Detratores do Partido da Causa Operária, como os ativistas da Revista Forum e do DCM, gostam de falar de uma certa “teoria da ferradura”, segundo a qual os extremos do espectro político se aproximariam. Com base nisso, acusam o PCO, defensor da liberdade de expressão (sem os limites impostos pelos exegetas do STF), de ser a outra face do bolsonarismo. Disso se depreende que os “moderados” são favoráveis a limitar a liberdade de expressão dos extremos, o que teria, em si, um valor moral: sendo moderados, educados, “civilizados”, todos viveremos felizes (e a ordem estará preservada).
Nesse mundo cor-de-rosa, de “paz e bem”, é proibido questionar as instituições, mesmo que elas estejam a serviço de uma pequena parcela da sociedade. Também é proibido fazer piada, dar apelido, criticar, pois tudo isso tem o potencial de “ofender” o outro – e, nesse paraíso terreal de gente do bem, ninguém pode dizer nada que seja ofensivo, tampouco abrir espaço para questionar a ordem vigente.
Se os extremos estão circunstancialmente juntos na defesa de um princípio, o da liberdade de expressar suas ideias, que, em si são antagônicas, os “moderados/civilizados”, de esquerda e de direita, estão juntos nas próprias ideias e projetos de país, o que parece muito mais preocupante. Uma coisa é defender o direito de cada um dizer o que pensa, outra coisa é defender as mesmas ideias do outro campo político.
Que dizer de uma massa amorfa em que se amalgamam Ascânio Seleme (Rede Globo), Leonardo Boff (teólogo), Mauro Lopes (jornalista da Revista Forum), Vladimir Safatle (professor de filosofia da USP, candidato a deputado federal pelo PSOL), todos favoráveis a uma gestão internacional da Amazônia? No entender dos arautos da modernidade, transferir a administração da Amazônia para os países desenvolvidos, aqueles que já destruíram as próprias coberturas vegetais, não poria em risco a soberania brasileira
Segundo Leonardo Boff, “precisamos afirmar, contra a arrogância do presidente [Bolsonaro], que todo o bioma amazônico não pertence só ao Brasil e aos demais nove países amazônicos. Constitui um Bem Comum da Terra e da Humanidade”. A título de argumentação, prossegue o teólogo: “Na visão dos astronautas isso é evidente: da Lua ou de suas naves espaciais, Terra e Humanidade formam uma única entidade”.
Na opinião de Mauro Lopes, da Revista Forum, Boff é “considerado um dos pensadores mais ousados globalmente sobre a questão ambiental”. De acordo com o jornalista, essa “ousadia” se traduz em sua crítica ao “nacionalismo tacanho” e ao slogan “A Amazônia é nossa”.
Se Boff acredita mesmo que “o tempo das nações está passando; agora é o tempo da Terra, administrada por um corpo multipolar e orgânico para atender aos problemas da única Casa Comum e de seus habitantes”, talvez esteja adotando um ponto de vista “lunar”. Ascânio Seleme, o articulista do Globo, certamente tem os pés na terra quando desenvolve um arrazoado bastante cínico para defender a mesma tese.
No entender de Seleme, a morte de Bruno Pereira e de Dom Phillips, no governo Bolsonaro, bem como a de Chico Mendes, no governo Sarney, e a da Irmã Dorothy Stang, no governo Lula, são a prova cabal de que o Brasil não tem condições de administrar a Amazônia. Bolsonaro pode estar agindo de má-fé, acusação que não estende aos demais, mas o fato é que não temos recursos, equipamentos, cérebros, ou seja, somente uma governança internacional daria conta do recado. Como somos muito vira-latas, uma das nossas maiores riquezas deveria ser administrada pelos estrangeiros com o nosso consentimento e, quem sabe, sobrassem para nós algumas migalhas do banquete imperialista.
É mais ou menos o mesmo raciocínio usado para privatizar as empresas nacionais: o Estado brasileiro é incompetente e corrupto, portanto a iniciativa privada e os rentistas é que devem tomar a frente da Petrobras, da Eletrobras e do que mais houver para entregar.
O filósofo do PSOL, aliás, enfatiza que atrelar o desenvolvimento ao petróleo do pré-sal é algo anacrônico, antigo, ou seja, o Brasil deve abrir mão dessa riqueza em nome da sustentabilidade. E, pelo jeito, os estrangeiros é que devem gerir a sustentabilidade brasileira, movidos pelo sentimento humanitário e pelo desejo de preservar o planeta.
Diga-se, a propósito, que os “modernos” estão repetindo o que, em 1989, disse o então senador norte-americano Al-Gore, que depois seria vice-presidente dos EUA: “Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”. (Pelo menos, naquela época, os brasileiros não gostavam da ideia.)
Esse espectro político, que vai da Rede Globo ao PSOL, não põe o imperialismo na equação. Age como se os estrangeiros quisessem proteger a Amazônia para salvar a humanidade e preservar os povos indígenas ou ainda como se o petróleo encontrado pelo Brasil no pré-sal não tivesse valor, fosse coisa do passado.
A que interesses serve esse grupo de “civilizados”? O fato é que, muito bem adestrados no entreguismo lesa-pátria, jamais serão censurados pelo STF.
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