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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Fakeada

Imprensa burguesa sai em defesa de Bolsonaro

Documentário põe em dúvida versão oficial de atentado a Bolsonaro e incomoda imprensa da burguesia

A semana que passou foi bastante reveladora. Após o lançamento do documentário Uma fakeada no coração do Brasil, produzido pela TV 247, a imprensa da burguesia deu uma trégua ao Bolsonaro e voltou suas baterias contra o jornalista Joaquim de Carvalho, responsável pelo trabalho.

A coisa começou tímida, com um jornalista do Intercept Brasil no Twitter, o primeiro a tentar desqualificar o material, para logo ser encampada – quem diria – pela Folha de S. Paulo, o jornal da democracia, logo secundada pelos colegas do Globo.

Joaquim não só compilou o que até agora se sabe sobre o misterioso caso da facada que elegeu Bolsonaro presidente do Brasil como, principalmente, revelou as lacunas da investigação. Segundo a Folha, que reagiu com estrépito ao documentário, Joaquim de Carvalho apresentou uma “versão fantasiosa” dos fatos, pois investigar a tese de autoatentado seria tão absurdo quanto investigar a ação de alienígenas no episódio. Diz a matéria:

De fato, a PF nunca teve como objeto formal da investigação a hipótese de autoatentado, assim como não teve a de que a facada foi planejada por alienígenas, por exemplo, pelo simples fato de não haver qualquer indício plausível nesse sentido. Mas ela investigou e descartou a veracidade de várias das teorias de internet publicadas nesse sentido.

O frenesi da Folha não passou despercebido dos seus leitores, que, à exceção dos bolsonaristas de carteirinha, encheram a página de comentários da reportagem de críticas, as quais, no entanto, foram minimizadas pelo ombudsman da casa. Fazendo bem o seu trabalho de escudeiro do jornal, depois de ver o veículo pisar a areia movediça do bolsonarismo, saiu-se com a explicação simplória de que não se trata de questão ideológica, mas de falta de interesse prático em entrar no assunto.

Não bastaria, então, ter ignorado o trabalho da concorrência?  O site Brasil 247 divulgou uma portentosa lista de perguntas enviada pela Folha ao documentarista, que, em seu conjunto, fazem inveja a um interrogatório de CPI.  

O inesperado da situação é que a Folha tenha saído em defesa do Bolsonaro assim sem cerimônia, o que, em alguma medida, faz supor que o jornal tenha ficado com o rabo enroscado em algum lugar.

Verdade é que, no primeiro aniversário do episódio de Juiz de Fora, a mesma Folha publicou mais de uma reportagem com o claro objetivo de consolidar a versão de que Adélio era um sujeito “pancada”, que tinha alucinações e ideias de esquerda, aparentemente dois lados da mesma moeda, o que o teria motivado a tentar matar o então candidato Bolsonaro. Disse a Folha em 2019:

Em suas alucinações, ele [Adélio] acredita que os dois [Bolsonaro e Temer] são parte de um plano para entregar riquezas do Brasil ao FMI (Fundo Monetário Internacional), à máfia italiana e aos maçons. 

Simpático a ideias de esquerda e ex-filiado ao PSOL, Adélio afirma que eliminar Temer e Bolsonaro seria a forma de conter o suposto perigo.

A reportagem como um todo conduzia o leitor a ver Adélio como doente mental de alta periculosidade “com ideias de esquerda”. Endossava a versão oficial, o laudo psiquiátrico que justificou o seu isolamento etc., e, de quebra, entregava à militância bolsonarista o argumento de que esquerdistas são violentos, furiosos, perigosos.

O leitor que tenha lido o texto até a última linha testemunhou o empenho em consolidar a versão oficial dos fatos. Em uma passagem, o jornalista atribui o histórico de buscas de Adélio na internet à sua “mente caótica”:

O histórico de buscas na LAN house refletia sua mente caótica: também pesquisou, entre outros assuntos, sobre motos da marca Harley-Davidson, locais para se hospedar no município e vagas de emprego para servente de obras e atendente de telemarketing.

Apesar de sua “mente caótica”, Adélio se hospedou na pensão normalmente, seguindo as regras:

Para ficar na pensão, Adélio pagou adiantado, como era exigido de todos os clientes, um valor de R$ 430 referente a um mês de permanência. Também apresentou um atestado de bons antecedentes.

Suas atitudes suspeitas seriam, ao que tudo indica, estas:

Comentou que estava à procura de emprego, na área de construção civil. Algumas vezes foi visto com uma Bíblia debaixo do braço, dizendo que ia a um culto evangélico. Discreto, tramava calado a morte de Bolsonaro.

