Na terça-feira, a Rede Globo apresentou o debate entre os candidatos ao governo; quarta-feira é dia de futebol, que ninguém é de ferro; hoje à noite, será o último debate entre os presidenciáveis antes do primeiro turno. Embora a emissora propagandeie que esses debates se destinam a propiciar à população a oportunidade de escolher “o melhor candidato”, o que “tem as melhores propostas”, o mais provável é que nem mesmo seus proprietários acreditem nisso.
O Jornal Nacional dedicou bons minutos a mostrar o making of do debate, com direito a entrevistas com a equipe de produção. O telespectador ficou sabendo que o cenário do espetáculo foi construído com madeira reciclável e ouviu de organizadores que o debate era como uma “final de Copa do Mundo”. Deixando de lado a megalomania, sobra uma pitada de verdade nessa afirmação – afinal, ninguém assiste a uma final da Copa para escolher o time que tem as melhores táticas de jogo etc. Fica patente que o debate nada mais é que um entretenimento destinado a atrair uma audiência de torcedores.
Parece bastante improvável que a Rede Globo vá repetir o que fez no famoso debate entre Lula e Collor, quando um truque bem tosco de edição serviu de vira-voto para o Collor. Não o fará, mas não por ter mudado de caráter, e sim por ter aperfeiçoado a técnica. Quem tiver tido o desprazer de assistir ao debate entre os candidatos ao governo de São Paulo terá visto um apresentador que mais parecia um boneco manejado por invisíveis cordões de nylon, cujos músculos faciais quase não se moviam e cuja fala pausada e monocórdica anunciava as “regras do debate”.
De olho no teleprompter, César Tralli informou que, caso algum candidato ofendesse a honra de outro, os advogados da Globo analisariam a possibilidade de conceder ao ofendido alguns segundos a título de “direito de resposta”. Em cada bloco, todos deveriam fazer uma pergunta e responder a outra, com direito a réplica e tréplica, tudo em minutos ou segundos cronometrados.
Impressiona ver como todos os candidatos, sem exceção, conseguem falar exatamente dentro desse tempo – e o relógio que aparece na tela parece mais importante do que aquilo que estão dizendo, já que nos deixa entretidos na expectativa de ver se alguém vai ser cortado no meio da frase. Não aconteceu! Todos treinados, ensaiados, obedientes ao padrão Globo, submetidos às regras de “civilidade”. Chato? Muito chato, mas e daí?
Enquanto isso, a emissora mostra ter investido, de fato, nas reportagens sobre a Constituição Cidadã, que vêm sendo veiculadas diariamente em horário nobre, com a presença constante dos ministros do STF. Em um dos programas, de estilo didático, aprendemos que uma das grandes qualidades da Constituição é o fato de admitir emendas, que atualizem o seu texto.
Só não se explica que essas emendas são objeto de grandes disputas, que o STF interpreta e reinterpreta as leis de acordo com a conveniência do momento e que, ao sabor dos interesses da burguesia, pode até dar a um golpe de estado a aparência de legalidade. Interessa apenas e tão somente apresentar o texto legal como imparcial e garantidor de direitos para a população. E tome depoimento de Luís Barroso, Fux, Carmem, Rosa Weber (todos, exceto o Kássio, indicado pelo Bolsonaro, obviamente), que são os guardiães da Constituição.
Nesta eleição, que provavelmente será vencida por Lula (talvez já no primeiro turno!), o partido da Globo é o PSTF. É bem provável que a estratégia da burguesia, cujos interesses o STF tem garantido, seja controlar o Lula por meio do Judiciário – como tem feito com Bolsonaro. Lula, no entanto, não vai afrontar o STF. Lembremos que ele foi preso injustamente, passou dois anos no cárcere e saiu “sem rancor”, como ele mesmo costuma dizer. A maleabilidade do Lula pode devolver-lhe a presidência da República, mas ele vai precisar do apoio da base para fazer um governo à esquerda.
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