Há algumas semanas, em reunião entre organizações que compõem a Frente Brasil Popular, chamou-me bastante a atenção um argumento levantado para justificar a política reacionária de não fazer atos pelo Fora Bolsonaro em Pernambuco. Na ocasião, alguns dirigentes da esquerda defenderam que Pernambuco seria “diferente” de São Paulo, e que, portanto, neste estado seria válido fazer uma manifestação, enquanto naquele o povo deveria ficar em casa. Se o pretexto é absurdo, mas absurda ainda é essa suposta “diferença”.
Os dirigentes que levantaram esse “brilhante” argumento afirmaram que, em São Paulo, o povo teria motivos a mais para se revoltar. Afinal de contas, além de serem submetidos a todo tipo de ataque por parte do governo Bolsonaro, o povo paulista também estaria sendo atacado pelo fascista João Doria (PSDB). Nisso, obviamente, não temos discordância: a política do governo Doria é mais uma dura agressão contra o povo de São Paulo. No entanto, a questão que fica é: se os trabalhadores em São Paulo estão sendo tratados como animais, o que diremos do povo pernambucano?
Em números, podemos afirmar que São Paulo tem 20 mil mortes causadas pelo novo coronavírus. Sim, um número espantoso e que se deve a Bolsonaro e a João Doria. Mas, para fazermos a devida comparação, somos obrigados a apresentar outros dados: o estado conta com 44 milhões de habitantes e teve 415 mil casos confirmados de COVID-19. Por fim, precisamos destacar que São Paulo conta com o maior polo médico-hospitalar do País e é o estado onde há maior facilidade para se fazer o teste para o novo coronavírus.
Pernambuco, por outro lado, tem 6 mil mortes causadas pela pandemia e 80 mil casos confirmados de COVID-19. O estado, no entanto, tem uma população de apenas 9,3 milhões. Vamos cruzar os dados, então?
Proporcionalmente, o coronavírus matou 0,045% da população de São Paulo. Em Pernambuco, no entanto, esse número sobe para 0,065%. O índice de letalidade de São Paulo — isto é, a proporção de pessoas contaminadas com o coronavírus que vieram a óbito — é de 4,82%. Em Pernambuco, esse número chega a 7,5%. Por fim, se fôssemos aplicar as proporções de Pernambuco ao estado de São Paulo, teríamos mais de 28 mil mortos.
Os números em Pernambuco são, portanto, bastante macabros. Mostram, sem deixar margens para quaisquer dúvidas, que o povo está, literalmente, morrendo por causa da crise sanitária instalada no País. Mas essa “tese” de que Pernambuco estaria sendo bem gerido, contudo, não parte de uma mera confusão ou de falta de informação, mas sim de uma política bastante consciente por parte da esquerda pequeno-burguesa: a política da “frente ampla”. Ou, dita de maneira mais clara, a política de colaboração com a direita golpista.
Em entrevista recente ao jornal Folha de Pernambuco e à Rádio Folha FM 96.7, Luciana Santos, presidenta nacional do PCdoB, não poupou elogios ao governo de Paulo Câmara (PSB), que comanda o estado de Pernambuco: “Decidimos cuidar das pessoas, e também do emprego que é uma preocupação”. Na mesma entrevista, Luciana Santos chegou a afirmar que o governo “segue firme e forte” no combate ao coronavírus e comemora que “nossa meta era criar mil leitos, mas superamos a expectativa e foram mais de mil e quinhentos criados”.
Mil e quinhentos leitos, no entanto, não corresponde nem a 25% do número de pessoas que morreram por causa da COVID-19. Não há, obviamente, nada a se comemorar. O que precisa ser dito é que, na verdade, o governo não construiu um único hospital, deixou centenas de milhares de pessoas abandonadas à própria sorte, sem qualquer tipo de assistência social ou financeira e ainda tem promovido uma rápida reabertura da economia. O governo “herói do povo” já reabriu praticamente tudo, de shopping centers a salões de beleza e restaurantes.
Quem escuta Luciana Santos e os demais falando, chega a acreditar que Pernambuco é uma espécie de Venezuela, onde só morreram pouco mais de 100 pessoas, mesmo com toda a sabotagem promovida pelo imperialismo contra o país caribenho. E onde o governo tem feito vários esforços para evitar que o povo seja ainda mais explorado pelos capitalistas em meio à pandemia. Não passa, obviamente, de um delírio para promover a “frente ampla”, a frente entre a esquerda e os inimigos do povo.