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Protesto

Manifesto pelo fim dos mecanismos de tortura dentro dos presídios

O encarceramento em massa no Brasil se dá em condições degradantes, precárias, insalubres e abaixo de qualquer padrão humanitário estabelecido

Rafael Martarello e Tiago Pires

Na música Diário de um Detento do Racionais Mc’s sabiamente menciona que a cadeia “guarda o que o sistema não quis, esconde o que a novela não diz”. Este texto põe uma luz crítica ao que a novela não diz dentro do ambiente prisional, como também objetiva militar de forma programática pelo fim do sistema policial-judiciário-carcerário. Para isso, iremos inicialmente embasar a problemática da situação de cárcere, para após, de maneira específica, apontar as variantes da opressão sofrida pelas pessoas dentro dos presídios.

O encarceramento em massa no Brasil se dá em condições degradantes, precárias, insalubres e abaixo de qualquer padrão humanitário estabelecido. Essa situação impõe ao indivíduo encarcerado um regime de subvivência, isto é um regime progressivo de decaimento de suas forças corpóreas.

Qualquer camarada que tem um familiar ou já passou pelo sistema sabe o quão é prejudicial o regime de encarceramento. Os atos contra pessoas já dominada, apartado do seu direito de ampla defesa, e longe dos olhos da sociedade são atos de extrema covardia. Para além disto, todo ato gerador de sofrimento em presídio são formas de tortura.

O emprego do termo tortura aqui se dá nos mesmos termos da Lei nº 9.455/97: constranger ou submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental. Entretanto, mantenho o conteúdo de denúncia frente uma lei que reconhece que determinadas ações são tortura, mas as permite contra detentos.

Sempre pertinente pontuar que a maior parte da população nos campos de concentração tupiniquim é negra e com crescimento progressivo do número em relação ao de brancos. Ressalto ainda que o critério para o apontamento da cor não é por autodeclaração, assim, o número de negros entre os mais de 770 mil presos está subestimado.

Precisamos dar um basta às violações aos direitos fundamentais dos presos. Além da Luta pelo Fim do Sistema Prisional, precisamos denunciar e lutar pelo imediato Fim das Sanções Disciplinares e das outras formas de castigo.

1º Fim da Solitária!

O confinamento solitário na prisão causa sofrimento psicológico e físico severo. Já há uma volumosa bibliografia médica acerca sobre o permanente dano causado pelo confinamento solitário, que vai desde o surgimento de doenças e distúrbios até a diminuição da capacidade cerebral. Inclusive, há associação estatística entre o confinamento e risco aumentado de mortalidade (BRINKLEY-RUBINSTEIN et al., 2019), isto é, a solitária encurta vidas.

Essa situação pode ser agravada devido ao histórico do detento com fobias, substâncias psicoativas, doenças mentais e psicológicas. Essa sanção disciplinar é realizada, quase sempre, sem consultar um médico e normalmente quando o detento chega ao presídio ele é mantido alguns dias na solitária como “recado” de como são as coisas por lá.

A própria ONU já considera que o confinamento solitário por mais de 15 dias é uma forma de tortura. De outro lado nossa Lei de Execução Penal diz:

Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias

Sendo que até 10 dias a própria autoridade administrativa pode decretar, assegurando claro, pelo Art. 59 da supracitada lei o direito a defesa em um país que cabe ao acusado provar inocência, onde o Estado esconde provas, as celas são superlotadas, e um terço dos presos aguarda em cárcere o julgamento.

Cabe problematizar o problema das detentas grávidas, uma vez que parto em celas não são atípicos, o isolamento que é um alto fator de stress e sofrimento pode causar modificações na estrutura do cérebro do feto desgraçando toda a vida deste futuro ser (VENTURA; NETO; SIMÕES, 2009; PINTO, 2011). Lembro que apenas em 2017 foi sancionada uma lei parar proibir o uso de algemas em mulheres durante o trabalho de parto.

2º Fim das Restrição de Visitas!

Já dizia a canção supracitada do Racionais que “nada deixa um homem mais doente, que o abandono dos parentes”, isto porque para o universo do reeducando do sistema carcerário a família é o que há de mais importante.

De outro lado, além do encarceramento em si já separar famílias, o Estado promove rotineiramente castigos que proíbem detentos de receberem a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados (Art. 53 combinado com o Art. 41 da Lei de Execução Penal).

Um exemplo drástico foram as medidas (advocacy, portarias, gerenciamento etc) dos ex-ministros Raul Jungmann – Presidente do IREE Defesa & Segurança – e Sérgio Moro – Parceiro do presidente do IREE – para a restrição de visitas íntimas.

