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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Perifobia

Lilia Guerra: a hora da escritora

A periferia não é, necessariamente, a favela... a periferia também não se confunde com lugares específicos... trata-se, principalmente, do proletariado, da expressão de seus modos

No Brasil de hoje, para quem gosta de literatura brasileira contemporânea, a melhor opção, certamente, são as editoras independentes, por isso mesmo, afastadas do mercado editorial, nas quais são encontrados bons livros de prosa e, especialmente, poesia. Eu, na maioria das vezes, sempre busco pelas publicações Patuá, Fractal, Córrego, Corsário Satã, Demônio Negro, Azougue… a Patuá, da cidade de São Paulo, tem seu espaço dividido com o bar livraria Patuscada; foi lá, nos finais de 2018, quando comprei o livro de contos Perifobia, da Lilia Guerra, cujo lançamento fora naquele mesmo ano.

Bastaria afirmar que o livro é fantástico? Para quem o leu, creio que sim… por ser tão bom, não é difícil elogiar a escritora… por isso mesmo, não é fácil começar. Posso tentar, talvez, pelo título e buscar por Lilia Guerra nessa pergunta: quem tem medo da periferia? Já no título, a escritora insere-se, conscientemente, na chamada Literatura Periférica, quer dizer, e em poucas palavras, a literatura escrita por quem vive fora dos bairros pequeno-burgueses, portanto, afastados dos centros comerciais urbanos. A periferia não é, necessariamente, a favela… a periferia também não se confunde com lugares específicos… trata-se, principalmente, do proletariado, da expressão de seus modos de vida e da luta de classes.

Assim, se há um modo de escrever cuja origem é a favela e a pobreza extrema de quem está fora do mercado de trabalho, há outro, diferente, do proletariado com acesso a escola, inclusive, ao ensino universitário. No primeiro caso, a alusão inevitável é à obra de Carolina de Jesus, em especial, Quarto de despejo, escrito por uma favelada, na favela, sobre a favela. A Literatura Periférica é diferente disso, seus autores são operários, por isso mesmo, seus horizontes e visibilidades são outros: a editora Global, por exemplo, lançou, em 2007, a Coleção Periférica, com três volumes; Alessandro Buzo, autor do romance Guerreira, um dos volumes da coleção, apresentou, de 2011 a 2014, o programa SP Cultura, na 1ª edição do telejornal SPTv, Rede Globo.

As soluções literárias propostas pelos autores são muitas, o tema é um universo amplo e bastante complexo. Embora as questões sociais sejam um dos principais encaminhamentos das narrativas, a Literatura Periférica, contrariamente ao esperado dela na indústria cultural, não pode ser reduzida a novelas burguesas, nas quais a solução para a luta de classes é o casamento entre pobres e ricos. Posso sugerir, pelo menos, quatro autores para confirmar a diversidade e a qualidade dessa literatura: Caco Pontes, Hélio Neri, Ricardo Escudeiro e Lilia Guerra.

Espero pela oportunidade de escrever sobre todos eles; justamente porque, faz poucos dias, recebi o livro novo da Lilia, Rua do Larguinho (2021, Patuá) – infelizmente, ainda não consegui ler…  –, lembrei-me dela e do quanto fiquei emocionado, a cada conto, de seu Perifobia. Entre tantas personagens fascinantes, chamo atenção para Isabel, protagonista do conto “Entre roseiras e jabutis” e de outras histórias, e suas posturas diante da emancipação feminina, inclusive, a sexual. Entretanto, quero me deter no conto “Dia de graça” e na personagem Ganhaúma, outra figura além das expectativas burguesas, capazes de não encontrar, naquele senhor de respeito, nada além de um vagabundo.

Não analisarei o conto, sequer resumirei sua trama, quero me deter na cena do almoço, tão delicioso e tão inesperado, servido ao Ganhaúma feito rei. Alguns artistas se valem de reuniões espontâneas entre companheiros de vida, fazendo delas genuínas comunhões, movidas não apenas pela amizade e a luta, mas apontando, inclusive, para dimensões míticas da imaginação humana. No cinema, posso exemplificar isso com alguns filmes de Ingmar Bergman: em O sétimo selo, a cena da confraternização entre o cavaleiro, seu escudeiro e a trupe de artistas, com morangos e leite; em Morangos silvestres, a cena em que o velho professor almoça com sua nora e três jovens desconhecidos. Pois bem, Lilia Guerra faz a mesma mágica com Ganhaúma, quem, inesperadamente, termina imerso em um daqueles momentos raros, servido, no conto, a café, cigarros, doses de cachaça, arroz, feijão, sardinhas e muito mais. Oferecidas por Dona Graça, a Gracinha, suas iguarias perfazem um rito cujo significado, nas palavras de Paulinho da Viola e Hermínio Belo de Carvalho – do samba “Sei lá Mangueira” –, “para se entender, tem que se achar que a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais”

A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a posição deste diário.

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