as massas voltarem a se radicalizar e passar por cima de toda essa esquerda que está represando a luta do povo. Porque, ao contrário do que poderia concluir a burguesia e os adeptos da conciliação, a crise capitalista é tão intensa que mesmo essas manobras têm um sentido apenas paliativo.

E o Chile depende do restante da América Latina, principalmente do Brasil. Aprendendo com os erros e traições no Chile, os trabalhadores brasileiros podem mostrar o que realmente é necessário fazer para derrotar a direita e o imperialismo e abrir novos horizontes (reduzidíssimos pela esquerda chilena) a todos os nossos irmãos latino-americanos.

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