Essa tortura, para além do grande sofrimento emocional e psicológico – não só ao preso, mas indiretamente à família – atrapalha a ressocialização. Ao afetar negativamente o grande objetivo de retorno ao convívio em sociedade, pode causar impacto na reincidência em um país em que a taxa é de 70%.

Novamente, há meio século existe uma ampla bibliografia que constata a importância e a associação do laço familiar durante o tempo em cárcere e o sucesso da reintegração do reeducando do sistema prisional, assim como se opõem aos procedimentos de restrição/impedimento à visitas (HOLT; MILLER, 1972; NASER; VISHER, 2006; ZEREGA; AGUDELO, 2011; MINNESOTA DEPARTAMENT OF CORRECTIONS, 2011; SHANAHAN; AGUDELO, 2012; BRUNTON-SMITH; MCCARTHY, 2016).

Novamente, é necessário acrescentar a situação das presas grávidas que reflete nos fetos. O afastamento familiar pode causar stress, ansiedade, angústia e inseguranças nas grávidas que refletirá em quadros clínicos nos bebês (VENTURA; NETO; SIMÕES, 2009; PINTO, 2011). Além disto, o contato e a ligação emocional com o cônjuge é importante para o desenvolvimento do bebê (PINTO, 2011; NOGUEIRA; FERREIRA, 2012).

Cabe ainda aqui mencionar que a simples troca de correspondência em um país no qual 70% dos presos não tem o ensino fundamental não é o meio mais adequado, fato que deve ser somado a: 1) estupidez legal de impor a todos os presos a incomunicabilidade exterior por meios telefônicos; 2) os presídios não estão em áreas de fácil acesso aos familiares; 3) a regra entra em contradição com bases constitucionais de convivência familiar e comunitária.

3º Fim da Suspensão ao Banho de Sol!

Rotineiramente é imposto de forma errônea a restrição da saída da cela para o banho de sol. É conhecimento geral que a falta sol causa diminuição de processos bioquímicos necessários para a manutenção normal do corpo levando o indivíduo a uma situação desumana.

Tomando como exemplo Vitamina D – obtida geralmente pela exposição ao sol -, a sua a deficiência está relacionada com doenças musculoesquelética, desajustes processos autoimunes, diversos tipos câncer, doenças cardiovasculares, depressão, e distúrbios em funções em órgãos do corpo e no crescimento celular (LOPES et al., 2010; GILABERTE et al., 2011; GRÖEBER; KISTERS; ADAMIETZ, 2015; MEEKER et al., 2016; MANZANO et al., 2020).

Se levarmos esta questão para prisioneiras grávidas, a deficiência de Vitamina D também está relacionada – além das complicações a gestação e a gestante – com fatores de doenças musculoesquelética, esquizofrenia, espetro do autismo, e o desenvolvimento neurocognitivo da futura criança (BASILE, 2014; QUEIRÓS, 2019; GODOY; COSTA, 2020; MELOUGH et al,. 2020).

Atualmente, há um projeto já aprovado na Comissão de Segurança da Câmara que atribui o limite de até duas horas diárias de banho de sol, condicionado à execução diária do trabalho atribuído ao preso. Para os presos que não trabalham será só de 1 hora, lembrando que todo preso quer trabalhar, pois gera remuneração e remição de pena.

Considerando a necessidade de 45 minutos, principalmente para a população preta, é uma escolha entre os malefícios da ausência de Vitamina D e queimaduras e outros mal-estares causados pela exposição ao sol intenso.

4º Pelo Fim da Impossibilidade da Recreação

O mesmo projeto de lei mencionado acima pretende acabar com atividades recreativas. De outro lado, as atividades recreativas são praticamente inexistentes em presídios femininos, e em muitos presídios há problema com a infraestrutura para tais atividades. De toda maneira, as suspensões destas atividades podem ser aplicadas como castigo.

O direito ao esporte é um direito constitucional e é uma forma de lazer e promoção social que oferta bons estímulos psicológicos e cognitivos (GODOY, 2002; MEREGE FILHO et al., 2014), pode manter a boa saúde física (CARVALHO et al., 1996) ou a recuperação física. O esporte pode ainda desenvolver habilidades profissionais dentro do esporte, e serve para uma infinita gama ensinamento a respeito da convivência social, processos comunitários, tomada de decisão, construção de valores e o contato com o outro (AQUINO, 2011; GUTIERREZ; DOTTO; ALLET, 2016; JARDIM et al., 2017; CESÁRIO; ROCHA e ROCHA, 2018).

