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Revolução e educação

Paulo Freire e a educação popular em Cuba

No centenário de nascimento de Paulo Freire, o atual governo destila seu ódio a Freire e segue na destruição da educação nacional. Em Cuba, a pedagogia freireana segue seu caminho

Muito se tem falado sobre Paulo Freire nesse ano, por ocasião dos cem anos de seu nascimento. Se, no momento atual, tivéssemos um governo com um mínimo de respeito pela história do país e pelas grandes figuras nacionais, teríamos comemorações oficiais de grande porte em homenagem a esse que é considerado o maior educador brasileiro de todos os tempos, reconhecido internacionalmente como um dos grandes pedagogos da história.

Infelizmente, sabemos que o atual governo faz questão de não apenas desconhecer, mas renegar o trabalho pedagógico de Paulo Freire. O atual presidente deixou claro o seu repúdio à pedagogia freireana desde à época da sua candidatura à presidência da República, quando prometeu extirpar as ideias de Freire das escolas brasileiras. Se ele conhecesse minimamente nossa educação, saberia que isso já foi feito pelo governo militar, estrago até hoje não revertido de fato.

A agressividade do governo atual em relação a Paulo Freire tem sido tanta que foi preciso recorrer ao poder judiciário em defesa da sua memória. Em setembro último, a Justiça Federal do Rio de Janeiro, atendendo à ação impetrada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, proibiu, por meio de liminar, qualquer ataque do governo federal ao professor Paulo Freire.

Faz sentido que uma figura que dedicou sua vida à educação popular seja execrada por esse desgoverno. Temos que lembrar que esse é um governo que deliberadamente destrói o ensino, defende a implantação de mais escolas militares, corta vorazmente as verbas que deveriam ser destinadas à área, nomeia verdadeiros inimigos da educação nacional para o cargo de ministro da educação, além de impor, autoritariamente, mudanças no Ensino Médio, com retrocessos que remetem aos estragos implementados pelos militares na reforma do ensino de 1971.

Sabemos que as ações do atual presidente têm se pautado na destruição de tudo o que foi feito nas gestões petistas. Talvez tenha colaborado com tanto ódio a Paulo Freire o fato dele ter sido declarado patrono da educação brasileira durante o governo Dilma Rousseff, em sua primeira gestão. A presidenta golpeada, no seu segundo mandato, escolheu o lema “Brasil, Pátria Educadora” para o seu governo. Sabemos que, infelizmente, o projeto contido nesse lema de governo foi interrompido pelo golpe de 2016. O que então se planejava era um investimento na área da educação como jamais se tinha visto no Brasil, com investimentos vindos da exploração do pré-sal. Como vimos nos últimos anos, um dos pontos centrais do golpe foi a entrega do petróleo nacional às grandes petroleiras estrangeiras, junto com a implantação de uma política econômica neoliberal, extremamente destrutiva ao povo brasileiro. Nada restou daquele projeto da “Pátria Educadora” e dos bilhões advindos da extração do nosso petróleo – agora roubados do povo brasileiro – que seriam utilizados em benefício da educação do povo brasileiro.

Essa é uma triste constatação para um país que produziu um pedagogo da grandeza de Paulo Freire, o brasileiro que mais recebeu títulos de Doutor Honoris Causa, em universidades no Brasil e no exterior, e cuja obra mais conhecida, a “Pedagogia do Oprimido”, é a terceira no mundo em número de citações.

Apesar dessa nossa triste realidade local, Freire segue lembrado, estudado, aplicado e homenageado pelo mundo afora. Quando se fala sobre educação popular, a obra de Freire segue como referência de pedagogia transformadora, que coloca diferentes culturas em pé de igualdade e a aprendizagem como um processo que acontece na relação dialógica entre professor e aluno, e deles com o mundo. Nas palavras de Paulo Freire: “os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”.

Ao contrário do Brasil, em Cuba, a educação têm sido uma prioridade desde a vitória da Revolução, em 1959. Fidel Castro entendia que a Revolução só se sustentaria com uma transformação cultural radical, o que passava por mudanças na educação do povo. Por isso, uma das primeiras medidas do governo revolucionário foi a famosa Campanha de Alfabetização, de 1961, que erradicou o analfabetismo na ilha. O próprio Paulo Freire, por ocasião de sua viagem à Cuba, em 1987, declarou, em entrevista concedida à Esther Pérez e Fernando Martínez (publicada na Revista Casa de la Américas, n° 164), considerar a Campanha de Alfabetização como o acontecimento cultural mais importante da Revolução cubana e um dos principais feitos do século XX na área da educação.

Quando Paulo Freire visitou Cuba, seu trabalho já o havia precedido. Frei Beto narra, em texto de 2007 – feito para seu discurso na comemoração dos vinte anos do Centro Memorial Martin Luther King, em Havana –, como ajudou a levar trabalho de Paulo Freire até os cubanos. Ele nos conta que, em conversa com Fidel Castro, falou muito de Paulo Freire. Como Fidel se mostrou bastante interessado, Frei Beto explicou no que consistia a pedagogia freireana e pediu para realizar um encontro latino-americano de educação popular em Cuba, o que de fato ocorreu, em 1981, na Casa de las Américas. Outros encontros se seguiram em alguns anos e assim a obra de Paulo Freire foi se tornando conhecida entre os educadores cubanos. Como consequência da ampla aceitação do trabalho de Paulo Freire pelos cubanos, em 1987, foi criado o Centro Memorial Martin Luther King, um espaço de diretrizes cristãs, concebido como um local de estudos e de divulgação da educação popular, segundo as concepções freireanas. Atualmente, esse centro mantém a Rede de Educadores e Educadoras Populares, presente em todo o território cubano.

