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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O feitiço vai virar contra o feiticeiro

Transformar o que era falta de educação, grosseria ou piada de mau gosto em crime é dar ao Estado um poder imenso de controle da população

Aparentemente, todo o mundo já se acostumou com a ideia de que há coisas que se podem dizer e coisas que só se podem pensar, considerando-se que ainda não haja um método de saber o que alguém está pensando quando está em silêncio. No dia em que houver um chip obrigatoriamente inserido em nossas cabeças, como em um filme de ficção científica, aí sim o grupo que tiver o poder poderá higienizar o mundo, punindo todos aqueles que ousarem pensar coisas consideradas incorretas.

Deixando de parte a ficção científica, mas tratando da ficção da vida real, que é a novela da Rede Globo, vemos, dia sim, outro também, personagens entoando a cantilena identitária e a defesa do agronegócio ecológico. Há pouco tempo, aprendemos com um “peão” da fazenda  que fazer piada ou caçoar de um homossexual é algo que “mata”. Na mesma Rede Globo, o apresentador do já antigo programa Altas Horas, que costuma receber músicos de outras gerações, vai logo comentando com o pitoresco (e politicamente incorreto) Falcão que ele não pode mais cantar quase nada do seu repertório – e o cantor concorda sorrindo.

Humoristas, os de mau gosto e os de bom gosto, também convencidos de que suas anedotas podem virar crimes, vão tratando de evitar processos milionários para si mesmos e para as emissoras em que trabalham (estas, a propósito, a fim de não arcar com esses processos, optam pela demissão sumária do autor da piada infame). Todos agora, num permanente ato de contrição, prometem que, de hoje em diante, deixarão de dizer o que diziam até dois anos atrás, certos de que enxergaram a luz.

Enquanto isso, os incautos estão sujeitos não apenas aos veneráveis “cancelamentos” como também, o que é ainda pior, a processos que podem atingir altas cifras. Nelson Piquet, por exemplo, ao empregar o termo “neguinho”, de uso generalizado na linguagem informal do Brasil, com o significado de “pessoa indeterminada” registrado até no dicionário Houaiss (seguido deste exemplo: “Tem neguinho aí que nunca pagou um imposto”), sofre processo por racismo, pois referia-se a um homem negro, o piloto de Fórmula 1 Louis Hamilton.

O mesmo Piquet se expressa em termos como “fulano se fodeu”, aliás, como a população brasileira o faz de modo geral, a ponto de o mesmo dicionarista já ter incluído um sentido figurado no verbete “foder”, assim explicado: “causar mal a ou sair-se mal; arruinar (-se), desgraçar (-se)”. Nesse contexto, não espanta que o comentário de Piquet sobre o mau desempenho de Hamilton em determinado momento tenha sido feito nos seguintes termos: “O neguinho devia estar dando mais o c* naquela época, aí tava meio ruim”, segundo transcrição da Folha de São Paulo, que, dessa vez, achou por bem abreviar o termo chulo com um asterisco, novidade nesse jornal. A expressão foi considerada uma ofensa de cunho homofóbico, dando ensejo a mais um processo, que deve render dinheiro a alguma entidade defensora dos direitos dos LGBT.

Os termos chulos, por feios ou desrespeitosos que sejam, não eram, até agora, interpretados ao pé da letra, muito menos levados às barras dos tribunais. A cantora Marisa Monte, em um show recente, pediu a uma plateia que vociferava “Bolsonaro, vai tomar no cu” que evitasse a “expressão de cunho homofóbico” e dissesse apenas “fora”. Veja só como evoluímos desde que o Luciano Huck puxou um coro na abertura da Copa do Mundo, que bradava exatamente a mesma coisa, porém dirigida à presidenta da República, numa cerimônia transmitida para todo o mundo, em presença dela, que, afinal, era a autoridade maior do país e… uma mulher!

Piquet já pediu desculpas por seus maus modos de cunho racista e homofóbico. Huck, bem, esse não precisa – afinal, contra o PT pode tudo. O problema de transformar o que era falta de educação, grosseria ou piada de mau gosto em crime é que, assim, o Estado adquire um poder incomensurável de controle da população, o que, dito de outra forma, significa que a classe que já detém o poder institucional aumenta seu poder de controle sobre a população como um todo.

Não demora vão “descobrir” que “filho da puta” e “puta que o pariu”, largamente usados pela população, são termos machistas e, além disso, ofensivos a uma categoria profissional, cuja atividade, aliás, vem sendo considerada pelas feministas identitário-capitalistas uma carreira capaz de “empoderar” as mulheres. Numa sociedade em que se usa a expressão “mercado do sexo”, isso pode até ter algum sentido (“Mamãe, quando eu crescer, vou ser ‘acompanhante’ de velho tarado e ganhar muito dinheiro”, dirão as crianças no maravilhoso mundo em que tudo é comércio).

A esquerda pequeno-burguesa e a imprensa burguesa, que estão cada vez mais parecidas, vão ao delírio com esse tipo de punição, porque uma, sendo gente do bem, e outra, usando certa moderação vocabular, acham que gozam de imunidade. Fato é que, segundo notícia da própria Folha, a jornalista Barbara Gancia foi condenada por escrever no Twitter que “nenhuma sociedade minimamente civilizada permitiria a um supremacista metido a engomadinho, discípulo de astrólogo charlatão fazer parte do círculo íntimo do presidente da República e interferir em políticas de Estado”.

O alvo da crítica, feita por uma pessoa do grupo LGBT com trânsito na imprensa burguesa, é um assessor do Bolsonaro, o mesmo que teria feito um gesto racista ou obsceno em episódio que também culminou em processo. O advogado da jornalista disse: “Temos total confiança que [a decisão] será revertida. Ela apenas exerceu seu direito de liberdade de expressão”.

Como vemos, a opressão está avançando sobre o grupo que costuma se regozijar quando os outros são punidos por “ofensas” e que costuma endossar a ideia de que a liberdade de expressão deve ter limites. Esses tais limites, no entanto, estão na cabeça dos juízes, que julgam segundo sua crença e seus interesses, uma vez que não existe lei a definir o que se pode e o que não se pode dizer.

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* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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