A crença de grande parte da esquerda na lisura do processo eleitoral controlado pela burguesia se assemelha a outras crenças religiosas. O exercício contínuo de ignorar a realidade concreta parece deixar esses setores anestesiados em relação a novos fatos e revelações. É o caso do levantamento realizado pelo DCO acerca das relações políticas em torno da empresa que fornecerá as urnas eletrônicas para as eleições 2022 (leia a matéria na íntegra aqui).
A falta de um programa político sólido joga até gente bem intencionada no colo da burguesia, além dos oportunistas profissionais. Recentemente, bastou Bolsonaro levantar suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas contra fraudes, provavelmente até com conhecimento de causa, para que a esquerda pequeno-burguesa abraçasse uma defesa apaixonada do processo eleitoral brasileiro como um todo.
O mesmo Supremo Tribunal Federal (STF) que avalizou o golpe de 2016 foi alçado, em meio ao desespero dessa esquerda, à condição de “guardião da democracia”, inclusive seus ministros que compõem o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A burguesia prepara uma forte ofensiva em 2022 e usará esses órgãos para limitar ainda mais o poder de alcance da esquerda, inclusive aquela que vem elogiando o judiciário brasileiro.
Agora que o criador da empresa responsável pelas urnas eletrônicas é um político que passou quase duas décadas no PSDB e pousou no Podemos em 2018, essa fé na lisura das eleições parece não ter sofrido qualquer abalo. Nem mesmo pelo fato de que o provável candidato à presidência pelo Podemos é ninguém menos do que o ex-juiz Sérgio Moro, que interferiu diretamente nas eleições anteriores ao retirar o candidato mais popular da disputa.
Obviamente que não se trata de fazer uma defesa igualmente cega do voto impresso, porém é inegável que auditar uma urna de votos impressos é possível para o cidadão comum ao passo que quando se tratam de urnas eletrônicas a imensa maioria da população não tem a menor chance de garantir uma auditoria. Aliás, problemas muito mais simples de computador muitas vezes já são verdadeiras barreiras entre o usuário e a tarefa a ser realizada, sendo necessária a ajuda de um profissional.
Porém, a esquerda pequeno-burguesa, completamente imersa na farsa das instituições burguesas, está segura de que todas as forças políticas que controlam o processo eleitoral no país estão unidas em prol do bem comum, da “democracia”. E que por isso, o povo deve confiar cegamente num mecanismo que desconhece por completo.
Esse papel caberia mais propriamente à direita, que representa os interesses daqueles que querem que as coisas permaneçam do jeito que estão. À esquerda o que cabe de fato é estimular a desconfiança e a revolta contra um sistema que marginaliza a maior parte da população mundial, que tudo produz e quase nada tem.
Agora que nem Bolsonaro questiona mais a “lisura” das urnas eletrônicas, quanto tempo mais a esquerda vai precisar para se dar conta de que entrou em uma barca furada? Como explicado anteriormente neste Diário, a manobra eleitoral da terceira via consiste em eleger uma figura política sem votos, por margens bem pequenas muitas vezes. Quando isso ocorrer, a esquerda vai questionar ou desejar “boa sorte” ao direitista eleito?