Desde a década de 1980, portanto, as teorias de Paulo Freire têm servido como ferramenta auxiliar na transformação da educação em Cuba, dentro dos princípios revolucionários. Na década de 1980, o governo revolucionário preocupava-se, em particular com os rumos da educação na ilha. Tanto que no III Congresso do Partido Comunista Cubano, realizado em 1986, a educação foi um dos temas centrais. A Revolução trouxe as bases sob as quais se estabeleceu os fundamentos para uma nova sociedade, mas seria preciso uma transformação cultural, que passaria necessariamente por uma educação pensada segundo os ideais revolucionários. Segundo Freire, “a história não se faz mecanicamente; a história se faz historicamente”. O que ele queria dizer com essa frase era que se a Revolução tinha conquistado as transformações que permitiram ao povo cubano se desligar do modo de produção capitalista, mas a mudança de mentalidade levaria mais tempo. Não seria possível o desprendimento das ideologias do capitalismo da noite para o dia. É preciso ensinar os valores do socialismo a cada nova geração.

Fidel Castro e Che Guevara sempre falaram sobre a necessidade da formação do novo homem, a partir de uma educação baseada na solidariedade e no amor. Frei Beto entende que o “socialismo é o nome político do amor” e como tal precisa ser ensinado, pois as transformações necessárias na construção da Revolução exigem profundas mudanças culturais, cujo caminho passa obrigatoriamente por uma educação que seja igualmente revolucionária. A conexão com Paulo Freire se estabelece não apenas nas propostas pedagógicas transformadoras, mas também na sua visão de educador cristão: Freire coloca, reiteradamente, nos seus textos a importância da amorosidade por parte do professor, no processo de ensino e aprendizagem. Paulo Freire, com sua pedagogia, colaborou, e continua colaborando, para a renovação dos métodos de ensino em Cuba.

Paulo Freire viu em Cuba a realização daquilo que ele sonhava em termos pedagógicos, mas que, como ele mesmo disse, jamais veria em seu próprio país. Ele falou sobre a receptividade dos cubanos e sobre o que representava, para ele, a experiência cubana de educação, na mencionada entrevista, de 1987, da qual coloco aqui um trecho.

Acredito que vocês entendam a emoção que sinto ao pisar um solo em que não há uma criança sem escola, em que não há ninguém que não tenha comido hoje. (…) é preciso cantar a alegria de estar em Cuba. A amabilidade dos cubanos é incrível. É a amabilidade que nasce da alegria, da felicidade (…). Gostaria de expressar meu agradecimento a vocês cubanos, pelo testemunho histórico que dão, pela possibilidade e tudo o que vocês representam enquanto revolução; o que vocês representam como esperança. (…) sei que não verei a mesma coisa em meu país, mas estou vendo aqui. É uma contradição dialética: não verei, mas estou vendo”.

Se a Revolução tem sustentação popular maciça até hoje, isso se deve em grande parte às transformações culturais promovidas pelo governo revolucionário, principalmente por meio da educação popular e da valorização que o povo cubano dá a cultura. Em Cuba, toda a educação é popular. Não mais existe a educação aos moldes capitalista, de viés tecnicista, elitista, que prepara um trabalhador para o mercado de trabalho segundo os interesses do grande capital, produzindo trabalhadores alienados e massacrados por esse sistema capitalista em que a visão humanista é desconsiderada. A educação cubana é pautada na formação do sujeito crítico diante da realidade e consciente de seu lugar no mundo, inclusive em relação ao capitalismo. Como não existe educação neutra, a transformação da educação popular cubana se deu por meio de seu viés revolucionário e socialista. Como o próprio Paulo Freire dizia, suas ideias de educação popular são condizentes com a Revolução porque baseadas nas suas concepções anticapitalistas.

Conhecer a educação cubana é ver com os próprios olhos como é possível a aplicação da pedagogia freireana na formação de uma sociedade socialista, em que a solidariedade e a preocupação com a coletividade são pilares fundamentais na construção de uma país. Cuba segue como uma referência, um modelo para nós, brasileiros, não apenas enquanto sociedade que constrói o socialismo a cada dia, mas como exemplo de utilização dos princípios pedagógicos criados por esse grande brasileiro que foi Paulo Freire. Ele expressou seu amor e sua admiração pelos feitos da Revolução por diversas vezes, como nesse trecho: “eu me considero um educador popular progressista, e tenho a ousadia de dizer que, se vivesse em Cuba, eu seria um revolucionário; se fosse cubano, pelo amor que tenho a essa revolução, a esse povo, a essa valentia, que historicamente foi possível e que vocês fizeram possível”.

No atual momento de destruição do país, estudemos Freire, pois ele segue mais do que nunca necessário a nós, brasileiros, que almejamos a transformação da nossa sociedade.

A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a posição deste diário.

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