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Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Funarte

Um proprietário sem cérebro

O governo Bolsonaro decidiu nomear como presidente da Funarte o direitista Dante Mantovani, defensor do que chama de "conservadorismo musical".

Por Victor Assis

Na última semana, a indicação do racista Sérgio Nascimento Camargo como chefe da Fundação Palmares causou bastante repercussão no movimento de luta contra o golpe. Contudo, essa não foi a única nomeação bizarra feita recentemente: o direitista Dante Mantovani acaba de ser anunciado pelo governo Bolsonaro como novo presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte).

Mantovani é uma daquelas figuras toscas do governo Bolsonaro que foi educada pelo astrólogo Olavo de Carvalho. Dono de um canal no YouTube com pouco mais de sete mil inscritos, o mais novo presidente da Funarte vem, há três anos, difundindo todo tipo de aberração relacionada às artes.

Falar que um bolsonarista é um monumento à ignorância não implica em nenhuma novidade, de modo que dedicar esta coluna a ultrajes direcionados a Dante Mantovani seria o mais puro desperdício. No entanto, a tese do chamado conservadorismo musical, que é defendida pelo presidente da Funarte, nos oferece uma oportunidade para demonstrar, mais uma vez, a podridão do modo de produção capitalista.

No currículo de Mantovani, escavado pela própria imprensa burguesa, constam declarações de que o rock seria um gênero musical utilizado para difundir o satanismo, de que o grupo britânico The Beatles seria parte de uma conspiração para a implantação do comunismo e de que o fascismo seria parte da doutrina esquerdista, entre outras tantas loucuras. Chama bastante atenção, por outro lado, que, em seus vídeos, o direitista sempre critica as manifestações artísticas contemporâneas, convidando os seus seguidores a voltar ao passado para terem uma apreciação musical supostamente de melhor qualidade.

Segundo Mantovani, a música dos dias atuais estaria em uma fase de profunda decadência porque estamos em uma sociedade “de massas” – isto é, em um momento em que a sociedade se desenvolveu ao ponto de produzir e fornecer cultura em larga escala. Desse modo, ao contrário do que acontecia antes, ao invés de a produção artística envolver poucas pessoas – desde sua produção ao seu consumo -, agora ela teria passado a abranger milhões de pessoas, o que, obrigatoriamente, levaria a uma queda na qualidade artística. Esse período de massificação teria início, aproximadamente, no começo do século XX.

A tese de que a baixa qualidade é produto da industrialização e da massificação do consumo, defendida pelo novo presidente da Funarte, apresenta uma série de incoerências. Primeiramente, é preciso considerar que a industrialização não é um processo que acontece apenas nos séculos XX e XXI, mas sim de muito tempo antes. O fortepiano, que é o instrumento que deu origem ao piano moderno, foi construído no século XVIII, apontando novas perspectivas para a música para teclados na época. Já o violão moderno, resultado sobretudo dos esforços de Francisco Tárrega e Antonio de Torres, foi construído no século XIX. O metrônomo, aparelho popularizado por Ludwig van Beethoven, data do início do século XIX.

Não foram só os instrumentos que sofreram uma grande transformação nos séculos que precederam a chamada decadência cultural do século XX. A relação entre os músicos e compositores e a própria sobrevivência na sociedade foi alterada drasticamente. As sucessivas inovações tecnológicas na impressão e editoração de partituras permitiram que os músicos e compositores conseguissem, em alguns momentos, se libertar do patrocínio do clero e da nobreza para ter uma atuação mais independente.

Ludwig van Beethoven, considerado como um dos mais geniais compositores de toda a história da música, é produto desse período, em que a industrialização permite que os músicos rompam com os grilhões do mundo feudal e, consequentemente, elevem a música ocidental para outro patamar. Beethoven foi, ele próprio, o maior patrocinador de si mesmo, tendo inclusive estreado a sua primeira sinfonia sem nenhum grande incentivo. A independência de Beethoven, conquistada através das novas formas de relação da sociedade de sua época, permitiu que, já no fim do século XVIII, o músico trouxesse para as salas de concerto uma série de inovações, como o estranho – para a época – início da sinfonia, em que aparece o inesperado acorde de dó com sétima menor, dominante da tonalidade de fá maior.

