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Ric Jones

Política e Mulheres

Representatividade?

O erro está em acreditar que a simples mudança no gênero, cor da pele ou orientação sexual poderá representar a mudança.

Em 2021 pela primeira vez formou-se a “bancada das mulheres” no senado da República.

Faz alguns poucos dias, um articulista de esquerda liberal reclamava da baixa representatividade feminina na Câmara de Deputados. Exaltava a importância das mulheres nos espaços públicos e afirmava de forma categórica que “se houvesse mais mulheres no poder legislativo a legalização do aborto já teria sido aprovada”.

Será mesmo?

Vejamos: temos 77 parlamentares mulheres em um universo de 513 representantes, onde 15% das vagas são ocupadas por quem representa mais de 52% da população brasileira. Por certo que é pouco, mas já houve avanços: em 1982 eram apenas 8 mulheres no congresso, e em 1998 somente 28. Hoje, já se pode dizer que existe uma real “bancada feminina” no Congresso Nacional. Não há dúvida que as mulheres são uma categoria sub-representada e que isso certamente tem consequência nas políticas que são defendidas pela casa legislativa. Entretanto, seria possível dizer que se elas fossem 52% da casa (a real representatividade do gênero) seria muito diferente? Haveria uma facilidade para aprovar pautas que as feministas desejam ver aprovadas? Haveria progresso na equidade de gênero, distribuindo de forma igualitárias ganhos, deveres e direitos?

Creio que esta suposição não passa de uma fantasia, um desejo sem lastro na realidade, e apresento alguns dados que podem confirmar minha perspectiva. Não acredito ser possível desenhar uma linha reta ligando a representatividade de gênero com as políticas em favor da mulher. O mesmo em relação aos não-brancos, igualmente pouco representados. O que vemos hoje é que a maioria das parlamentares da bancada federal é conservadora e aliada de Bolsonaro. Surpresos? Pois não deveríamos estar, pois as mulheres no Brasil não tem uma postura muito diferente daquelas dos homens no que se refere à posição no espectro político. Das 77 deputadas eleitas em 2018 para a atual legislatura 55 votam com Bolsonaro. Ou seja, 71% das mulheres representantes no Congresso Nacional são conservadoras e não seria difícil perceber que sua posição frente ao aborto seria absolutamente contrária à legalização. Segundo a reportagem, a pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política (Gepô) da Universidade de São Paulo (USP), Hannah Maruci frisa que “mais da metade das mulheres eleitas estão à direita no espectro político -– ou seja, mais próximas à posição política do presidente”.

Podemos reclamar de Damares Alves, pela sua postura reacionária e dogmática no que diz respeito aos direitos femininos, mas é injusto dizer que ela não representa a média das mulheres brasileiras.

Contrariamente a outros países do mundo, a participação das mulheres na política representativa é extremamente baixa no Brasil. O país com a maior representatividade é Ruanda com surpreendentes 63% de parlamentares mulheres, país da África que foi devastado por uma guerra civil que matou mais de um milhão de habitantes nos anos 90 do século passado. Cuba em segundo lugar, tem uma representatividade que se aproxima do percentual de mulheres no país, e a maior presença de mulheres na esfera política é um dos claros e inquestionáveis resultados do processo revolucionário cubano. O Brasil ocupa a vergonhosa posição 145, entre a Índia e Gana.

Em um estudo realizado na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, com quase 1500 mulheres entre 15 e 49 anos de idade, apenas 30% delas se posicionaram positivamente à legalização irrestrita do aborto – como é o desejo de muitas feministas – o que está em sintonia com a representação de mulheres progressistas na atual composição das mulheres do poder legislativo.

É evidente que não se pode dizer que a representatividade é inútil e/ou supérflua. Muito pelo contrário: ter pessoas que sentem na pele a “dor e a delícia” de serem mulheres, negros, gays, trans, indígenas e outras minorias, representando os interesses de sua identidade, é um fato que devemos perseguir para uma sociedade mais plural e mais diversa. Todavia, o erro está em acreditar que a simples mudança no gênero, cor da pele ou orientação poderá fazer este trabalho. Não, ele só ocorre quando se acresce à representatividade um elemento essencial para as lutas populares: a consciência de classe.

“Representatividade sem consciência de classe é ciranda”. Pouco efeito teve para as lutas históricas da comunidade negra o acesso de Fernando Holiday à Câmara de Vereadores da maior cidade do País, muito menos a eleição de “Hélio (Bolsonaro) Lopes” pelo Rio de Janeiro. Igualmente não ocorreu nenhum progresso significativo com a entrada de Thammy Miranda na vereança de São Paulo – representando a comunidade trans – ou uma melhoria para a mulher trabalhadora e seus filhos com a eleição da “Comandante” Nádia em Porto Alegre, ambos filiados aos grupos políticos mais reacionários do atual cenário político-partidário brasileiro. As mulheres pouco ou nenhum avanço vão alcançar tendo Joyce Hasselmann, Carla Zambelli, Simone Tebet, Bia Kicis ou Major Fabiana a representá-las, pois que estas mulheres estão alinhadas aos setores financeiros, ao empresariado, ao agronegócio, aos rentistas e algumas (senão todas) aos mais abjetos interesses do imperialismo. Portanto, as conquistas para a franja mais desassistida da população só serão atendidas quando os representantes – de qualquer identidade – estiverem empoderados para encampar as lutas da população mais oprimida, o que inclui negros, mulheres, gays, trans, etc…

A representatividade vazia é como um corpo sem alma. Pode impressionar por pouco tempo e dar a impressão de que os cidadãos vão se reconhecer no parlamentar, mas a falta de sintonia e conteúdo com o tempo fará crescer a decepção pois os valores conservadores que estes parlamentares carregam ultrapassam as graves questões sociais pelas quais deveriam lutar.
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* as opiniões dos colunistas não refletem, necessariamente, as deste Diário.

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