Honduras teve o inglório “privilégio” de sediar o primeiro dos golpes de Estado na América Latina após a crise de 2008. O seu presidente, o líder nacionalista Manuel Zelaya, foi deposto pelas Forças Armadas corrompidas pelo imperialismo. Durante mais de uma década, o povo hondurenho sentiu na pele os ataques vampirescos da política neoliberal, as perseguições e assassinatos de ativistas e líderes sindicais e campesinos e o fechamento do regime, que contou com eleições tuteladas pelos militares golpistas.
No ano de 2021, no entanto, a situação mudou. De forma semelhante ao caso da Bolívia, onde o povo se insurgiu contra o golpe de Estado e obrigou a burguesia a recuar, as massas hondurenhas levaram a crise política a tal ponto que o nacionalismo hondurenho agora está retomando o governo. Pressionado pelo imperialismo, o próprio Manuel Zelaya não concorreu à presidência, mas lançou a candidatura de sua cônjuge, Xiomara Castro, que acabou de derrotar o direitista Nasry Asfura.
Durante o tempo em que os golpistas estiveram no poder, o povo comeu o pão que o diabo amassou. O ódio da população, portanto, é imenso. O povo quer se ver livre dos militares golpistas, da burguesia parasita, dos colaboradores dos norte-americanos e da extrema-direita que é tão bandoleira e assassina como a colombiana ou a bolsonarista. E é por isso que Xiomara conseguiu se eleger: o programa das massas é de varrer o imperialismo para fora de Honduras, de tal modo que a burguesia, seguindo a máxima de ceder os anéis para não perder os dedos, permitiu que a esquerda vencesse as eleições.
Acontece que o programa de Xiomara Castro não é o mesmo programa que o povo precisa. Xiomara Castro é uma liderança do nacionalismo burguês. Um movimento muito poderoso e popular, mas extremamente contraditório. Um movimento que procura conciliar os interesses dos sofridos camponeses hondurenhos com um setor do latifúndio, da incipiente classe operária hondurenha com a burguesia pró-imperialista e sanguinária hondurenha. Por ter um pé cá e outro lá, o nacionalismo burguês, por mais que se radicalize, é incapaz de levar adiante plenamente as reivindicações da classe operária e pobre de qualquer país, pois, para isso, é preciso romper com a burguesia.
O novo governo hondurenho que ainda será empossado já vai dando provas de suas limitações. Uma das condições fundamentais para que a eleição de Xiomara Castro servisse de impulso para a derrota do golpe era a de vir acompanhada de modificações profundas do regime. Entre elas, naturalmente, a mudança da própria Constituição.
A promessa de promulgação de uma Assembleia Constituinte acompanhou toda a campanha de Xiomara Castro. Agora vencedora, no entanto, a esquerda nacionalista hondurenha dá mostras de que não pretende levar adiante a proposta, sobretudo para não infligir os acordos costurados com o setor mais direitista da frente formada para as eleições. Em entrevista recente à emissora russa RT, Zelaya confessou que, ao discutir as alianças com os setores “de centro-direita e direita”, foi indicado que “naquela altura não existiam condições” para convocar a assembleia. “Agora, não é uma proposta atual”, disse Zelaya.
O recuo de Xiomara Castro e Manuel Zelaya só mostra o caráter contraditório do nacionalismo burguês. É preciso, portanto, que a classe operária tenha uma política própria: apoio incondicional ao nacionalismo em sua face progressista, que é o seu conflito com o imperialismo, e organização independente para as suas reivindicações que estão em conflito com o conjunto da burguesia, a fim de romper com ela e edificar um governo dos trabalhadores.