O espírito desbravador de Beethoven, junto com uma série de outros compositores do período, marcou o período de progresso da sociedade capitalista nos séculos XVIII e XIX. Reza a lenda que, ao fechar um contrato, Beethoven teria, vendo a assinatura de seu contratante como proprietário de terras, assinado: Ludwig v. Beethoven, proprietário de um cérebro.

Se na época de Beethoven, a ruptura da arte nas cortes – isto é, da arte de poucos para poucos – foi um fator que elevou a produção cultural, por que, então, os dias de hoje seriam marcados por uma decadência? Isso nada tem a ver com a massificação – uma vez que isso impulsionou todo um progresso anterior -, mas sim com o simples fato de que o período apontado por Mantovani é justamente o período de decadência do modo de produção capitalista. A sociedade capitalista é uma sociedade esgotada e, portanto, não suporta nenhuma grande inovação: eis o motivo da decadência cultural.

O esgotamento do capitalismo, que já ultrapassou seu primeiro século, é tanto que está fazendo esse modo de produção apodrecer em todo o mundo. A ciência não consegue avançar há muito tempo – vários são os relatos de que a cura para o câncer já teria sido descoberta, mas a pressão da sociedade capitalista impede seu desenvolvimento. A indústria, que teve, entre os séculos XVIII e XIX, um desenvolvimento brutal, não apresenta nenhuma grande inovação há muito tempo. A música não poderia deixar de ser diferente – a produção cultural está toda sob o controle dos capitalistas, que são incapazes de gerir um sistema que traga algum benefício para a humanidade.

De acordo com notícias recentes, a empresa Promocom Eventos e Publicidade está cobrando à família do vocalista da banda Charlie Brown Jr., conhecido como Chorão, uma multa de mais de R$ 300 mil reais por não ter realizado nove shows. O absurdo da história é que Chorão estava morto, de maneira que não poderia ter participado dos shows em questão. Segundo a notificação que cobra a multa, Chorão “faleceu sem atender à totalidade das obrigações assumidas”. Esse exemplo, por si só, mostra a artificialidade dos negócios que envolvem a produção cultural, mantida sob controle dos capitalistas. Se os negócios são tão artificias, é óbvio que não haverá nenhum grande salto cultural enquanto a produção estiver sob o domínio desses parasitas.

Dante Mantovani é incapaz de fazer uma crítica dessas ao capitalismo porque ele, assim como Bolsonaro e todo o seu governo, são dependentes da burguesia e de todo o seu regime de exploração. Independente do que Mantovani acredite ou não, ele, como qualquer outro funcionário recrutado pelo governo Bolsonaro, assumirá o posto com um único objetivo: permitir que os capitalistas prossigam sua guerra contra todo o patrimônio do povo brasileiro.

Em vez de defender a derrubada do capitalismo como única forma de superar a decadência cultural, Mantovani faz o seguinte apelo aos seus seguidores: “a alternativa a isso é estudarmos e conhecermos os grandes mestres da história da música, como Monteverdi, Bach, Mozart, Beethoven, Verdi, entre tantos outros”.

Contrapor a decadência cultural à obra dos artistas citados pelo novo presidente da Funarte é inaceitável. Afinal, como tolerar que um bolsonarista, que prega a destruição de todo o patrimônio cultural do povo e a manutenção do capitalismo, fonte máxima de decadência, saia em defesa da obra de músicos que se destacaram justamente em momentos em que a sociedade lutava para superar a estagnação medieval? Beethoven, Mozart, Bach – em resumo, qualquer grande músico da história – não pertence ao mundo apodrecido e decadente que Dante Mantovani está esculpindo. É preciso, portanto, chutá-lo para fora da Funarte, bem como todo o esgoto cultural do governo ilegítimo. Fora Bolsonaro e todos os golpistas!

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