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Eduardo Vasco

Militante do PCO e jornalista. Materiais publicados em dezenas de sites, jornais, rádios e TVs do Brasil e do exterior. Editor e colunista do Diário Causa Operária.

Como será a reação?

Os humilhados serão exaltados

“Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”

Era noite de sábado. Me despedi de Carla Bartz, após uma longa e agradável conversa sobre temas variados, de cinema a política internacional.

Entrei no metrô e, depois de me sentar, apareceu para mim um homem vendendo balas com seus dois filhos pequenos. Pouco depois, um segundo ambulante começou a oferecer seus produtos.

Ao meu lado, uma mulher de uns trinta anos, claramente da periferia, iniciava uma série de reclamações da destruição do sistema de saúde. Então ouvi de seus lábios: “tem que matar esse Bolsonaro!”

─ Matar o Bolsonaro? Dou dez reais. É desse jeito que eu posso contribuir, disse o vendedor ambulante.

A mulher, algum tempo depois, voltou a reclamar da inflação. “Tem que pedir esmola”, pensou ela, em voz meio alta, falando sobre o preço absurdo do botijão de gás.

Tudo isso acontecia enquanto eu lia um artigo de Edward Said, de título “Palestina: a realidade clara e atual”, datado de 1998.

“Agora em seu sétimo mês, a Intifada atingiu seu estágio mais cruel e sufocante para os palestinos. Os líderes de Israel estão claramente determinados a fazer o que sempre fizeram, ou seja, tornar a vida impossível para este povo que sofre injustamente”, começa o texto.

Não pude deixar de traçar um paralelo entre a situação dos palestinos, e do Oriente Médio em geral, mas também dos povos muçulmanos em outras partes, como no Afeganistão, e a situação dessas pessoas no Brasil, que vêm se tornando maioria da população.

São cerca de 90 milhões de desempregados reais no País, contando o número total de pessoas em idade de trabalhar que não encontram emprego fixo e minimamente digno. Antes do início da pandemia, mais de 220 mil pessoas viviam na rua no Brasil. Desde então, esse número aumentou em um grau ainda incalculável. “Não sabemos quantas pessoas estão em situação de rua, mas com a pandemia, é algo que nos salta os olhos (sic.). O número é expressivo, inclusive de crianças nos sinais pedindo dinheiro. Basta ir à rua e ver”, diz Veridiana Machado, do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Ciamp-Rua), ao sítio da Fiocruz Brasília.

Na cidade de São Paulo, em julho os roubos aumentaram 7% e os furtos 21% em comparação com o mesmo mês do ano anterior. Os números oficiais, no Brasil inteiro, escondem a verdadeira catástrofe social que assola a população deste país.

Diante de um cenário desesperador como esse, frases como “tem que matar esse Bolsonaro” se disseminam na medida inversa em que a carne chega na mesa do trabalhador. Já ouvi moradores dizerem “Bolsonaro tem que morrer” dentro de uma favela. Era visível como, de alguma maneira, eles sentiam simpatia pelo PCC. Por isso Said se equivoca completamente ao escrever, no mesmo texto, que são “inaceitáveis” os atentados suicidades de homens-bomba palestinos.

O desespero é tão grande, a opressão é tão forte, que, da Palestina ao Afeganistão, inúmeras pessoas buscam nos atentados suicidas a solução para os seus problemas. No Brasil de 2021, a situação vai ficando tão desesperadora que não será grande surpresa se as pessoas começarem a pensar em soluções semelhantes.

Ao fazer baldeação e entrar em um novo trem, um outro homem de trinta e poucos anos começou a pedir esmola aos passageiros. Dizia que cerca de um mês atrás havia caído em um golpe. Um ladrão pedira três pizzas e ele fora fazer a entrega para o iFood. Chegando ao destino, foi surpreendido com uma arma apontada para sua testa. O ladrão levou sua moto.

Há vinte e um dias vê seus filhos olharem para ele com fome e não consegue pagar nenhuma conta, todas atrasadas.

“Não tenho vergonha. Vergonha é fazer as coisas erradas no mundo”, bradou, orgulhoso, dentro do trem.

Me pergunto quanto tempo vai demorar para que ele comece a fazer as coisas erradas, sem vergonha alguma. Porque seus filhos continuarão famintos. Assim como 120 milhões de brasileiros que se encontram em situação de “insegurança alimentar” ─ eufemismo para fome.

As pessoas agem conforme suas necessidades. “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”, escreveram Marx e Engels em A Ideologia Alemã.

Saindo do trem, a última coisa que ouvi daquele homem foi algo sobre seu sentimento de humilhação. Mas ─ disse ─ “os humilhados serão exaltados”. Deus queira que seja assim. Mas as pessoas não são auto-humilhadas, e sim humilhadas por outrem. Os Palestinos, pelos israelenses. Os afegãos, pelos norte-americanos. Os brasileiros, também. Os afegãos, por vinte anos humilhados, conseguiram a redenção. Os talibãs são exaltados hoje pelo povo. Os brasileiros, e os humilhados do mundo todo, seguirão seu exemplo e se libertarão.

Os que pensam que os talibãs são violentos, que aguardem para ver a reação dos favelados brasileiros quando decidirem se vingar de seus opressores. Os grilhões se quebrarão somente com o barulho da revolta. Não restará pedra sobre pedra do que conhecemos hoje como sociedade burguesa. E não teremos o menor direito de criticar os homens-bomba de Paraisópolis ou do Jacarezinho quando explodirem as mansões e apartamentos dos Jardins ou do Leblon, quando decapitarem não só os Bolsonaros, mas também os Dorias, os Ciros e os Paes da vida.

Estarão errados? Não podemos partir de pressupostos morais para julgar as ações necessárias dos seres humanos. Essas pessoas nunca tiveram direito à educação, à cultura, ao tratamento digno. São mal-educadas, incultas, repugnantes. Quase selvagens. Afinal, foram jogadas na sarjeta da sociedade. Foram jogadas em uma selva, na qual é preciso ser muito bruto para sobreviver. Os que ficam horrorizados com um favelado falando em matar um presidente da República, ou com um jihadista obrigando as mulheres a ficarem em casa, não entendem que essas pessoas foram condicionadas a pensar e a agir dessa forma. E que só irão progredir em seus pensamentos e suas ações quando os grilhões forem quebrados, quando escaparem da selva em que foram jogados. Somente uma nova vida, que construa um novo ser social, irá mudar a consciência dessas pessoas.

Subindo a escada rolante, vi no telão da estação de metrô uma notícia sobre crianças hondurenhas detidas na fronteira entre o México e os EUA. Cheguei ao ponto de ônibus, em frente a um prostíbulo ─ tipo de estabelecimento que, ao contrário de tantos outros, multiplica-se conforme se aprofundam a miséria e o desemprego.

Ao entrar no ônibus, apalpei o traseiro para pegar minha carteira. Ela já não estava mais comigo.

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