De outro lado, dito os benefícios das atividades esportivas e recreativas, é necessário pontuar as consequências de sua ausência. Primeiramente, conforme reforçado pelo Racionais Mc’s no seguinte trecho de O Diário de um Detento: “Hoje tá difícil, não saiu o Sol, hoje não tem visita, não tem futebol. Alguns companheiros têm a mente mais fraca, Não suportam o tédio, arruma criaca”. Essa é uma leitura bem feita da associação do tédio à impulsividade e à agressividade (CAO e AN, 2020; VAN TILBURG, 2021), ao sadismo (PFATTHEICHER et al., 2021).

A ausência de atividades recreativas e esportivas pode ocasionar quadros clínicos como atrofia muscular e óssea (GREGG; PEREIRA; CASPERSEN, 2000), diabetes e obesidade (KATZMARZYK; JANSSEN, 2004), distúrbios em funções do organismo e do sono, ansiedade e depressão (WARBURTON; NICOL e BRENDIN, 2006; CIUCUREL; ICONARU, 2012), problemas cardiovasculares (GUALANO; TINUCCI, 2011), redução da massa cinzenta do cérebro (Zavala-Crichton et al., 2020), câncer (WARBURTON; NICOL; BRENDIN, 2006), entre outras doenças crônicas e respiratórias (FREITAS et al., 2020).

5º Fim da Restrição ao Jumbo

Em determinado trecho da música Diário de um Detento que versa sobre o Massacre do Carandiru diz “amanheceu com Sol, dois de Outubro, tudo funcionando, limpeza, jumbo”. Isto é, nas proximidades da ocorrência de uma das maiores chacinas da máquina profissional de assassinar pessoas, o serviço aos detentos de entrega e permissão de entrada de produtos alimentícios, médicos e de higiene proveniente de parentes estava normal.

Atualmente a restrição do Jumbo é um dos castigos mais aplicados aos presos. O uso do plural é proposital, pois não é raro todo o pavilhão ser punido em decorrência da falta de um único indivíduo, buscando causar algum tipo de divisão/agressividade interna entre os prisioneiros. Muitas vezes, as famílias são avisadas na portaria no momento da visita da impossibilidade.

Esse fato não se resume a uma simples frustração, são famílias que já tem uma vida financeira prejudicada tendo que escolher entre visitar o parente ou jogar fora um conjunto de itens que terá que comprar novamente para suprir a necessidade da pessoa encarcerada e assim ofertar as condições básicas de manutenção que o Estado não oferta. O sofrimento da família e da pessoa encarcerada ocorrerá em qualquer uma das escolhas.

6º Fim a Todas as Outras Formas de Violência Carcerária:

Além das diversas formas de constrangimento, sofrimento e violência já citadas, há muitas outras formas pelas quais as vítimas do sistema carcerário são submetidas. Há o fechamento de água de pavilhão, há a fiscalização da intimidade da correspondência generalizada, há inexistência do direito à defesa contra as medidas até então citadas, e há segregação social e tecnológica que causa encolhimento de habilidades e redução neural.

As pessoas em situação de cárcere também têm seu contato com a leitura censurada, em outras palavras, determinadas obras são proibidas e restringidas.  O controle de leituras é um ato de castração da visão revolucionária e libertária, o preso fica assim restringido a uma política educacional de cordeiro/pacifismo podendo ter contato somente leituras religiosas, livros de autoajuda, seu processo judicial e obras literárias descoladas da sua experiência e potência empírica.

Por fim, os banhos gelados é a normalidade dos banhos entre a população presidiária. Essa prática gera vasoconstrição (retração do tamanho dos vasos sanguíneos em diferentes partes do corpo) aumentando a pressão arterial e aumento da frequência cardíaca. Assim, esse contato com a temperatura baixa da água é danoso para pessoas com doenças cardíacas (4,2% da população), hipertensas (21,4% da população), diabéticos (6,2% da população) (SARRA; CORREA; DUARTE, 2021). Resta mencionar que para diversas doenças crônicas o banho tem efeito medicamentoso e o banho gelado aumenta a dor de mulheres em período menstrual.

Tendo em vista os fatos e argumentos expostos, a exposição humana às condições infraestruturais dos presídios brasileiros é por si só uma crueldade, mas por meio de medidas o Estado aumenta brutalmente o sofrimento da população carcerária. Não há outra conclusão a que tomar senão a de que ao preso não é assegurado o respeito à integridade física e moral, eles são expostos à tortura, ao sofrimento físico, emocional e mental, a um regime enlouquecimento, a graves violências e violações dos direitos humanos, e à uma existência de decaimento de vida.

Essas são situações que refletem sobre a família e sobre os bebês.

Para que nenhuma mãe fique impedida de abraçar seu filho, e para que nenhum filho fique privado do abraço de sua mãe, exigimos:

Fim da Polícia Militar inimiga do povo preto e periférico!

Pelo fim dos Depósitos Prisionais, dos Castigos e das Sanções Disciplinares!

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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