Na última semana, muito se discutiu sobre a declaração feita pelo ex-presidente Lula em favor do direito ao aborto. Sua fala, em si, não deveria merecer todo o tumulto que causou — tratou-se apenas da defesa de um direito elementar do movimento de mulheres. No entanto, ela serviu para que a extrema-direita e a própria direita golpista, alicerçada na imprensa burguesa, saísse em uma campanha visceral contra o “monstro” Lula.
A questão do aborto sempre marcou uma importante linha ideológica nas eleições brasileiras. Defender de fato o aborto é uma demonstração de princípios, uma forma de mostrar que o compromisso com o programa tradicional da esquerda e dos trabalhadores está acima das pressões reacionárias contra os direitos democráticos da população. Afinal, para cada raro momento em que alguém aparece em rede nacional defendendo o direito ao aborto, há outros cem mil direitistas rosnando e chamando de “assassino de bebês” quem o faça. E ainda há os elementos infiltrados na esquerda nacional que pretendem obter a bênção da burguesia para vencer um pleito, que se alternam entre o silêncio absoluto sobre o assunto e, em casos como o da ex-psolista Heloisa Helena, a defesa da criminalização do aborto.
O fato de Lula vir a público defender o direito ao aborto, portanto, não é um incidente isolado. Lula é de longe o político mais experiente na disputa eleitoral de 2022 e sabe muito bem o que sua declaração significa. Por mais contraditório que seja, em tempos de Geraldo Alckmin como vice, a declaração é parte de uma guinada à esquerda que o próprio petista tem dado. Essa guinada, por sua vez, não é parte de um desejo individual de Lula, mas a expressão da polarização política no País.
O que Lula mostra ao defender o direito ao aborto é que sua candidatura está, de fato, atrelada a um movimento. Não é a candidatura de um indivíduo, mas sim de um representante da luta das massas, que evolui cada vez mais para um enfrentamento total com o regime. Lula expressa, portanto, não só a capacidade de a esquerda derrotar eleitoralmente o governo Bolsonaro, mas sim uma tendência à derrubada do regime reacionário que está torturando os trabalhadores.
Por mais que a declaração expressasse uma radicalização de Lula, a extrema-direita bolsonarista comemorou ao ouvir sua fala. Afinal, como praticamente não houve quem defendesse Lula no interior da esquerda, a direita se sentiu à vontade para criticar o ex-presidente. A ala direita do PT chegou a criticar publicamente a declaração de seu pré-candidato! Ciro Gomes, um dos maiores abutres que agouram a candidatura de Lula, também aproveitou para criticá-lo.
Declarações como essa não devem ser alvo de críticas por parte da esquerda. Devem, na verdade, ser incentivadas. Quem na esquerda se colocou contra a declaração de Lula, além de apoiar uma política muito reacionária — a prisão de mulheres que querem interromper a gravidez —, ainda está abrindo as portas para uma profunda ilusão. Isto é, a de que a burguesia irá permitir a vitória de Lula caso ele não se mostre “radical”.
Ledo engano. A única coisa que pode garantir a vitória de Lula são as massas. E para ganhar as massas, Lula deve defender o programa do povo, e não o programa da direita.