[…]

Andar por uma cidade desconhecida e nela rapidamente se localizar geograficamente era algo fácil para Adélio, que desde os 16 anos passava extensas temporadas longe de sua terra natal, Montes Claros, no norte de Minas.

Como se vê, o repórter, em vez de ater-se aos fatos, tira conclusões (no mais das vezes ingênuas), na tentativa de conduzir a interpretação. Mais um trecho:

Adélio morou em cidades como São Paulo, Uberaba (MG) e Balneário Camboriú (SC). Em 20 anos, trabalhou em 39 empresas, algo atípico.

Foi vendedor de livros, operador de máquinas em uma fábrica de xampu, garçom, copeiro, pedreiro, balconista de farmácia, auxiliar de cozinha, atendente de telemarketing.

O que se pode deduzir da informação é que Adélio não tem qualificação profissional e vivia de fazer “bicos”, como grande parte da população, o que talvez, para o repórter, seja “algo atípico”.  Para coroar o enredo, não poderia faltar o velho lugar-comum da pessoa “solitária”, que é sempre suspeita de alguma coisa:

Solitário, não era de ter relacionamentos amorosos, segundo as investigações 

… logo seguido do fecho com chave de ouro, que bem poderia ser lido com a voz cava do Cid Moreira (o antecessor do William Bonner na bancada do Jornal Nacional), que gravou uma narração da Bíblia:

O único desejo é o de completar a tal missão que ecoa em seus pensamentos.

Embora sua intenção seja nítida, explicitada pelo tom pueril, o texto acaba deixando no ar a pergunta: se o sujeito era tão simplório e amalucado, como conseguiu planejar e executar, sem ajuda de ninguém (exceto das vozes que ouvia em estado de alucinação), um atentado em praça pública?

O fato é que, em poucos dias, o documentário obteve um milhão de visualizações, o que mostra que muita gente não engoliu essa história de facada sem sangue e cicatriz que muda de lugar etc. etc. e ainda gostaria de obter uma explicação plausível dos fatos.

A esta altura, fica difícil não perguntar por que a Folha abraçou a versão oficial dos fatos com tanta convicção. Tal empenho lembra aquele de seus articulistas que faziam malabarismos para, em linguagem solene, convencer os leitores da gravidade do crime de “pedalada fiscal” ou para “provar” que o “impeachment” não era um golpe e que “as instituições estavam funcionando”.

Pode o documentário do 247 ser uma narrativa fantasiosa, mas certamente não mais que as histórias da carochinha que essa mesma imprensa vem contando ao povo desde que seus donos decidiram apear o PT do poder e entregar de vez o país à sanha imperialista.

Quando Bolsonaro sofreu o tal atentado (pouco antes da eleição), o candidato preferencial da burguesia não avançava além dos 4% ou 5% nas pesquisas de intenção de voto. Do outro lado da disputa, estava Fernando Haddad, ou seja, o fantasma da volta do PT, que nem a prisão do Lula conseguia afastar. A burguesia estava bem preocupada.

A tal facada, não há como negar, impulsionou grandemente a eleição de Bolsonaro. Ainda que a burguesia dissesse estar diante de uma “escolha difícil” (editorial do Estadão às vésperas do segundo turno entre Haddad e Bolsonaro), Sergio Moro, seu herói, não hesitou em abandonar a furibunda carreira de combatente da corrupção (outra historiazinha fantasiosa) para ser ministro do fascista (que já era fascista quando foi eleito). Enquanto isso, o go-go boy de Chicago, o senhor Paulo Guedes, entusiasmava os rega-bofes da “elite econômica” com suas promessas de devolver ao povo o seu lugar de miserável, a léguas de distância dos aeroportos e das universidades.

A benevolência da Folha (ou do consórcio de veículos de imprensa) em relação ao Bolsonaro, ao sair em defesa da versão oficial de uma história bem esquisita, pode ser um sinal de que, diante de uma nova “escolha difícil”, vai dar uma segunda chance ao “genocida”.

Se não for (só) isso, o mínimo que se pode dizer é que agiu como típico porta-voz da burguesia. Afinal, achou crível que um sujeito pobre, sem qualificação profissional, sem instrução, doente mental e “com ideias de esquerda” tenha arquitetado e executado sozinho o atentado, mas acha fantasioso levantar suspeita sobre cidadãos de bem da “elite” (médicos, diretores de hospital de rico, policiais, juízes etc.), que, a seu ver, seriam incapazes de sacrificar o próprio decoro mesmo em nome da gloriosa missão de manter o PT (e o povo) bem longe do poder.

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